segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

22 de Janeiro - 1º Trilho dos Abutres



Depois de se passar 4h30 embrenhado na mais profunda natureza da Serra da Lousã, percebe-se porque é que os sítios onde moramos são autenticos abortos de cimento e alcatrão. Obviamente a beleza é limitada e quando se gasta tanta, assim só numa serra, alguém vai ter de pagar a factura.

E pensar que por pouco não conseguia ir a esta 1ª edição do Trilho dos Abutres... Em bom tempo decidiu a organização abrir a torneira para deixar entrar mais umas gotas de tipos que não imaginavam que a 1 mês da prova poderiam ficar apeados. Não se esqueçam de a pôr no vosso calendário porque para o ano, com tanta publicidade, a coisa abre e fecha. Antes assim.

Desta vez a família não pôde estar presente e aproveitei para experimentar o solo duro. Com o Zé Magro saímos ao final do dia e juntámo-nos em Aveiras com o Ricardo a Xana e o Silvino. A viagem decorreu sem precalços de maior, mesmo com o GPS da Google a inventar um novo caminho entre Condeixa e Miranda do Corvo. Felizmente não teve impacto no tempo ou na distância (digo eu). Apenas foi mais emocionante... O pessoal do carro de trás já devia ir a rezar quando finalmente entrámos na nacional, já quase em Miranda do Corvo. Obrigado Google por mais um momento de parvoíce. No fim até deu para rir e fiquei proibido de ligar o GPS tão cedo.

O solo duro era um salão nos Bombeiros de Miranda do Corvo, óptimas instalações, com direito a colchões e tudo. Nem foi preciso abrir o que levava. Até colchões de casal havia para os mais afortunados que iam dormir acompanhados (sempre era mais aconchegante). Depois de analisadas as instalações hoteleiras, lá fomos levantar os dorsais e jantar ao Zé Padeiro. Estava muito frio e embora o termometro só marcasse 1 grau sabia que na manhã seguinte estaria um pouco pior. Estranhamente não havia qualquer vento quando no caminho o vim a sentir bem forte e a previsão falava em muito vento. Olhando em redor facilmente se percebe que Miranda do Corvo está num vale rodeada de montes e neste dia de vento Este, bem abrigada atrás da Serra da Lousã. Em conversa com o Vitorino confirmei que lá mais para cima a ventania com temperaturas negativas ia ser um osso duro de roer. Passámos uma boa noite, sem frio e com o nível sonoro (leia-se roncos) em dBs, nos limites do aceitável. Eles estavam lá mas não incomodavam muito.

No dia seguinte optei por levar uma dupla camada de camisolas de manga comprida. Estavam talvez os prometidos -2ºC. Mas a ausência de vento enganava. O corta vento ficaria no camel back até chegar a zonas mais ventosas. Creio que fiz uma boa escolha. As duas camisolas não atrapalham e enquanto a 1ª absorve a transpiração e fica mais ensopada, a 2ª evita o contacto directo do frio e do vento com a 1ª muito molhada.

Local da partida bem animado com quase toda a gente a respeitar o material obrigatório, embora houvesse algumas excepções que a organização afinal deixou passar. Logo após a partida o mote estava dado. Água, muita água. Sempre a subir e com muita água. Sempre ao lado de riachos e ribeiros, começámos a subir a Serra da Lousã. 




À medida que entrávamos cada vez mais serra dentro os obstáculos iam aumentando de dificuldade. Era preciso transpôr riachos, trepar encostas ingremes, passar troncos ora por cima ora por baixo, a diversisdade de desafios ajudava a passar o tempo. A beleza natural fazia-me parar vezes sem conta para fotografar. O som da água era uma constante. Rapidamente percebi que não queria ir muito depressa. Preferia apreciar cada pedaço de serra. A natureza ali foi muito generosa. Mas a subida era permanente e por vezes extremamente ingreme. Em muitos sítios não podia sequer pensar em usar a máquina porque precisava das duas mãos para me agarrar ou, por segurança, não queria ter uma máquina na mão caso precisasse de usar a 2ª mão ou mesmo acabasse por dar um grande tralho.

A beleza da paisagem misturava-se com o cansaço físico dada a exigência das subidas constantes. Como em muitos sítios não se podia correr, não era tanto que me sentisse cansado. Eram os músculos que já não respondiam a tanta escalada. Para variar passávamos várias vezes em enormes lamaçais. A unica preocupação era não deixar lá um sapato colado. Ainda tentava evitar alguns, não por causa da lama mas porque me gelavam os pés e era dificil retomar a temperatura de conforto, dado que não havia muita possibilidade de correr e
expulsar a água gelada que entrava. Quase a chegar ao km 16 um lamaçal enorme impossível de evitar enterrou-me até aos tornozelos. Diz o José Carlos que ia à minha frente "Já perdi toda a dignidade" e pimba mesmo pelo meio. E eu numa fracção de segundo analiso o trilho de um lado ao outro e concluo "Siga para bingo" FLOF FLOF FLOF. Não ficou lá nenhum sapato.

O 2º abastecimento surge mesmo antes de abandononamos a protecção das copas das árvores. Aí aproveito para reabastecer com uma mini geladinha. Ahhhh!!! "Ainda falta subir muito?" "Mais 1,8Km até às eólicas" "E é duro" "Sim, sim, bem inclinado" "Xiiiiii!!!" Siga. Mal abandonámos o arvoredo o vento que já andava a ameaaçar começa a fustigar a sério. Estámos perto dos 900m de altitude e estavam 2 graus negativos. Após mais uma forte subida, num sucalco, aproveito para vestir o corta vento. A mini ia cá dentro a chatear a começava a pensar se teria sido boa ideia. Algo não estava bem. "Bllllluuuuurrrrppp!!" Após um gigantesco arroto percebi o que não estava bem e tudo normalizou.

