quinta-feira, 20 de março de 2014

Get Ready for... UTAT 2018!!!



Ao contrário de outras aventuras nesta vamos sair da Europa. Abandonar o nosso cantinho confortável. Não fosse o suficiente vamos para África amigos. África não vos vai deixar indiferentes. Garanto-vos. Não sei se vão gostar ou detestar mas garanto-vos que os sentimentos serão fortes e vão deixar marca. Não vamos encontrar a África das florestas e dos animais selvagens, mas é seguramente África amigos. Mãe África.
Para além de ser África, é um país muçulmano. Muito europeu e nada fundamentalista, é um facto, mas ainda assim uma cultura radicalmente diferente da nossa, embora as semelhanças por vezes nos confundam.
Por isso e porque seguramente muitos de vós nunca foram a Marrocos, preparei este pequeno breefing, da prova e da nossa viagem. Divirtam-se.

Marrocos é um país de contrastes. E isto não é uma frase feita. Se por um lado em grande parte do país podemos pensar que estamos em Portugal, também tem dunas e deserto e também tem montanhas e neve, pistas de ski, praias, florestas com macacos, cidades europeias com metro de superfície, aldeias perdidas nas montanhas a horas de uma estrada, e um sem fim de maravilhas cada qual a mais inesperada.
Na nossa viagem vamos apenas deparar-nos com 2 realidades radicalmente distintas. A cosmopolita Marraquexe, um misto de modernidade com tradição e exotismo, demasiado turística, demasiado mesmo, e o Atlas com as suas montanhas, o povo berbere, cultura de subsistência, pessoas que vivem em locais e condições que desafiam a nossa compreensão. Se me perguntarem qual prefiro, digo-vos sem hesitar que prefiro o humilde povo berbere e a sua genuinidade, a sua pobreza, à exuberante, ostentativa e mega turística Marraquexe. Em Marraquexe podemos dormir em fabulosos resorts por 500€ por noite mas sinceramente esse luxo não me diz nada, não é isso que procuro nas viagens a Marrocos.



 Segurança 

Marrocos é um país extremamente seguro. Claro que hoje em dia e com a quantidade de pessoas doentes que acham que as suas paranóias lhes permitem tirar a vida alheia por dá cá aquela palha, a segurança é algo muito muito relativo, como se vê em inúmerdas capitais europeias. Mas nunca em todas as minhas viagens a Marrocos, mais de 60 dias que por lá passámos ao longo dos anos, mais de 10.000 Km de carro, de avião, nunca senti o mais pequeno receio. O mesmo já não posso dizer de algumas zonas de Lisboa à noite...  por exemplo. Se têm dúvidas perguntem a qualquer pessoa que já tenha visitado o país ou tenha vindo connosco fazer a prova.

 Como ir e quanto custa      (datas e valores para 2018) 



Praticamente não terão de gastar dinheiro à excepção da viagem e da inscrição uma vez que a organização assegura todos os serviços no preço da inscrição. Assim o valor de inscrição na prova (350€) já contempla:

- o transfer do aeroporto de Marrakech para o local da prova bem como o regresso ao aeroporto;
- 5 dias (4 noites) em regime de meia pensão (jantares e pequenos almoços incluídos) em tendas no exterior. Podem utilizar todos os serviços do albergue: bar, duches, WC, etc.
- caso acampar não seja a vossa cena, poderão ficar numa camarata no albergue do Club Alpin Français (CAF) por 20€/noite adicionais (80€ para as 4 noites)

De fora ficam apenas 2 ou 3 almoços (depende da prova que forem fazer) que podem ser feitos nas tascas da aldeia por cerca de 8€ cada.

A forma mais cómoda de ir é na TAP com voo directo de Lisboa. Um pouco mais caro que o voo da Iberia (com escala em Madrid) ou o da Air Maroc (com escala em Casablanca), mas muito mais rápido para ir e regressar. Também podem ir em low costs via Madrid mas com o tempo que se perde na escala, mais a necessidade de levar bagagem de porão (para quem levar bastões), bem como o risco dos atrasos e de perder voos de ligação, acho que não vale a pequena diferença final. O grupo de 2017 vai viajar na TAP portanto para quem quer vir connosco aqui ficam as datas:


Saída de Lisboa dia 5 de Outubro às 10h00, chegada a Marraquexe às 11h40

A maioria do grupo regressa na 3ª feira (dia 10). Ficamos uma noite extra em Marraquexe e aproveitamos para passear, fazer resmas de compras ou apenas desfrutar da gigantesca medina da cidade. Quem não puder ou quiser ficar esta noite extra pode ir direto para o aeroporto e regressa dia 9 de Outubro. A logística dessa noite extra será tratada por mim e combinamos os pormenores no grupo dos participantes

Saída de Marraquexe dia 10 de Outubro às 12h20, chegada a Lisboa às 14h00

O voo da TAP custa à data de hoje 230€.
Para a noite extra em Marraquexe contem com 50€ para alojamento e refeições.
Vão ter de ter o passaporte válido, desde logo para comprarem o bilhete de avião. Não é preciso visto para entrar em Marrocos.

Uma coisa é certa. Darão o vosso investimento por muito bem empregue, nunca esquecerão esta viagem e provavelmente irão querer voltar.
Caso queiras juntar-te à nossa comitiva adere ao grupo do Facebook
https://www.facebook.com/groups/388379407848421 onde poderás encontrar mais informação ou manda um mail para utat.pt@atlas-trail.com

Se queres vir integrado no grupo de Portugal certifica-te que no processo de inscrição aderes ao grupo Go Portugal. Vais precisar de uma password que será fornecida a pedido.

Mais informação
Site oficial da prova: www.atlas-trail.com
Facebook da prova em Português: https://www.facebook.com/utat.portugal
Facebook: www.facebook.com/UTATofficielle

 Clima 

Vamos deparar-nos com 2 climas distintos. Marraquexe onde poderão estar 30 graus e as montanhas onde estarão com sorte 12 graus de dia e bem menos à noite. É nas montanhas que vamos passar quase toda a viagem exceto no regresso onde ficaremos Sábado e Domingo. Para lá mal conta porque saímos do aeroporto diretos à montanha.
Clica nas imagem para a previsão de Marraquexe e de  Oukaimeden:
Praça Jema El Fna

Oukaimeden

 Dinheiro 
A moeda local é o dirham. 1€ vale mais ou menos 11 dirhams (11,25 para ser mais exato). Obviamente o Euro é facilmente aceite pelos comerciantes locais que farão amavelmente um câmbio arredondado a 10 dirhams por 1€, para facilitar claro….

