quinta-feira, 14 de junho de 2012

19 de Maio - Ultra Trail Serra de S. Mamede - 100Km

Histórias de 100 Km no Alentejo


Nunca diria que eram 3h30 da manhã. 
Embora tivesse dormido uns breves momentos em que não estava alguém a montar uma tenda dentro do pavilhão, e montaram várias, já bastante tarde com o respeito pelos outros, bem típico de um tuga. Tal como tinha antecipado a partida às 4 da manhã não traria benefícios a ninguém. Não iria ser possível dormir algo que se visse, e bem que tentámos a partir das 9 e pouco da noite. Mas também seria pouco razoável esperar pelas 4 horas acordado. 
Mas isso estava já enterrado. O ambiente era eléctrico. Para um observador ocasional parecia a partida de uma prova como tantas outras. Centenas de participantes iam-se encontrando e reencontrando, piadas, fotos, fotos sem fim. Lá fora a chuva iniciou uma pausa e a pouco e pouco íamos tomando a pista do estádio de assalto. Mas quando se olhava para muitos dos companheiros transparecia algo de diferente. Nunca tanta gente se estreou numa prova de 100Km em Portugal. Quase 200 pessoas à partida. 

Eu nem pensava no que aí vinha. Já há 2 dias que só pensava em partir e começar a correr. Mas agora ali ,naqueles últimos instantes, a ansiedade tinha desaparecido. Sabia que tinha feito o trabalho de casa. Bem ou mal, tinha-me preparado. Nos ultimos tempos já sentia o corpo a pedir para abrandar e para trazer depressa o desafio. Queria ultrapassar o desafio. Era para isso que ali estava, que tinha treinado desde Fevereiro. É certo que tinha sido um treino ortodoxo. Não o vou descrever de novo. É lerem este blog desde a Maratona de Sevilha. Diria mesmo que está aqui todo o plano de treinos para uma prova como a de Portalegre. Diria que quem cumprir este plano estará naquela partida, naquele estádio, exactamente como eu estava. Desejoso de ultrapassar o desafio.

Os Xutos tocavam e o speaker debitava umas palavras distorcidas que só aqui e ali se percebiam. Eu refazia mentalmente a razão e o percurso que me trouxe até aquele instante. Dá uma satisfação enorme estar nestas grandes epopeias quando demorámos meses a planear, quando antecipámos mil vezes o momento, em treinos, noutras provas. Já lá dizia o poeta que o importante é partir. Sentia uma alegria enorme por estar a fazer parte daquela festa e sentir-me 100% pronto para vencer a batalha. Lembrava-me do João Cunha e do seu desafio "vamos fazer Ronda", lembrava-me de ter mudado para Portalegre em vez de Ronda, lembrava-me de todo o percurso. 

E quando o Bono cantava where the streets have no name lá fomos nós precisamente para esse sítio. 


Saímos do estádio e rapidamente estávamos a correr em terra batida. Um pequeno trilho mantinha-nos em fila indiana em subida suave mas contínua. Temperatura perfeita, noite húmida. Centenas de pirilampos subiam a encosta. Apetecia parar para fotografar mas era tempo perdido naquelas condições só ficaria com um borrão. Tentei manter um ritmo constante e não abrandar, para já, nas subidas. O coração acelerava devido ao esforço, mas era muito cedo para me preocupar com o cansaço. Gosto de correr à noite e embora fosse sem ninguém conhecido por perto lembro-me da sensação de plenitude que senti naqueles primeiros momentos. Que enorme prazer. Já estávamos a fazer os primeiros Kms da minha primeira prova de 100Km. De vez em quando sentíamos os chocalhos do gado bovino que descansava nos prados. Ou seria caprino? Seja o que fôr os rebanhos de certeza que estariam confusos com aquele corropio de passos interminável. Passávamos também por tendas de escuteiros da organização que viram seguramente o seu sono interrompido por alguns momentos. As provas matinais haviam de passar por ali. 

À passagem por uma zona com um ribeiro, cheia de pedras escorregadias e de pedras incrustadas no chão seguia com mais cuidado. Tenho sempre algum receio destas zonas, de poder acabar logo ali o trabalho de meses, de uma forma parva e totalmente desnecessária. Sinto uma pedra que se solta à minha passagem, e alguns momento depois um barulho de alguém a cair desamparado e a bater no chão. Volto atrás, juntaram-se logo várias pessoas. Era o Carlos que tinha acabado de se estatelar e estava ainda um bocado abanadado. Sangrava do sobrolho e do lábio. Alguém desencantou logo umas folhas de papel absorvente. O Carlos depois de se refazer da queda e sem grandes hipóteses de avaliar as feridas decidiu seguir. Fui ali ao pé dele e tentava ajudá-lo a perceber a dimensão dos cortes. Felizmente para ele as feridas não eram graves e o sangue rapidamente parou. Ficou apenas com cara de quem tinha andado à pêra :)
A chuva fazia-nos companhia. Nem sempre, mas por vezes grossa e fria. Ficávamos que nem pintos e arrefecia-nos para além do que era preciso.