Estávamos agora perante um novo desafio. As rajadas de vento de -2ºC faziam com que a temperatura aparente fosse de pelo menos -10ºC. Mal conseguíamos progredir. A ultima subida com uma inclinação de cerca de 18% (será que fiz bem as contas?) mesmo não sendo das mais ingremes, com aquele vento (que ainda por cima era Este e não ajudava nada a subir) e aquela temperatura. Ui, ui. Nesta zona o Vitorino Coragem vinha cá abaixo à rampa buscar o pessoal e dava-nos ànimo até lá acima, depois quando outro se aproximava tornava a vir cá abaixo. Fiquei a pensar como é que ele conseguia estar ali naquele sítio completamente gelado a animar o pessoal para vencer aquele dificil obstáculo. Valeu Vitorino! 

No cume a paisagem era belíssima mas não dava para apreciar. Demasiado agreste. Recomeçámos a correr e todo o meu lado direito estava pronto para a secção de congelados de qualquer hipermercado. Não via a hora de regressar à serra e à sua protecção natural contra este exagero. Até que finalmente surgiu a pista de BTT de downhill. Carreiro pedregoso e estreito com várias zonas de salto. Eu já vinha com os pezinhos tão doridos que não pude tirar partido de grandes velocidades. À medida que descemos a serra o vento vai amainando,
começam a surgir algumas árvores e o piso começa a ficar mais inclidado e ainda mais perigoso. O piso com muitas pedras e folhas a escondê-las convida a colocar mal um pé e fazer uma entorse. Já tinha perdido a conta aos torções que tinha dado nos calcanhares. Abandonei a velocidade estonteante que trazia e deixei os meus companheiros que já vinham ali a pedir ultrapassagem desaparecerem à minha frente. Nalguns momentos de lucidez pensamos que tudo pode correr mal a cada passada e por um exagero estragam-se vários meses de provas e investimento. E nos próximos meses não quero estragar nada do que aí vem. Por isso abrandava. Não havia necessidade.

A pista de downhill acaba em Gondramaz. Aldeia de xisto belissíma onde começa uma nova etapa. Vales de pedras e regresso dos riachos, ribeiras, cascatas magníficas, pontes. Piso escorregadio e traiçoeiro, musgo, etc. Por vezes progredíamos agarrados a cabos presos à rocha. Outras seguíamos por vales ao lado de ribeiros que
corriam bem mais que eu. Tanta maravilha natural e eu a correr por ali. Já desde o 2º abastecimento que seguia com o José Carlos que viria comigo até ao final. Às vezes ele parava para dar assistência a um companheiro ou ficava para trás um pouco, Outras era eu que ficava numa sessão de fotos e videos. 


No 3º abastecimento faltavam apenas 5Km para a meta. Não tinha sinal de cãibras mas ia a sofrer qb dos meus
dedões. Acabei por chegar bem, tirando as dores nos dedos dos pés não estava muito cansado. Fiz a prova devagar sem grandes exaustões. Para variar foi a minha parte mais fraca que deu de si. Mas tirando algum cansaço e dores naturais de 35 Km de serra estava tudo a 100%.

O almoço estava bom e a feijoada repôs bem as energias perdidas. Era tempo de zarpar. Com jeito ainda ia chegar a casa a horas de jantar. O GPS desta vez portou-se bem e embora tenha tentado enganar-me numa rotunda o tipo estava atento. Viemos "por dentro" em vez de virmos pela A1 e nunca mais vou para ali pela A1. Poupam-se 10 euros de portagem e o caminho, tirando alguns Km's de estrada por dentro de localidades é bem mais interessante e quase tão rápido como a volta maior.

Os Abutres estão de parabéns com a melhor prova de 2011. Embora seja ainda muito cedo, a conjugação de factores que aqui se deu, com a natureza e a organização a sobressaírem de forma esmagadora, dificlmente será possível superar em termos gerais esta prova. Mas como não há coisas impossíveis, aposto que este ano vai ser muito interessante para as provas de trail. A fasquia está bem lá em cima agora. Siga!

Não se esqueçam de treinar que isto promete, já se está a ver.


Não deixem de visitar o site da prova neste link onde estão muitas outras fotos. As minhas estão aqui. No facebook coloquei alguns videos também. Se tiverem acesso vejam-nos aqui.

7 comentários:

  1. Excelente Paulo !!! Parabéns
    1 Abraço,
    João Lamas

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  2. Parabéns para vocês João. Para o ano prometo não me atrasar com a inscrição.

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  3. Olá Paulo, fantástico relato de uma esplendida aventura que maravilhou a todos que tiveram a sorte de a fazer, numa zona lindissima.

    Valeu e muito a pena ter lá ido, encarar e superar as dificuldades, pois soube tão bem depois chegar á meta depois de tão intensa vivência.
    Abraço

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  4. P.S: Paulo, o ultimo comentário foi meu, esqueci-me de assinar Lol

    Magro

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  5. Paulo concordo plenamente contigo na análise desta maravilhosa prova, também podias teres-me pedido para te tirar mais fotos, ficarias mais documentado pois se me ia a arrastar ali nada me custava! afinal sou o José Carlos! obrigado pela companhia! um abraço até aos Alvados, ou Sicó, ou trilhos do pastor ou até breve

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  6. José Carlos, tenho o video da nossa chegada. Manda o teu mail ou aparece no facebook para teres acesso. Grande companhia naquela descida. Tenho tb a descida para uma ribeira contigo a liderar. Aparece.

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  7. Isso do facebook é muito à frente para mim! então agradeço que envies para jocadiba@iol.pt, para ver esse sucesso! obrigado e um abraço

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