É fácil levantar dinheiro nas ATM’s com os vossos cartões de débito VISA, Mastercard etc. No aeroporto e em Marraquexe há ATM’s com fartura. Em muitas lojas de Marraquexe é possível pagar diretamente com o cartão de débito ou crédito, tal como cá. Não se deixem enganar pelo aspeto da loja, provavelmente o tipo tem um terminal para pagar com cartões na gaveta.

Se em Marraquexe se vão sentir em casa no que a infraestruturas diz respeito em Oukaimeden (base da prova a 2700m de altitude) pouco ou nada há. E ATM’s não há. Deverão levantar dirhams no aeroporto.

Não há muita coisa onde gastar dinheiro na montanha. Exceções: o bar do albergue (jolas, cafés e cenas equivalentes), os almoços dos dias em que não corremos 7-8€ cada nos tascos típicos locais. Há 1 restaurante “produzido” com preços mais europeus. Tirando isto só sobra algum artesanato local que queiram comprar (convém regatear até á exaustão) ou algum produto nas mercearias locais, para além do merchandising da prova.

Façam as vossas contas e levantem dirhams de acordo. Não faz mal se levarem dinheiro a mais porque se ficarem mais um dia em Marraquexe no final os preços já são turísticos.

Os Dirhams não têm valor fora de Marrocos e não são aceites pelos bancos de cá para cambiar de volta para Euros. Antes de saírem do país podem no entanto voltar a cambiar para Euros pagando as inevitáveis taxas.

 Costumes  

Marraquexe é cosmopolita. O turista é rei e podem andar como quiserem, estou a falar principalmente para o sexo feminino. Quando passearem pelo centro tanto podem ver uma fulana de burca como uma jovem de mini saia. A tolerância impera.

O álcool é caro devido às taxas que o estado cobra. E nem todos os locais têm hipótese de pagar a licença necessária para vender álcool. Outros mais rígidos não vendem por opção. Se em Marraquexe é mais fácil encontrar locais com cerveja ou vinho, na montanha apenas o bar do albergue e provavelmente o tal restaurante “produzido” têm álcool. Os tascos destinam-se à população local que maioritariamente não consome álcool, muito menos em publico, por isso não têm sequer licença para vender. Obviamente também não encontram à venda nas mercearias de Oukaimeden. Uma lata de cerveja no albergue custa 3€.

 Oukaimeden e o CAF 

Oukaimeden é uma aldeia de montanha a 2700m de altitude. Na realidade não se trata de uma verdadeira aldeia ou vila. Apenas um conjunto de vivendas e 2 ou 3 hotéis à beira da estrada. Tal facto resulta do planalto e da encosta enorme onde estão os meios mecânicos e as pistas que no inverno fazem as delícias dos marroquinos amantes dos desportos de inverno. Para além de quase deserta nesta altura do ano, em que não há neve, ficam a descoberto muitas das fragilidades que a neve esconde na época alta.

Por isso o local não tem a vida própria de uma aldeia com os seus habitantes. Apenas existe um conjunto altamente básico e precário de infra-estruturas de apoio ao turista, que nesta altura do ano quase que não existe por ali. Alguns restaurantes “típicos” de Marrocos e 2 ou 3 lojas/mercearia/drogaria onde poderão encontrar alguns produtos básicos apenas. De facto Oukaimeden fica apenas a 1h30 de Marrakech pelo que é perfeitamente possível aos locais desfrutarem dos desportos de inverno saindo de manhã cedo e regressando ao final do dia. Daí o reduzido desenvolvimento das infra-estruturas locais.
O CAF é o albergue onde ficaremos. CAF é a abreviatura de Clube Alpino Francês e de facto o albergue é uma sucursal Marroquina desse clube. Ambiente e condições típicas de abrigos de montanha. Camaratas de vários tamanhos com beliches.
Preparem-se para o ambiente de partilha durante aqueles dias. Iremos seguramente partilhar uma ou mais camaratas com outros companheiros ou apenas entre nós. Felizmente seremos uma grande família com um único objetivo comum pelo que tudo irá decorrer da melhor forma. Saco cama e almofada são fundamentais. Tampões para os ouvidos são aconselhados para os sonos mais sensíveis.
Como o número de lugares no CAF é limitado quem já não conseguir lugar ou simplesmente não quiser pagar o adicional de dormir lá dentro, terá acesso a todas as infra-estruturas no CAF (bar e WC) mas terá de dormir cá fora num acampamento de tendas montado pela organização. Uma experiência ainda mais radical. Prever saco cama bem quente e roupa extra para as frias noites da montanha. Nesta opção tem-se a vantagem da privacidade que no CAF não é possível, pelo menos a privacidade visual já que a privacidade sonora também não é possível. No CAF existem alguns quartos mas estão reservados para a organização e respetivos convidados.

 A prova 


Com partida às 6 da manhã a prova dos 105Km tem 36 horas como tempo limite.

Esta não é uma prova como as que estamos habituados aqui em Portugal. Desde logo pelo material obrigatório do qual falarei mais abaixo, uma lista apreciável de material fora do vulgar. Mas acreditem que poderão vir a precisar de todo e ainda mais algum.

Lembrem-se que a prova é em Outubro. Só iremos perceber a tendência do clima na semana anterior. Estará bom tempo? Mais ou menos? Tempestade? Neve? Vamos passar aos 3600 metros. Não façam confusões. A maior parte de nós nunca esteve acima dos 2000 metros, na Serra da Estrela, e sabemos bem que se não estiver um dia bom, as coisas não são fáceis.

Portanto desde logo o meu 1º conselho é: não poupem no material obrigatório. Vamos estar em alta montanha e em alta montanha não se brinca. Se as coisas correm mal é a nossa vida que está em jogo. Mesmo com bom tempo aos 2700 metros na nossa base, é um pouco imprevisível como estará o topo. E não esqueçam que, infelizmente, vão lá passar de noite. Portanto ponto número 1 e o mais fundamental: alta montanha, equipamento a sério. Como só na semana anterior iremos ter alguma certeza do tempo para essa semana, não deixem para a ultima da hora arranjar o equipamento necessário. Pode até não ser todo necessário, mas guardem a decisão final para a véspera e se necessário deixem o que não fôr preciso na camarata.