Rapidamente veio o primeiro abastecimento. Ainda noite cerrada. O terreno alterou-se, estávamos agora a correr por estradões largos de eucaliptal e subíamos suavemente para Alegrete. Daquelas subidas que maçam. Não dá para andar porque fica muito lento mas correr é duro. Quando a coisa empinava aproveitavam-se os bastões e passa-se a marcha rápida apoiada. 

Alegrete surge rapidamente e dá o mote para o resto da prova. Embora ainda não fossem 6 da manhã a vila parecia em festa tal a quantidade de gente que estava pelas ruas, desde logo à porta da muralha que passámos para entrar na vila após a subida. O coreto era um mar de gente da terra, lá em cima, cá em baixo. Havia cafés abertos. Que vida fantástica que a prova deu à terra. Recuperadas algumas forças e repostos os níveis era altura de começar a subir para as antenas. A subida para as antenas era bem mais simples do que o previsto. Até que se começasse a subir com uma inclinação digna desse nome muitos Kms passariam. Durante essa subida começaram-se a definir os companheiros naquele ritmo. O Carlos aparecia e desaparecia bem como o trio que tinha ganho o 2º lugar por equipas 1 semana antes nos 101Km de Ronda... O Herculano, o Mimoso e o Ricardo... gente doida que colecciona provas de 100Km todas as semanas.

Acabei por chegar às antenas bem dentro do horário que tinha planeado. Tinha traçado alguns objectivos. Embora esta fosse a minha primeira prova de 100Km não quis deixar de traçar três objectivos, a saber:
- acabar - este é óbvio e era o único que teria de ser cumprido a todo o custo
- acabar antes da meia noite - 20h de prova. Isto permitia ainda acabar com o evento 24h a correr a decorrer. Imaginava eu que estivessem algumas pessoas nas bancadas do estádio e que fosse um evento de algum modo participado pela população da cidade.... enfim.
- acabar de dia - 17h de prova. Isto permitiria não voltar a usar o frontal. Lembro-me bem de o guardar na mochila por volta das 6 e pouco da manhã e de desejar não o voltar a ver nesse dia. Seria bom sinal. 
Ora neste exercício puramente teórico de definição de objectivos parecia-me que se chegasse às antenas (30Km) ao fim de 5 horas, com a grande dureza que tal pressupunha, o resto seria canja para fazer em 12-13h. Estava a chegar às antenas com 4 horas de prova apenas. É certo que tinha achado a subida bem mais fácil do que tinha imaginado. Um ultimo troço duro de algumas centenas de metros e pouco mais. Só isto Portalegre? Bah! Mas não embandeirei em arco. Nunca tinha feito mais de 60Km. O que iria acontecer para além desta distância? Lembro-me bem da forma como cheguei ao fim no Oh Meu Deus de Vila de Rei, 60Km... Mais 40Km? Ui, ui...

Nas antenas perdi algum tempo pois tive de fazer manutenção aos pés. São o meu ponto fraco e tenho de fazer manutenção preventiva sempre que pressinto alguma zona a ser massacrada recorro a doses maciças de vaselina que aplico mesmo por cima das meias. Recomendo! Aproveitei para tirar também algumas pedras e terra que se vão acumulando. Com isto o Carlos que vinha mais ou menos a par na subida ganhou alguma distancia. 
Seguia-se um trilho de BTT que nos trouxe das antenas até 300 metros mais para baixo num fósforo. Saltos e mais saltos, um pouco de risco aqui nesta zona mas estava a saber bem descer depressa pelo trilho das biclas. 

Até ao Km 38 segui sozinho. Sentia-me bem. Não me passava pela cabeça que tinha de correr 100Km ou que faltavam 70 e tal Kms. Quando pensava no que faltava pensava apenas em termos de tempo e do que me faltava desfrutar. Sabia que havia de estar o resto do dia a correr, o que me importava quantos Kms faltavam. Ainda não eram 9 da manhã, tínhamos o dia todo pela frente e não fazia ideia de como iria acabar. Enquanto isso corria sempre que conseguia e naquela zona não havia desculpa para não o fazer. Não tirei muitas fotos por dois motivos. Até meio do dia o nevoeiro não deixava ver nada de jeito. Quando o nevoeiro se dissipou apercebi-me que a lente estava suja e não havia em mim um cm2 seco com que a pudesse limpar. O aspecto horrível com que as fotos ficavam foram-me fazendo esquecer de usar a máquina.

Desde que partimos que a chuva era uma constante. O tecto de nuvens estava muito baixo e no nosso sobe e desce constante sempre que entrávamos nuvem adentro, lá vinha ela chatear. Nos vales dava para secar enquanto não tornávamos a subir. 

Antes de chegar à barragem onde estava novo abastecimento começo a ver um companheiro ao longe que me parece o Carlos. Estávamos agora numa zona muito bonita que contornava a barragem e aproximava-me dele a pouco e pouco. Apanho-o ainda antes de chegarmos à ponte e desabafo, bolas estava farto de vir sozinho, ainda bem que te apanhei. Passámos aquele abastecimento onde belas chouriças fumegavam num grelhador eléctrico. Fiquei abismado a pensar que raio de inversor eles para ali tinham que suportava um grelhador eléctrico??! Uma fatias de choriço, nem me lembro se a 1ª mini de muitas que estavam para vir e siga.
Ainda partimos juntamente com o trio campeão mas na sucessão de subidas que se seguia acabei por ficar com o Carlos e outro companheiro que se juntou a nós. Embora pudesse seguir um pouco mais rápido a verdade é que prefiro seguir com companhia à conversa e nesta prova o tempo era o menos importante, desde que estivesse a fazer uma média confortável. A experiência do Carlos em várias ultras com mais de 100Km transmitia-me também muita confiança. E lá seguíamos com ele a enumerar as Ultras do curriculum, as muitas peripécias vividas e eu a tomar notas. Os Kms voavam.

Começamos a ver Marvão surgir ao longe depois de passarmos Porto da Espada e de termos feito o 3º pico do dia. As núvens tinham desaparecido de vez, ou pelo menos as de baixa altitude. O sol espreitava agora entre nuvens altas e já nos tinha obrigado a abandonar os casacos. A vista era deslumbrante. Um vale gigantesco é o que nos separa de Marvão. Estamos quase à mesma cota e vamos ter de transpor todo aquele vale da única forma possível, descer a encosta e subir a de Marvão. Já tínhamos passado dos 50 Kms mas pouco importava. Agora só já pensava em chegar a Marvão, tomar um banho e trocar de roupa e comer qualquer coisa revigorante e quente.
Claro que entre o pensar e o fazer era toda uma dificuldade que faltava. Foram quase 2 horas para fazer aquele vale e chegar por fim a Marvão numa das mais duras, senão mesmo a mais dura escalada da prova. 10Km em 2 horas. Ainda conseguimos reagrupar com o trio maravilha mas eles fizeram uma rápida paragem no abastecimento e deixaram-nos para trás definitivamente.



A paragem em Marvão teve tanto de bom como de mau. O que deveria ser o melhor abastecimento tinha vários problemas a decorrer. Desde logo o banho anunciado pela organização não existia. Quando se vem a  imaginar sensações que depois se desvanecem de repente fica aquele sabor amargo. Mas nada poderia já afectar-me. Estávamos ao Km 60 com 8h30 de prova. É certo que tinhamos perdido meia hora para os 30Km com 4h mas o que era isso de meia hora. Peanuts. 
Não houve banho mas houve troca de roupa. Meia secas, mas não arrisquei trocar pelos meus ténis mais quentes de Gore-Tex, pelo contrário, percebi que os devia ter usado na primeira parte da prova sempre a chover e com os pés molhados e ter agora os mais frescos à minha espera. Não ia arriscar. 
Vá lá que ainda consegui comer a penúltima sopa. Soube que nem ginjas. O abastecimento estava semi-abandonado, diria em auto-gestão. Depois de comer e encher o saco de água pusémo-nos a andar dali.

Ainda antes de começarmos a descer, um turbilhão de emoções estremece-me quando ligo para casa. Soube mesmo bem falar com as minhas princesas. Sabiam que estava em Marvão. Em casa estavam a seguir a prova ao rubro. A genial ideia da organização de ter uma folha de cálculo da google a ser actualizada nos postos de controlo, bem como um chat que juntava todos os familiares e amigos com a organização foi, como tinha previsto, simplesmente genial. Toda a gente podia seguir a nossa prova em directo, saber onde estávamos, sofrer com as nossas passagens, preocupar-se quando estávamos a demorar demais a chegar ao próximo abastecimento. Lá em casa sabiam bem mais que eu. Sabiam quem ia à frente, onde estavam os meus amigos e companheiros, onde está este? testava eu, e aquele? e o outro? 
Fiquei emocionado com a chamada. E ganhei forças extra para acabar. Já não tinha duvidas que ia acabar a prova. Faltavam 40 Km. Nada conseguiria impedir-me. Estava agora em terrenos nunca dantes corridos mas parecia que estava a começar. Mal começamos a descer surge uma calçada medieval que é a nossa companhia até cá abaixo à Portagem. Foi o princípio de uma fase muito massacrante que nos havia de arrasar os pés Kms e Kms até Castelo de Vide.