Levem um bom frontal. As marcações são feitas com tinta refletora. Nalguns sítios não é refletora… mas com um bom frontal minimizam os problemas. Esqueçam os frontais da treta. Além disso vão ter de levar 2, convém que um deles seja de total confiança.

Caso alguém não tenha lido ainda a minha experiência é importante que o faça. Aí terão uma boa descrição do percurso e sobretudo aprendam com os meus erros. Sigam este link.

Partindo do princípio que treinaram e que estão a 100%, peço a vossa atenção para o gráfico da altimetria. 

1ª e fundamental diferença com as nossas provas: os reabastecimentos! 3 Reabastecimentos sólidos durante toda a prova. 3! Três! Quase 50 Km’s entre o 1º e o 2º! Uma montanha de 3600 metros de altitude entre o 2º e o 3º!

Escusam de se ir queixar que tem poucos reabastecimentos. A prova é mesmo assim. O termo semi-autonomia é levado bem a sério aqui. É bom pensarem bem a vossa alimentação porque 50 Km de montanha sem abastecimento sólido é muito tempo. Estamos a falar de 10h sensivelmente, para quem vá a um bom ritmo. Aliás a um muito bom ritmo. Contem com 12h para 50Km é mais seguro. Pessoal mais lento 14h.

Agora que seguramente já tenho a vossa atenção passemos ao percurso.

Esta prova só começa verdadeiramente aos 30 Kms. A subida inicial é feita por estradão e embora a subida nos leve logo acima dos 3000 metros é uma suave subida, excluindo alguns troços mais ingremes para descansar um pouco :)

Conquistados os 3000 metros espera-vos uma imensa descida em Z’s de mais de 1000 metros em 10 Kms. Atenção ao lombar, é muita inclinação e quando chegarem cá abaixo vão sentir os estragos se não tiverem reforçado todo o vosso core em condições. Irão tomar o pequeno almoço no ultimo reabastecimento até ao final da tarde. Gozem-no bem. Em toda essa zona iremos começar a atravessar as primeiras aldeias e o piso ficará um pouco mais técnico aqui ou ali. Mas até ao km 30 são os estradões a ditar a lei.

Depois de reabastecerem de água no Km 30 a prova vai começar. Os trilhos estreitam e os caminhos empinam, a subir e a descer. O piso degrada-se. Pedra e mais pedra. Pedra sem fim. As paisagens são deslumbrantes, os vales sucedem-se às montanhas, os picos enormes sempre presentes. Às vezes num vale, depois de uma curva está uma aldeia perdida nos confins do nada. E aquele trilho é a auto-estrada para lá….

Levem dinheiro. Perdido no nada poderá estar um miúdo mais empreendedor com um balde de bebidas geladas. Não, não vai haver cerveja. Sim, podem tentar regatear. Não é fácil baixar o já reduzido preço de uma água ou de uma coca-cola, mas podem conseguir um bom preço pagando uma rodada ao grupo de malta que estiver convosco na altura.

No Km 50 haverá novo ponto de água ou nem isso. A água será a vossa companhia antes deste abastecimento e se quiserem beber da ribeira não vale a pena esperar pelo Km 50. A fonte é a mesma. Se forem esquisitos prevenidos ou paranóicos, os comprimidos desinfestantes fazem parte do material obrigatório... mas demoram 30 minutos a actuar. Feitos estes primeiros 50 Kms a prova está longe de estar concluída, muito muito longe. Lembram-se que só começou aos 30?

O próximo objectivo será atingir o abastecimento sólido aos 68 Km. Chegar aqui com menos de 12h de prova é simpático. Alimentem-se bem se conseguirem. Preparem a subida. Vai ser duro. A luz do dia estará a dar as ultimas antes ou durante a subida.

Próximo obstáculo, sem contar com a dura escalada aos 3600 metros, é a complicada descida. Vão descer quase 2000 metros sendo que 1000 metros são verdadeiramente a pique. Inclinação brutal, cascalho solto, os pés ameaçam escorregar a cada passada. Força de braços e boa técnica de descida com bastões são essenciais para se progredir rapidamente. Não é fácil, nada fácil. Eu perdi a conta ao número de vezes que caí. A ver se desta vez a coisa corre melhor.

Quase no final da descida importa agora chegar a Imlil. Uma pequena cidade que vive do turismo de montanha. É a base de todos aqueles que querem subir ao ponto mais alto do norte de África. Vai ser estranho encontrar uma cidade ali, embora o alcatrão saiba bem ao fim de tantas horas de calhau. Depois de se alimentarem novamente é hora de prosseguir e faltarão talvez pouco mais de 1500m D+ para acabarem esta mega aventura. Mas guardem forças. Sobretudo os últimos 1000m D+ são demolidores. O cansaço, o piso, os pés, a noite sem fim, tudo somado…

Mas falta pouco para verem as bandeiras que assinalam a entrada no vale e tudo irá fazer sentido quando terminarem esta magnífica travessia do Atlas.


 O Equipamento 


Depois de vos ter alertado para as particularidades do percurso e para o facto de irem enfrentar uma invulgar prova de trail, pelo menos para os padrões das actuais provas portuguesas, aqui ficam alguns aspectos que deverão ter em conta no equipamento obrigatório. Tal como no percurso, não subestimem o equipamento e comecem desde já a pensar em adquirir o que vos falta e sobretudo a escolherem e a testarem o que forem usar de novo. A lista seguinte é muito baseada no UTMB e irei comentar os itens que achar necessário. Tal como no percurso, se houver dúvidas é só perguntarem, mas tal como no percurso já percebi que só vão ter dúvidas no dia da prova. Pois, amanhem-se!