Os próximos 30Km haveriam de ser transpostos agora em 5h45, uma média arrasante, que demonstrava já também algum cansaço mas sobretudo a dureza do piso e também das fortes subidas que nos haveriam de fazer passar 3 picos. Mas guardo sobretudo na memória a massacrante calçada medieval que, se me dessem um Caterpillar arrancava de bom grado encosta abaixo. É que foram muitos Kms daquela porcaria. Não deixa correr, causa um atrito enorme dentro dos ténis, gera um calor enorme nos pés, o piso é duro como um par de cornos, dos rijos, e tudo somado são muitos kms de frustração, em que não consegui fazer o que mais gosto e fiquei com os pés feitos num bolo. Foi só gerir o prejuízo até me conseguir ver livre daquela trampa.



Foi só por volta do Km 80 que nos começamos a livrar da calçada e de trilhos que não tinham calçada mas  pareciam feitos de restos de pedreiras abandonadas tal a quantidade de pedras e calhaus que tornavam a coisa intransitável até por uma junta de bois. Nessa altura os estragos dos Kms anteriores a somar a todo o resto dos 80Kms já não deixavam margem para correr com prazer. Tínhamos saído do abastecimento de Castelo de Vide aos 74 Km com o aviso que o próximo estava aos 88Km, verifiquem se têm tudo, água, etc. São 14 Km. Estávamos agora em terrenos mais simpáticos. Estradão a dar descanso, serpenteando pela planície.


O Carlos já vai a gerir o esforço. Eu não consigo ir tão devagar. Casa passada que dou é desconfortável, os pés foram muito massacrados. Nesta fase percebo que correr é menos penoso. Seja porque mentalmente estou a ir para o final mais depressa, seja porque os pés ficam mais anestesiados com a corrida, tenho de seguir a correr e afasto-me um pouco do Carlos. É altura de cerrar os dentes e seguir. Já falta pouco. Mas não faltava. No Km 88 não estava nenhum abastecimento, apenas pessoal da organização a avisar que estava aos 92 Km depois de uma terrível subida e respectiva descida. E aos 92 Km após parar um pouco no abastecimento sou apanhado de repente por um ataque de frio que me fez vestir o corta-vento e sair a correr para aquecer. Nem enchi o saco de água. No abastecimento avisaram que vinha aí um novo pico para transpor. Que era o ultimo.

Ia eu a tentar controlar-me do ataque de frio quando vejo um carro vir pela estrada de terra em direcção a mim. Olho sem ver nada. O vidro abre-se e pergunto-me que raio me quer este agora. Lá dentro um sorriso enorme por me ver. Tive de juntar forças para pensar. Era um colega meu que tinha ficado de me ir ver a passar algures no percurso. Já tinha ido a Castelo de Vide mas falhou a intersecção. Andava agora às voltas ali por aquela zona e do nada deu comigo. Comprimento-o, agradeço mas digo-lhe que estou com um ataque de frio e que não posso estar ali parado, tenho de correr para aquecer. Despedimo-nos mas havia de o encontrar mais 2 ou 3 vezes. Perseguiu-me e tirou-me várias fotos. Até correu 200m quando deixou o carro a tapar um acesso. Foi uma ajuda que me levou até ao início da descida para Portalegre.


Nesta altura talvez com 95 Km e Portalegre lá em baixo só faltava deixarem-nos cortar a meta. Mas a organização aqui complicou sem necessidade. Já em plena descida para a cidade, era a brincar. Ainda nos fizeram voltar a subir um morro e contornar toda a cidade. Tinha-me juntado primeiro a um companheiro e depois fomos apanhando vários outros pelo caminho. Com mais dores ou dificuldades todos acabaram por se juntar no nosso comboio. Éramos 5 a maldizer tudo e todos. A cada cruzamento que não era para o estádio era uma lamentação enorme. Os 100Km já tinham passado e não havia meio de embicarmos para o estádio. Mais uma descida, mais uma subida, mais um trilho a descer, mais uma curva. Há muito tempo que vinhamos a ouvir o speaker da prova mas estava difícil de acabar. Mas era já inevitável. A UTSM estava a dar as ultimas. Os meus objectivos iam ser todos superados. 16h43. O sol estava a pôr-se no horizonte. Na volta ao estádio preparámos a chegada à meta. Os maçaricos iam à frente (eu e um companheiro), escoltados pelos 3 companheiros já mais que batidos nestas coisas de 100 Km e mais. Deve ter sido uma bela foto. Lembro-me de uma senhora com a máquina  a fazer o retrato na meta. Mas infelizmente nunca apareceu tal foto. Fiquei com pena. Não ter uma foto de finisher da UTSM a minha primeira Ultra 100K. Ainda por cima tínhamos ensaiado a coreografia da chegada e tudo. Acontece aos coxos. Não devia, mas acontece.
Felizmente a organização estava atenta e este ultimo parágrafo está desactualizado...

Abraços, cumprimentos, festa. Tinha passado um belo dia a conhecer todas aquelas serras em pormenor.  Era tempo de ligar para casa a anunciar a chegada. Depois desfrutar de tudo o que a organização tinha planeado para nos servir. Massagem, um revigorante banho quente, um jantar que me soube como um manjar dos deuses e esperar pelos companheiros de equipa que faltavam chegar.

Sentia um misto de alívio, cansaço, felicidade e conquista. Não tinha mazelas e tirando os pés massacrados pelo piso senti que tinha feito uma prova num ritmo confortável. Nunca sofri demais, nunca pensei que não ia conseguir, pelo contrário. Fisicamente estava confortável. Massacrado mas confortável. Acho que o sabor do sucesso abafava muito do cansaço. Ainda tentámos vir directos a conduzir para casa, já altas horas depois de chegarem todos e se recomporem mas o cansaço ameaçava a viagem e depois de Coruche encostámos para fechar um pouco os olhos. Às primeiras horas da manhã estávamos em Lisboa, depois de um magnífico Sábado a correr em Portalegre.

Como imaginam este é um pálido retrato de tudo o que aconteceu durante a prova. Não teria tempo, nem vocês paciência, de vos contar todas as histórias, emoções e sensações que vivi. O meu conselho é preparem-se minimamente e façam uma Ultra de 100 Km ou mais. Qualquer pessoa minimamente preparada acaba esta prova dentro do tempo máximo (25h). O ultimo classificado deve ter corrido muito pouco. É uma lição para o nosso corpo e para a nossa mente. Basta fixar objectivos razoáveis, treinar e fazer.

O + da UTSM

A simpatia e dedicação, a organização, o uso da internet, a partilha de informação, o jantar, não ter faltado comida nem bebida para ninguém, nem para quem precisava de comer mais um pouco e beber um pouco mais :), a dureza da prova, a minha 1ª ultra 100K, o voltar para ver a organização fazer ainda melhor, o preço, a hospitalidade, o Alegrete, as mines, e foram tantas, nos abastecimentos e nos cruzamentos, os enchidos, o tinto e a febra nos abastecimentos, a boa disposição de toda a gente por todo o lado, o João e as suas fotos ao Km 92, o casal de velhotes espanhol no ultimo pico sai de dentro de um carro e à chuva me vem perguntar se preciso de gel, barras, qualquer coisa, a água gelada que me deram, o Carlos e a sua companhia, a corda para rapel, o sucesso desta 1ª edição, a felicidade da organização por nos ver felizes, a genuinidade de tudo e de todos.

O - da UTSM

Os Kms de calçada, os Kms de calçada e os Kms de calçada, a hora da partida, a falta de respeito de quem monta tendas dentro de pavilhões com toda a gente a dormir e o traçado dos Kms finais. Tudo coisas que se resolvem facilmente.

Agora amigos, o limite é o céu! Nunca esqueçam que o que importa é partir!

Fotos e videos para todos os gostos aqui. Se encontrarem a minha foto de finisher avisem :(
E já avisaram. A organização estava atenta, mais uma vez, e num instante disponibilizou a foto.
Obrigado por mais esta :)

domingo, 3 de junho de 2012

Suunto Ambit versus Garmin 610...

...uma batalha de relógios com GPS
1 - A surpresa

Esta análise nasceu de um acontecimento surpreendente. Creio que merece ser referido porque enquadra o teste que se vai seguir e ao mesmo tempo é uma lição de atitude que deveria ser seguida por muitas empresas e mesmo pessoas no dia a dia. É graças a este facto que estão a ler esta minha análise ao Suunto Ambit.

Actualmente tenho um Garmin 610. Se leram a análise que em tempos fiz, perceberão que é um relógio fantástico, inovador e que lidera sem margem para duvidas o segmento dos relógios com GPS. Reparem que quando digo relógios com GPS, quero dizer isso mesmo. Relógios! O 305 não é um relógio. o 310 também não é. O 910 não é um relógio. São aparelhos, excelentes na sua função, que até conseguem saber e mostrar as horas, mas não são relógios. Não sei se me fiz entender. Ligam-se para se usarem, duram X tempo, e desligam-se. E guardam-se pois não servem para nada até se carregarem de novo. E não são coisas com que se anda no pulso... ainda por cima desligados. Estamos percebidos agora?