Material obrigatório UTAT 105 km :


- Copo pessoal 15cl mínimo
- Reserva de água mínima de 2 litros 
  • podem sempre beber água das ribeiras sobretudo a alta altitude pois as ribeiras que correm nos vales das aldeias são usadas pelas populações locais para todos os fins
- 2 Frontais em bom estado de funcionamento com pilhas de reserva
- Manta de sobrevivência 1,40m x 2m mínimo
- Apito
- Kit de socorro: anti-diarreico (imodium por ex.), paracetamol (2 g), antiseptico, compressas, banda elástica adesiva que permita fazer uma ligadura (minimo 80 cm x 3 cm), comprimidos para a descontaminação e desinfecção química da água (aquatbs por ex.)
  • o material deste kit deve ser visto como uma recomendação do que deve conter um kit de primeiros socorros. Não é obrigatório que as coisas tenham os tamanhos especificados, ou que levem paracetamol se preferem ibuprofeno ou outra coisa. são apenas ideias que devem seguir. Lembrem-se que poderão estar sozinhos na montanha, poderão perder-se, torcer um pé, etc. nunca se esqueçam que poderão estar por vossa conta e risco!!! os comprimidos desinfectantes é melhor alguém comprar e partilharem. Ninguém vai examinar os vossos kits de primeiros socorros, tal como poderá não estar mais ninguém convosco se por acaso precisarem de alguma coisa que não levaram... 
- Reserva alimentar (mínimo 3000 Kcal)
  • Não é fácil transportar 3000 Kcal. Cada barra ou gel tem 100 Kcal. Ninguém quer levar 30 barras ou géis, muito menos passar o dia a comer barras e géis. Lembram-se que vão estar 50 Km em autonomia total de sólidos? 12h de dura montanha! Pois acreditem que estas 3000 Kcal vos vão fazer imensa falta. Eu levei as 3000, um pouco contrariado é certo. E marchou tudo! Mais houvesse.! Portanto toca a investigar e testar. Vão precisar de se alimentar decentemente.
- Casaco e calças impermeáveis (tipo Gore-tex) que permitam suportar o mau tempo na montanha
  • Já sabem que um bom casaco impermeável com algum grau de respirabilidade é fundamental em montanha. Aqui a novidade são as calças. Optei por comprar umas calças semi impermeáveis mas ocupam pouco espaço e pesam pouco mais de 100g. Pesquisem e façam as vossas escolhas. Não vos recomendo as minhas porque não cumprem a 100% o regulamento. Acreditem que se estiver mau tempo vão precisar delas.
- Casaco ou camisola polar (segunda camada) com mangas compridas
- Chapéu
- Luvas
- Fósforos ou isqueiro funcional
- O road-book da prova

Fortemente recomendado:

- Telefone móvel com roaming activo para Marrocos (colocar na agenda os números de urgência da organização, não ocultar o seu número de telefone e levar as baterias carregadas)
- Casaco e calças quentes técnicas
- 300 dirhmas (mais ou menos 30€) para algum imprevisto

Aconselhado (lista não exaustiva):

- Bastões*
- Muda de roupa
- Bússola
- Faca
- Cordel
- Protector solar e óculos de sol
- Vaselina ou creme anti-fricção
- Pensos para bolhas (Compeed por ex.)
- Kit de costura

*Se escolherem levar bastões será para a duração total da prova

Saco de muda:

Os concorrentes do UTAT (105 km) podem deixar na zona da partida um saco com pertences para trocar. 
O saco deve estar identificado e será enviado para sensivelmente 2/3 do percurso (para Imlil - PC12 sensivelmente ao Km 88). O saco será depois enviado de volta para a partida no final da prova. Não são permitidos bastões nos sacos. A organização declina responsabilidade em caso de perda, roubo ou deterioração do conteúdo do saco.

Agora enquanto pensam onde vão meter toda esta tralha (não se esqueçam de fazer uns testes com a vossa mochila carregada com todo o material, só para verem se cabe) deixo-vos com os últimos conselhos. Esta é uma prova de pequena dimensão. Seremos talvez uns 150, se tanto, na prova principal. A organização é de excelente nível mas os PAC estão isolados na montanha podendo demorar várias horas entre alguns deles. Provavelmente ninguém vos vai revistar e perguntar pelo material obrigatório, embora o possam fazer ao longo de todo o percurso. Mas não se deixem enganar. Em alta montanha se as coisas dão para o torto é a vossa vida que está em jogo. Não subestimem o material obrigatório. Se escolherem não levar alguma coisa, saibam que, para além de poderem ser desclassificados, poderão arrepender-se seriamente caso essa falta vos leve a ter de abandonar a prova. Deixem para a ultima da hora a decisão de levar roupa mais ou menos quente pois não vamos ter a certeza do tempo que vai estar até poucos dias antes da partida.

Agora que ficaram finalmente preocupados, não se esqueçam de treinar e nos intervalos vão-se preocupando com o material e principalmente espaço para o levarem. Divirtam-se e boa prova!

quinta-feira, 13 de março de 2014

TransGranCanaria 2014 - Como atravessar uma ilha em 133Km - parte 2

Para ler a parte 1 sigam este link

A subida começa na partida e só irá abrandar dentro de 2 horas. Era essa a minha estimativa para subir os mais de 1200 metros de desnível que nos separavam do 1º pico. Sem pressa sigo à conversa com o Simões. Ele já tinha dito que queria ir devagar. Em breve se começa a queixar que eu ia muito rápido embora não fosse sequer a forçar e caminhasse em muitos sítios onde podia chegar um pouco à frente com uma corridinha. Ainda fomos ali um pouco com a Ester mas tinha combinado ir com ele e sinceramente gosto de ir com companhia à conversa em vez de ir a fuçar num ritmo alto. Para me dar o quê? 1 hora a menos na meta? Bahhh! 
A Ester segue e nós vamos ficando num ritmo mais suave. O vento por vezes forte não era suficientemente frio para me obrigar a vestir o casaco. A minha camisola de compressão de mangas compridas mais a t-shirt estava a revelar-se uma excelente opção. Conforme as cristas e as encostas que íamos fazendo assim estávamos mais ou menos expostos ao vento. Mas era temporário e o corpo aquecia rapidamente de novo nem que fosse preciso forçar um pouco mais a corrida na subida. O Simões apercebe-se que estou com um bom ritmo a subir enquanto ele é mais ágil nas descidas. Combinamos eu subir ao meu ritmo e ele apanhar-me nas descidas onde já estou bem melhor mas até devido à minha lesão no ombro estava um bocado elefante em loja de porcelana.