Eu sei que os felizes proprietários de todos os modelos referidos vivem bem com as suas máquinas, é mesmo o que queriam, não precisam de mais nada. Óptimo. Mas esta análise fala de e compara relógios com GPS.

Dizia eu que o 610 é fantástico. Mas... há sempre um mas. A Garmin tem um grave problema de atitude. Acontece com muitas empresas infelizmente. Crescem, incha-lhes o ego e ignoram os seus clientes. Acham que  sabem o que todos querem e não precisam de explicar mais nada a ninguém. Algumas incham tanto que rebentam...

No 610 a Garmin excluiu propositadamente a função Courses, que permite carregar e seguir um track GPS para o relógio. Uma função que esteve disponível na linha 4* e que de repente desaparece. Já expliquei em pormenor no outro artigo não me vou adiantar mais aqui. É compreensivo que eles façam o que querem. Afinal o produto e a marca é deles. O que já não é admissível é a empresa não responder francamente quando questionada sobre a não inclusão da funcionalidade, quer de origem, quer a possibilidade de um upgrade futuro. Dado que se trata de uma funcionalidade que considero importante é natural que o desprezo da Garmin pela minha necessidade me leve a procurar uma alternativa. 

O facto de eu ter comprado inicialmente este modelo e que resulta na minha actual frustração com a atitude da Garmin, tem a ver sobretudo com a implementação da função Courses de um modo incompleto (nalguns sites de reviews o 610 é referido como tendo Courses e sendo capaz de seguir tracks) e com uma expectativa que sempre tive que viesse a estar disponível mais tarde. Obviamente a minha má aposta não obriga a uma atitude incorrecta, face aos sucessivos pedidos de explicações de um cliente.

Por este motivo e porque tenho optado por começar a incluir uma série de análises no blog, por alturas do lançamento do Suunto Ambit enviei um mail à Suunto onde questionava o seu interesse numa análise e divulgação do Ambit em Portugal. Como sabem não abunda em Portugal este tipo de análises. Ok, não existem sequer. Por vezes lá vem uma artigo manhoso numa revista qualquer que de tão resumido se percebe que é apenas uma espécie de anuncio pago. Quis o destino que o mail se perdesse algures na nuvem e nunca fosse respondido. Assumi que a Suunto não tinha de facto interesse no nosso rectângulo e na sua meia dúzia de trailers. Até porque o Suunto não é propriamente um relógio qualquer, como o seu preço revela. 
Quando me apercebi que a Suunto tinha feito uma acção de divulgação junto de uma série de blogs de Espanha e Portugal fiquei um pouco desiludido e dei conhecimento desse facto à Suunto na Finlândia (anteriormente tinha contactado a AmerSports que é a empresa proprietária da Suunto e da Salomon entre outras coisas). Imediatamente sou contactado de volta por várias pessoas que reencaminham internamente o meu mail. Dos vários emails que recebi a reconfortarem-me pela falha de nem sequer me terem respondido, um deles deixou-me de boca aberta. Um gestor de topo da Suunto que, devido à forte procura do relógio, aguardou até há bem pouco tempo pelo seu, desde Março (compreende-se que os clientes devem estar primeiro) oferecia-se para me enviar o dele para eu testar... pedindo para eu o devolver no final dado que lhe fazia falta :) 
Vou deixar-vos assimilar um pouco esta atitude e digo-vos apenas que após ter aceite tão honrada proposta o relógio foi enviado de Helsínquia no dia seguinte às 17h30 e estava no meu pulso às 10h30 da manhã do dia a seguir. E independentemente de todas as conjecturas que possam imaginar, a ultima actividade que estava no relógio era de há 2 dias atrás, 17Km em 1h30, com quase 300m de desnível positivo... 

2 - A análise

Decidi não fazer uma análise extensa e detalhada do Ambit. Ela já existe feita por vários sites, principalmente pelo DCrainmaker. O meu objectivo é fazer a minha própria análise. Uma comparação altamente subjectiva, discutível e parcial, entre o Suunto Ambit e o Garmin 610. As empresas e a respectiva filosofia já foi referida e não vou voltar ao tema. Até porque elas não estão em pé de igualdade à partida desta análise. De uma sou cliente há vários anos. Já comprei 2 Garmins. Tenho uma opinião bem formada. Quanto à Suunto, nunca tive nenhum, não conheço a representação da marca em Portugal, nem a sua política de reparações/substituições. Mal acabe a análise do Ambit o mesmo será devolvido ao seu legítimo dono na Finlândia com mais um agradecimento pela sua generosidade.
Esclarecido este ponto que poderia limitar a minha análise, e afastadas intenções suspeitas, vamos mas é aos produtos em si.

2.1 - Aspecto

O 610 é de longe o relógio mais bonito que a Garmin algum dia produziu. O historial também não é muito grande mas todos concordamos que o 610 tem bom aspecto. Linhas sóbrias e curvas, aspecto tech, é grande e tem um aspecto futurista. O aspecto geral é um pouco plástico e inevitavelmente vai dar nas vistas porque sendo grande e com um aspecto fora do comum vai despertar perguntas. Por um lado tanto plástico à mostra parece uma coisa que podia ter saído num pacote de cereais ou uma chinesice com bom aspecto. Mas como ninguem ostentaria assim tamanha cebola inútil e juntamente com o mostrador LCD com enorme contraste e excelente qualidade, quem não conhecer a marca Garmin em destaque no topo, vai dizer... épá o teu relógio... o que é isso faz? De qualquer maneira como diria o outro, eu cá gosto!

Se o 610 é grande, o Ambit é todo ele um pouco maior. Acaba por não ser muito maior. É ligeiramente mais largo, ligeiramente mais gordo e ligeiramente mais comprido. Tudo somado...
A somar, o Ambit é daqueles rapazinhos que quando chega toda a gente nota. É certo que na versão cinza ainda realça mais. O contraste com a caixa e bracelete pretas aumenta o tamanho e ainda dá mais nas vistas. Ora o tipo já não é pequeno, estão a ver o impacto. É definitivamente para quem gosta de relógios grandes. Não podemos esquecer que isto são relógios que se podem usar no dia a dia. Este aspecto conta definitivamente para quem quer este tipo de GPS's. Arrumada a questão do tamanho, o acabamento e o aspecto do Ambit é impressionante. Eu pessoalmente prefiro o preto mas o cinza é muito bonito também. São obras primas no campo dos relógios de aventura. com os 4 parafusos torx e os botões com relevo tem um aspecto indestrutível (não o é certamente).

Mesmo sendo a beleza um factor que está nos olhos do observador, não há hipótese. O Ambit arrasa o 610 nesta categoria. Como eu gosto de dizer, o Ambit saca gajas. Elas depois não querem é vir para a montanha correr... mas isso é outro problema. Dificilmente a Suunto faria melhor, enquanto a Garmin ganha o troféu patinho estranho

Suunto Ambit *****
Garmin 610    ***


2.2 - Acessórios

O habitual nos 2. Cinta HRM, nos modelos com cinta claro e cabo para carregar. A Suunto optou pelo formato pinça com 4 conectores. O cabo do Ambit carrega a bateria e passa os dados daí necessitar de 4 conectores. Parece-me uma boa implementação esta pinça. Muito compacta mas robusta, assegura uma conexão sólida. O Ambit fica totalmente funcional enquanto está a ser carregado com um carregador portátil. O mesmo que uso para o 610 por exemplo. Ao contrário da Garmin podemos fazer tudo como se não estivesse a carregar. Só quando o ligam ao PC e ele estabelece uma conexão USB com o PC é que fica bloqueado. Não testei o que acontece se estiver a registar um track e o ligar ao PC mas não estou a ver muita necessidade de correr com o Ambit ligado a um computador... assim de repente claro. Hummm fiquei curioso... vou testar. Então é assim. Se estiverem a registar um track e o ligarem ao PC ele não bloqueia e não estabelece a ligação USB. Apenas fica a carregar e obviamente totalmente operacional. Se ele se conectar primeiro com a ligação USB então fica bloqueado e já não conseguem fazer nada. Não é que isto tenha interesse mas pronto, agora já sabem.
A autonomia do Ambit não constitui assim qualquer problema. Podem dar a volta ao mundo se quiserem.  A já muito boa autonomia de 15h ou 50h consoante o modo de GPS que estiverem a usar torna-se assim ilimitada. Quanto à capacidade da memória para isso é que já é outro filme.. mas lá chegaremos.
O 610 vai ganhar esta categoria. A conexão ao relógio é muito pouco obstrutiva com uma peça que se encaixa na traseira da caixa do relógio e recorre a ímanes para se manter no lugar. Embora quanto a mim a fio pudesse sair para o lado do braço e não para o lado da mão (no caso do pessoal que usa relógio no pulso esquerdo). Alguém não pensou bem na hora de decidir ou então o engenheiro usava o relógio no pulso direito. Menos robusta que a do Ambit pois dado que o cabo é semi-rígido, se estiver a carregar numa mesa, ao mexermos o cabo o íman pode não ter força suficiente para manter o conjunto agregado e corre-se o risco de se soltar e não carregar. Já me aconteceu e quando o fui buscar tinha 0%. Mas o Garmin vence porque inclui no pacote um carregador de parede que converte a tomada de 220V numa ficha USB. Assim o cabo tanto liga ao PC como ao carregador. Como não estou a ver que mais acessórios fariam falta, a Garmin vence com pontuação máxima. A Suunto vende à parte este carregador de parede.