O primeiro pico, verifico agora que foi passado com 1h55. Até me arrepio com a minha previsão. Segue-se uma grande descida que tinha estimado demorar 1 hora. Não tinha descolado verdadeiramente do Simões na subida até porque nos juntámos novamente após o 1º abastecimento e na descida seguimos mais ou menos a par. Chegamos ao ponto mais baixo com precisamente 3 horas de prova. Tudo a bater certinho como um relógio suiço. 

Após o 2º abastecimento a subida instala-se novamente. Conforme combinado meto o meu ritmo normal mas empenhado a subir e perco o contacto com o Simões. Passamos por sítios seguramente perigosos mas a noite tudo esconde. Dou razão ao Simões. Não faz qualquer sentido esta prova começar às 0 horas. Naquela zona da ilha, aquela altitude junto ao mar a paisagem é deslumbrante. Vê-se Tenerife ali ao lado. Uma perda irreparável. 
O segundo cume é vencido um pouco antes das 5 da manhã. Segue-se uma sucessão de pequenas subidas e descidas em que era difícil avançar com alguma estimativa de tempos. Tudo iria depender muito do terreno. Lembro-me de estimar mais 3 horas até aos 42Km onde iria partir o pessoal dos 80 e onde poderia chegar à hora dessa partida que seria ás 8 da manhã. Mas ainda estou muito longe disso. Sigo calmamente mas empenhado. Aguardo que o Simões se cole a mim mas nunca mais aparece. Estamos perto das 6 da manhã. Começo a ansiar pela chegada do dia. Estou um pouco farto da noite. Apetece desligar o frontal e descansar um pouco a vista. Começamos a chegar a uma vila. Artenara. O abastecimento é numa espécie de mercado coberto. Um pouco pobre para o que ia à espera. Sandochas de queijo e fiambre, fruta, marmelada e bebidas. Bebo um caldo quente salgado. Bem gostava que o Simões aparecesse mas nada. Começo a arrefecer e não me posso demorar mais. Meto umas barras da overstims na mochila e arranco a correr cheio de frio. É a subir forte e agradeço pois ajuda-me a aquecer. Ao fim de 5 minutos já restabeleci a temperatura.
São agora 6h30 e amanhecer tá quieto. Nem vê-lo. Já estou chateado com o raio do dia que não chega. Entretanto uma ténue luz no céu deixa perceber porque não temos mais luz. O céu está totalmente coberto por espessas nuvens baixas. Nada passa. Já tínhamos andado dentro das nuvens mais atrás a lutar contra o nevoeiro, a reduzir a luz do frontal para reduzir o encadeamento. Com o nascer do dia começo também a chegar a uma parte da ilha bem mais húmida e arborizada. O piso passa a lamacento as pedras estão molhadas por vezes com musgo. Começo a temer um pouco com as Salomon Sense Mantra que achava muito escorregadias. Mas estava enganado. Quando bem usadas revelam-se tão escorregadias como quaisquer outras. Vou ganhando confiança sobretudo em descidas com muitas pedras bem escorregadias. Não é só ter bom material. Um bom kit de pés também é importante. 

Já perdi a esperança de reencontrar o Simões. O que lhe terá acontecido? Eu não estava a apertar muito sequer. Poupava-me pois era ainda muito cedo na prova. Seguia satisfeito por estar a fazer uma média na casa dos 10" por Km. Isto a manter-se daria algo na casa das 21h. Sabia que ia quebrar mais à frente, era inevitável. Mas cada Km a 10" aumentava a minha confiança. Os pés, os meus grandes inimigos nas longas distâncias estavam razoavelmente bem, mas era muito cedo para celebrar fosse o que fosse. Aproximamo-nos novamente de uma vila, começo a ver pessoal equipado a ensaiar uns trotes, malta a estacionar, rapidamente percebo que estamos a chegar à partida dos 80 Km. Abastecimento com a partida à vista.
Passava pouco das 7h30. Fico contente por ir passar aqui antes deles partirem. Arranco satisfeito da vida e mando umas bocas à Simões sabendo que ninguém percebe o que estou a dizer: opá se vocês soubessem onde se estão a meter ficavam mas era na cama... e outras parvoíces do género. Sigo a correr e passo mais uns quantos da minha prova. Aqui já vou encontrando alguns tipos a zombificarem. Por volta das 8h passo um que me diz que daqui a 10 minutos os tipos da frente estão a passar por nós. Digo-lhe que não e arranco a correr. E não estavam mesmo. 
Iam precisar de mais de meia hora para começarem a passar por mim. Primeiro um grupo de cavalos, passo certo, todos em equipa, frescos que nem alfaces a galgar a subida. Eu a andar claro. Não é que fossem sequer da minha categoria, uma série de putos prós, mas também já tenho 50Km com 8h30 de prova nas pernas. Mas quando a subida apertou a sério, todo o cobarde faz força e todo o valente se... amocha aí bicho. Meteram a passo e mai nada. E ri-me para dentro. Claro que o passo deles a subir nem eu a correr fazia :)

E enquanto mamava aquela subida com as bengalas a ajudar foram passando por mim os atletas a sério. Chamava-lhes campeones, como outros me chamavam a mim. Muitos agradeciam, outros nem conseguiam respirar quanto mais responder-me.

Tinha agora já mais de 1/3 da prova feito. Ainda não percebia bem como ia conseguir chegar aos 83Km, sensivelmente 2/3 e mesmo aí faltava outro tanto até à meta. Mas era muito cedo para preocupações. O dia estava a começar a clarear a sério mas totalmente nublado. Uma bênção pois estava uma temperatura agradável para correr.

Seguíamos agora ladeando hortas, pequenos aglomerados de casas, escadarias toscas de pedra, muito escorregadias, paisagem quase tropical com imensa humidade. Este lado da ilha nada tem a ver com o Sul árido e seco. Depois de vencermos o cume a seguir ao abastecimento e partida da prova dos 80Km seguia-se uma franca descida, algo perigosa pelo nível de humidade em tudo, pedras, folhas de piteiras esmagadas, sempre a descer até Teror.