Suunto Ambit ****
Garmin 610    *****

2.3 - LCD

Categoria difícil esta. Explicando: o LCD do 610 tem um contraste e uma definição impressionante. Eu não percebo nada de LCD's a preto e branco e sem parecer os maluquinhos a discutir televisões plasma x lcd, diria que os digitos são pretos do mais preto que já vi e o display muito claro, faz lembrar a qualidade de um leitor de ebooks com os caracteres perfeitamente definidos.

Por este parâmetro o écran do Ambit é muito mais convencional. Sem ser mau, longe disso, os digitos não são tão negros e nem com o contraste no máximo lá vão. O contraste pouco diferença faz a partir dos 60-70% para cima. O écran também não é tão claro como o 610. Mas... o écran do Ambit é maior e a fonte dos caracteres é maior. Para os gimbras que vão tendo dificuldade em ver ao perto dá jeito. E o Ambit inverte o écran podendo ficar todo escuro só com os caracteres claros. Muito fixe esta funcionalidade, principalmente na versão em preto. Se o Ambit tivesse um écran com a qualidade do 610 era fabuloso.

Aqui fica a diferença do écran do Suunto em positivo e em negativo, por assim dizer. É simples alternar entre ambos carregando num dos botões durante 2 segundos. Esta funcionalidade assenta que nem uma luva no Suunto preto. Mais uma vez, se o LCD fosse o do 610, com o écran invertido, era um abuso de beleza.


A iluminação nada a assinalar. A do 610 não tem regulação mas é sufciente. Suave mas suficiente. A do Ambit é configurável no site www.movescount.com e pode ir de 0 a 100%. Nos 100% dá para ler na cama à noite. É um abuso. Nos 30% é mais que suficiente para a função que se pretende. O écran faz lembrar o do Garmin 405.



A iluminação faz sobressair as diferenças  dos LCD's mas o Ambit fica literalmente mal na fotografia. Ao vivo é melhor do que na imagem e perfeitamente vísivel. Só que o LCD do 610 não dá hipótese.

Acho que há um empate aqui. Um pela qualidade e outro pela funcionalidade. Não era justo qualquer um deles vencer o outro.

Suunto Ambit ****
Garmin 610    ****

2.4 - Autonomia

Embora este critério não seja decisivo ou limitador digamos, devido aos carregadores portáteis que já referi acima, ainda assim, sem truques, há uma clara diferença entre ambos. O 610 faz 8 horas com o GPS sempre ligado ou 1 mês em standby apenas na função relógio. O Ambit faz 15 horas com o GPS a registar pontos com intervalos de 1 segundo ou 50 horas a registar pontos com intervalos de 1 minuto. Tal como o 610 a bateria também dura 1 mês se estiver apenas em standby na função relógio. O Ambit apaga o écran quando fica mais de 30 minutos sem qualquer movimento. Mal lhe tocam o acelerómetro detecta movimento e acorda. Esta função pode ser desligada caso este funcionamento não seja oportuno. Imaginem que têm o relógio fora do pulso e necessitam de consultar pontualmente as horas. Se se apagar pode não dar jeito dado que têm de lhe tocar para acordar. Esta medida que supostamente poupa energia é na realidade mais um showoff técnico dado que o LCD consume um valor ínfimo de energia. Os LCD's quase que funcionam apenas com o cheiro a electrões :) O 610 não tem acelerómetro e não consegue esta proeza mas não é por isso que não dura um mês também em stanby, provavelmetne com uma bateria mais pequena que o Ambit. Mesmo assim não deixa de ser uma característica engraçada.
Mais adiante falo mais sobre os modos de GPS e sobre a fantástica autonomia de 50h com pontos de GPS a cada minuto.
Seja como fôr o Ambit bate claramente o 610 e com o modo 1 minuto bate toda a concorrência que se possa ter no pulso. Ah e tal 1 minuto é muito tempo. Veremos adiante.
O Ambit leva 5 estrelas pela inovação. Mais de 1 fim de semana de autonomia é brutal. Embora, como já disse, este critério não seja limitativo de nada, dado que é possível carregar o 610, mesmo em uso, neste aspecto leva uma abada total. Embora esteja contente com a autonomia do meu é claramente derrotado neste parâmetro.


Suunto Ambit *****
Garmin 610    ***

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