Nessa zona ainda consegui trocar umas palavras com uma francesa. íamos mais ou menos no mesmo ritmo, ora passa ela ora passo eu e já farto de ir calado há muitas horas lá fomos conversando um pouco. Com os espanhóis é escusado. Ou sabes aquela musiquinha com que eles cantam o espanhol ou então és ignorado. Não estão para se esforçar mesmo que vejam alguém a tentar falar a sua língua. A maior parte não te responde e finge que nem te percebe.
Depois de Teror regressa a forte inclinação com uma escadaria urbana monte acima, interminável, que depois dá lugar a trilho mas sempre a subir. Bofes de fora, aguenta que é serviço. Ao vira de uma curva um tipo sentado a passar um mau bocado. Era o Luis Trindade, e a minha prova estava a pontos de mudar. Ficámos ali um pouco à conversa. Não sabia bem o que se estava a passar. Estava exausto e sentia-se sem forças. Após alguns minutos retomámos o percurso mas ele estava muito afetado. Fosse do que fosse não estava a conseguir entrar no ritmo. Disse-lhe logo que esquecesse a cena de desistir. Não viemos até aquela ilha para desistir. Combinámos ir até ao abastecimento seguinte onde ele depois de descansar um pouco reavaliaria o que queria fazer porque lhe estava a ser penoso prosseguir naquelas condições. Faltariam talvez 3 ou 4Km para o abastecimento a meio da subida. Não foi fácil chegarmos ao abastecimento mas lá acabámos por conseguir. Não havia grandes recursos ou apoios por ali. Um abastecimento relativamente simples. Ele descansou um pouco. O sol começava  a aparecer por entre as nuvens. O dia ficou mais bonito e mais quente e o Trindade decidiu que o melhor era tentarmos chegar ao abastecimento dos 83, mais 20Km. Sentia-se um pouco mais forte. Ainda havíamos de subir a bom subir até às antenas, antes de atacar a grande descida até Tejeda a "apenas" 11Km de subida até Garañon, muda de roupa e hipótese para renascer das cinzas.

E assim fizemos. Depois da grande descida e do reabastecimento de Tejeda onde a vila estava em festa e havia imensa animação e cantoria atacámos a subida para Garañon. Estávamos a caminho das 13h e as dificuldades para o Luis iriam voltar na grande subida. A juntar à dureza da subida, o calor. 

Em plena subida o sol fustigava o corpo. Eu dissertava acerca da gaiola gigante no cima da montanha ser a casa de um mega canário que tomava conta da ilha. O Trindade dizia que eu era marado e que via cenas esquisitas. Na realidade tratava-se de Roque Nublo e mal sabíamos que íamos lá picar o ponto.

Com dificuldade lá conseguimos vencer a subida e Garañon que parecia fugir de nós à medida que nos aproximávamos, lá foi tomado pelas 16h. Esta era a hora estimada para partir de Garañon e não para chegar. Mas as prioridades tinham sido alteradas. Por mais iverosímil  que me parecesse no princípio o objectivo seria agora chegarmos juntos ao final.


A gaiola do canário gigante vista de perto. Roque Nublo prós amigos.



Ponha aqui o seu pezinho. O tapete de controlo mais pequeno do mundo em Roque Nublo.
Fabulosa paisagem com Tenerife ali mesmo ao lado
No Garañon gastámos todo o tempo do mundo. O importante era rejuvenescer. O Trindade crava a organização para tomar um duche a contra várias dificuldades eles lá concedem a benesse. Estávamos num parque de campismo e balneários não faltavam. Grassava um pouco a confusão neste abastecimento e as coisas estavam um pouco entregues à boa vontade de toda a gente. Eu fui trocar de roupa e de ténis mas os pés estavam tão bem que cheguei a considerar manter os Sense Mantra até final. Imagine-se. Mas tomei a melhor decisão ao mudar para os Asics, mal sabia eu a pedra que ainda aí vinha. De resto não troquei mais nada. Estava completamente seco, para quê trocar para outra roupa seca? Alimentámo-nos bem, comi massa para além do razoável e seguimos a nossa vida. Esperava-nos, supostamente a parte mais fácil. E de facto era. Resumidamente uma curta mas grossa subida até ao observatório de Pico de las Nieves o ponto mais alto da prova e da ilha com 1938m, para derreter a pratada de massa. Depois uma interminável descida de 11km com declives por vezes muito acentuados e com calçada tosca de basalto feita em cristas de rocha montanha abaixo, um local com vistas deslumbrantes mas que não dava para apreciar devido ao perigo constante do terreno. Descíamos de pedra em pedra. Quando termina aquele massacre passamos para outro, um pouco menos acentuado mas na onda do anterior. Calçada tosca de pedras, irregular. Um novo massacre que nos fazia esquecer que íamos a descer.
O calhau acaba praticamente no abastecimento de Tunte, 94,5Km, 19.5h de prova. O problema é que aqui já o meu GPS marcava 100Km. As placas que de 5 em 5Km assinalavam a distância para a meta há muito que já não faziam sentido e baralhavam todas as contas dos abastecimentos e tempos. Em Tunte aproveitei para avisar a Dora do estado da prova dado que em Garañon não havia rede. Quase com 20h pus também o relógio a carregar, não que se tivesse queixado mas evitava parar mais à frente. A próxima dificuldade que nos esperava era a perigosa descida para Arteara que já nos tinham avisado. Uma descida muito ingreme em terra seca e pedra, altamente escorregadia. Desde que passámos o Pico de las Nieves que estávamos cada vez mais em paisagem árida e seca e esta descida para Arteara era um bom exemplo disso. Para além de todas as dificuldades acresciam as dores nos pés. o cansaço, a ideia que um salto mal calculado, uma pedra que cede, uma escorregadela a mais e era o fim da prova aos 115Km...nahhh.... calma com isso amigo. 
Depois de Arteara vieram talvez os 11Km mais penosos da prova. Em plena noite e já depois de fazermos as 2 subidas anunciadas no perfil. entramos num vale do qual não vislumbramos a saída e o que imaginámos ser um suave estradão a descer para a meta era afinal um trilho que subia e descia, subia e descia, numa sequência infindável e repetitiva. As sombras pregavam partidas ao cérebro que via o fim a cada curva no horizonte escuro

Quando por fim abandonamos aquele vale ingrato e escuro qual labirinto seco de calhaus estávamos na Machacadora, o ultimo abastecimento. Oficialmente no Km 120, realmente já com 127Km. O ânimo era escasso, faltávamos apenas descer até ao farol de Maspalomas, unica dificuldade o facto de irmos por dentro de um enorme canal de águas pluviais que desagua na praia, ainda assim grosseiramente revestido com grandes lajes de pedra e cimento, umas partes melhor do que outras.

Estávamos muito perto de acabar a aventura. As 24h para terminar já tinham sido uma miragem há muito esquecida embora as 24h para fazer 125km tenham sido uma realidade como documenta o GPS. Só se esqueceram foi de dizer que afinal eram 133Km

Um pouco antes do farol saímos do canal, contornamos o farol pela praia, um pouco de areia para celebrar. Aumento o ritmo e obrigo o Trindade que queria cortar a meta primeiro a um ultimo esforço. O Luis Canhão vem dar-me a bandeira de Portugal. A nossa comitiva faz grande festa à nossa chegada. 



Está concluída a travessia da Gran Canária. Pior ou melhor o objectivo foi atingido. De manhã vi jeitos da coisa não ter um desfecho tão positivo, pelo menos para o Luis Trindade. Mas felizmente com calma e perseverança e muita energia positiva lá chegámos ao final. Teria sido uma prova diferente se não o tivesse encontrado, se melhor ou pior pouco importa, mas foi seguramente muito mais bem passada, lá isso foi. Da próxima vez já sabes, se não queres levar comigo meia ultra já sabes que tens de dar à perna para não te apanhar, principalmente em estado walking dead montanha acima. 

Dali foi só meter-me num táxi com a família e rumar ao banho e refeição no apartamento. Uma noite de repouso e um dia na piscina haviam de ajudar a uma rápida recuperação do empeno que não deixou grandes marcas, nem exterior nem interiormente.

Creio que toda a gente gostou desta viagem. Quem foi pelo sol e banhocas teve as duas coisas. Quem foi para correr também teve a sua conta. Na TransGranCanaria o Turtles fez uma boa prova com 20h51 e a Ester nas 23h03. Eu e o Trindade nas 25h e 15m que acabou por ser um resultado simpático tendo em conta todas as contrariedades que tivemos de ultrapassar, ficámos a meio da tabela, ainda assim. Quem diria.
Na distância Maratona a Paula Penedo a fazer um excelente tempo com 5h27, o Luis Canhão com 7h27 e o Manuel António com 8h53. Todos uns campeones!

Recomendo esta epopeia a quem goste de testar os seus limites e se calhar ultrapassá-los. O piso é algo demolidor, algumas subidas dolorosas, não muitas ainda assim. Abastecimentos algo limitados mas ninguém passa fome ou irá notar a falta de alguma coisa. Aqui e ali poucas fitas, ainda tive de consultar o track no relógio um par de vezes. Esperava um pouco mais tendo em conta que era uma prova do circuito North Face mas ainda assim reconheço que fui eu que pus a fasquia demasiado alta. Os 7 Kms a mais é algo que não se compreende. Também ficam por explicar os 8500 D+ quando tinha na melhor das hipóteses 7500 D+. O almoço convívio no dia a seguir à prova recomenda-se e bem. Excelente comida e bebida à descrição. Meu deus, que festim, tirei a barriga de misérias por 8€!!!

O clima da ilha nesta altura do ano com alguma sorte é uma maravilha. Temperatura amena, e com sol é o nosso verão. É perfeitamente possível fazer praia com um dia de sol.

Ao mentor da aventura, Luis Trindade, obrigado pela aventura. Venha outra! Aos companheiros de viagem obrigado pelos bons dias de férias que passámos. Até à próxima!

quarta-feira, 5 de março de 2014

TransGranCanaria 2014 - Como atravessar uma ilha em 133Km




A Gran Canaria é a 3ª maior ilha e a 2ª mais populosa de um arquipélago de 7 ilhas principais situado a Sul da Madeira, quase ao lado da fronteira de Marrocos com o Sahara Ocidental. A Gran Canaria tem mais de 800.000 habitantes e todo o arquipélago tem mais de 2 milhões de almas. Não são propriamente ilhéus.

Já conhecíamos Tenerife e Lanzarote de outros tempos, mas a Gran Canaria nunca tinha saído na rifa. Por isso não foi muito difícil embarcar nesta jornada lançada pelo Luis Trindade. Bora fazer a TransGranCanaria?
Com jeito a coisa encaixava nas férias do Carnaval das miúdas e fazia-se um mix trail, praia, sol e mini férias. Então vá!

A base da prova situa-se em Maspalomas no Sul da ilha e é lá que toda a logística se processa. As várias provas (5) terminam todas no farol de Maspalomas, partindo ao longo do percurso de 125Km a várias horas do dia de Sábado. A prova principal parte às 0h de Sábado e temos 30 horas para chegar ao farol.

Os resorts perto do farol não são aconselháveis a entroikados pelo que optámos por ficar no simpático koala garden a 3km do centro e a 4€ de taxi, ou a 15 minutos de uma corridinha. Eu o Luis e o resto das famílias chegámos na 5ª quase 6ª, já o Trindade, o Turtles a Paula, o Manuel António e a Ester tinham feito uma exploração inicial da base da prova e levantado alguns dos dorsais.
A 6ª feira foi de relax e aclimatação. Visita à Expo Meloneras para levantar os dorsais ainda em falta, conhecer um pouco de Meloneras, almoçar e começar a preparar a logística e a psique para a partida. Quem pôde aproveitou o magnífico sol da tarde para uns mergulhos e uns banhos de sol na piscina.



Estava um pouco preocupado com a prova. Por um lado sabia que estava bem fisicamente, estava bem melhor do que no UTAT ou mesmo na UTMB mas não tinha feito qualquer treino longo. Só isso preocupava-me imenso. Mesmo em excelente forma como iria reagir após os 60 Km. Como chegaria aos 82 Km (o local da muda de roupa)? Ultimamente as cãibras andavam a atacar-me... 
Além disso, 15 dias antes da prova uma queda estúpida em que quase desloquei um ombro e que estava longe de estar curada, como iria ter força no braço direito para os bastões... 24-26h de prova...se tudo corresse bem.
Por fim as 30h de tempo limite impõe algum respeito. Estudei várias vezes os tempos da UTMB. Demorei 26h a fazer 120km mais ou menos. Portanto a coisa devia dar. Mas como seria o grau técnico da coisa? O percurso seria muito rolante? Se houvesse muitas subidas ou descidas técnicas os tempos facilmente se alterariam. Outra coisa preocupante tinha surgido nos ultimos tempos. A organização anunciou que tinha estado a rever o desnível da prova e que afinal tinha 8500m positivos.... Bolas! Seria possível? 8500!!! Em 125Km.... Fazia-me um bocado confusão. Carregando o track que forneciam no Gpsies dava pouco mais de 7200m positivos. Bem mais credível face ao relevo da ilha. Que raio, aquilo tem para lá uns picos e tal mas não é propriamente o Monte Branco. Como podia ser? Ainda mais estranho era se começássemos a fazer umas contas simples. A prova dos 42Km (os ultimos 42Km do nosso percurso) tinha 1100D+. Portanto os primeiros 83Km teriam os restantes 7400D+...
Sinceramente, vão enganar outro. 83Km com 7400D+ não era possível a não ser que nos pusessem a subir e a descer a montanha mais alta vezes sem conta. Mas então para quê anunciarem isto? Tínhamos de ir ver como era. Contado ninguém acreditava.

Devido ao limite das 30h preocupei-me em estudar minimamente o percurso e os tempos para o fazer. Pelas minhas contas seriam cerca de 24 horas se tudo corresse bem. Já vou tendo alguma experiência em olhar para desníveis e saber quanto tempo demoro a fazer cumes e a voltar à base. Também sabia que teria de me manter sempre abaixo da média de 14"/Km para acabar abaixo das 30h. Idealmente iria tentar os 10"/km, o que com alguma quebra final me permitiria fazer 22-23h. Muito bom!

Em termos de logística era preciso prever o saco trocar de roupa, ténis, etc. aos 83Km. Também aqui mais uma preocupação à ultima da hora. Que sapatilhas levar no início? Os meus Asics Fuji Attack ameaçavam romper-se de lado, para variar. A escolha teria de ser entre levar os Asics de início, maior conforto para a parte mais longa da prova e trocar para os Salomon Sense Mantra para os 42Km finais. Uma receita já testada na UTMB. Mas tinha receio de os Asics se romperem neste percurso mais longo. Optei por levar os Salomon arriscando um pouco fazer uma distancia maior e garantir depois o conforto na parte final com os Asics. Sem grandes certezas e com alguma pena lá meti os Asics no saco e mentalizei-me para 83Km mais minimalistas.

Um factor estava a nosso favor. O bom tempo. O ano passado foi um massacre com 12h de chuva ininterrupta e muito frio com mais de metade de abandonos. Mas este ano a coisa estava com bom aspecto. Talvez bom aspecto de mais com aquele sol todo. Quem fizesse o sul da ilha de dia ia penar com o calor. Felizmente para mim o sul ia ser feito já ao final do dia. A parte norte da ilha é mais fria, húmida e cheia de vegetação, enquanto o sul é desértico e seco que nem um carapau.

Embora algum material obrigatório me parece desnecessário, nomeadamente o impermeável, optei por cumprir o regulamento no que a material obrigatório dizia respeito. Saco de água com 1,5 litros atrás em vez da versão UTMB em que levei 2 garrafas de meio litro nas bolsas frontais. Desta vez ia levar numa das bolsas frontais uma inovação. Uma dica do Zé Carlos que apanhei um dia por acaso num treino. Despejar os géis todos para uma garrafa e dar um golo na coisa sempre que necessário. Em provas curtas nem uso géis mas em coisas grandes é importante ter energia sempre à mão. Já pensaram na simplicidade de levar o gel todo pronto a consumir? Sem pacotes, sem lixo, sem pegajosidades. Assim foram 8 pacotes de gel e mais um pouco de água para liquefazer um pouco mais a mistela, tudo para uma garrafa de água. Misturei laranja com mojito mas o que importa, aquilo já sabe sei lá a quê. Criei um sabor novo. Não estava bom, nem estava mau... estava...  Mas não era pior que os originais :)



Com estes pensamentos todos a remoer lá fomos para o autocarro que nos iria levar para a longínqua aldeia de Agaete num dos pontos mais remotos do Norte da ilha. Quando já estávamos instalados no autocarro entra o José Simões que não fazíamos ideia que ia fazer a prova. Grande maluco! Já tinha feito a TGC há 2 anos e pelos vistos este ano apeteceu-lhe voltar. O percurso era ligeiramente diferente de há 2 anos mas grande parte era comum e enquanto esperávamos pela partida o Simões relativizou a coisa. Que era pacífico, que íamos fazer 24h nas calmas. Que ele tinha feito 20h mas tinha dado o litro e que hoje queria ir nas calmas. Combinámos logo ali ir juntos. Pouco me importava o tempo que iríamos fazer. Para mim é importante a companhia e ainda mais uma companhia com experiência que conhece o percurso. Reduzi uns furos de ansiedade. 

Mega equipa de Tugas prontos para a epopeia
Em Agaete o ambiente era brutal. Por dentro ninguem conseguia esconder a preocupação que ia na alma. Por fora estava um vento forte, felizmente não muito frio. De vez em quando choviam algumas gotas quase na horizontal devido ao vento. Uma novidade absoluta face ao tempo que estava no sul da ilha. Não estávamos à espera de chuva! Resistimos até à ultima para vestir o impermeável. Quando começasse a prova esperava-nos uma subida desde o nível do mar até aos 1250 metros. Ia ser penoso levar o impermeável vestido. Mas se continuasse a chover daquela maneira, com aquele vento frio...
O speaker não se calava um segundo. Um grupo de malta a tocar tambor dava ritmo às pernas. Chegam as vedetas da frente. Desata a chover com mais força. Vamos ficar ensopados ou vestimos? Faltam poucos minutos. Não visto o impermeável. Arrisco partir assim e ter de parar mais à frente se a chuva persistisse. Isto deve ser só um aguaceiro.

Falta 1 minuto. A marabunta chega à frente e abafa os craques. Se quando os chamaram um a um a curiosidade era geral agora já ninguém se importava com quem é quem. A angustia está prestes a desvanecer-se em esforço. São mais de 1200m de desnível para vencer de rajada, desde o nível do mar. A chuva parece querer abrandar, era mesmo um aguaceiro. 10, 9, 8…., 1, soa a buzina e abandonamos todos os receios. Agora é pernas para que vos quero




Aqui vou eu para 125Km de prova