segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A Lisbonização da Maratona do Porto



Não sou fã da Maratona de “Lisboa”. Tem os 42.195 metros como todas as outras mas foram sendo incluídas alterações, umas mais radicais, outras mais subtis, que me levaram a deixar de gostar da prova. Neste artigo está um resumo do que me chateou há 2 anos e desde aí, não só por isto obviamente, nunca mais voltei. Há tanta coisa para fazer.

Tal como dizia nessa altura, a Maratona do Porto tinha bem mais motivos para ser a minha preferida. E não era só eu. A Maratona do Porto cresceu naturalmente e afirmou-se como a maior e melhor Maratona de Portugal. Em 2014 escrevi neste artigo todos os motivos que justificavam esse facto. Desde 2010, ano em que a fiz pela primeira vez, que se constituiu quase um ritual ir à Maratona do Porto. 

E escrevi também que a da Maratona do Porto era um cabaz com vários ingredientes . É importante que nenhum destes ingredientes falte para que a receita funcione….E em 2015 a receita foi alterada. 

Em termos gerais, até porque o percurso é 90% idêntico e as coisas funcionam bem, fruto de 12 anos de experiência, o aspeto do petisco é igual e é saboroso. Mas foram introduzidas alterações que não faziam falta a ninguém. Bom, a alguém faziam falta senão não tinham sido introduzidas.

Não me vou alongar muito sobre todas as implicações que as alterações tiveram, nem sobre os reais motivos pelos quais foram feitas, até porque não os conheço. Mas quando se piora uma coisa, do ponto de vista do atleta, começa a ficar aquela sensação estranha. Para que se faz isto? Havia real necessidade? 

O que piorou?

- Local de Partida e de chegada – O local de partida é francamente mau. A organização diz que o novo local foi escolhido para não incomodar a população. Tive de ler várias vezes a frase. PARA NÃO INCOMODAR A POPULAÇÃO? Mas uma cidade é incomodada quando dezenas de milhares de pessoas a visitam para celebrar uma festa como a Maratona? E só a malta da partida é que se sentia incomodada? O pessoal de Matosinhos, da Ribeira, de Gaia e de todos os outros locais são mais tolerantes? E em Paris, Londres, Madrid, Barcelona, Cascais, a malta incomoda? Bom, se nos metem no queimódromo de Matosinhos para não incomodarmos, o melhor se calhar é irmos incomodar para outro lado. Não consigo compreender esta afirmação, mas admito que o problema seja meu.
O local é mau porque é feio, é muito amplo, não se percebe onde as coisas estão. Onde estava o chá e o café? Só vi barraquinhas a vender. Dantes a barraquinha do chá e do café estava bem visível. Não havia um croqui do local. Era apenas um enorme recinto com as barracas dos patrocinadores arrumadas onde alguém entendeu que deviam estar. Quando se chega nem se consegue perceber onde está o corredor de saída e o que se vê ao longe nem sempre é atingível facilmente porque o local tem zonas vedadas, vedações, etc. Local sem qualquer interesse. Voltaremos a ele para falar da chegada.

- A partida – Partida! 50 metros depois curva à esquerda?!!?!? e fazemos 180º para começar a descer. Saímos relativamente à frente e na curva já tivemos de abrandar. Obviamente não estranhei quando a Dora me disse que estiveram vários minutos parados para passar naquela zona. Depois da curva o corredor encolhe e a opção foi fazer aquele 1º Km apertadinho quase em 5 minutos. Havia necessidade disto? Incompreensível numa organização com 12 anos de experiência. Fruto do novo local e para manter? Francamente mau.

- Transportes para o local – Como nos outros anos ficámos no Tuela ala sul. Alojamento low cost, mas que é mais do que suficiente para esticar o esqueleto e tomar um bom banho a seguir. Não optei pelo “pack Maratona” que incluía transporte para a partida. Demasiado caro a meu ver. Nas edições anteriores a partida era perto do Hotel e a organização disponibilizava gratuitamente autocarros para trazer os atletas de volta para a Rotunda da Boavista. Era perfeito. Agora com o novo local desapareceram esses transportes gratuitos. Ou se paga o tal pack que inclui transporte ou então é cada um por si. Nós optámos pelo Metro. 1h desde o hotel até à partida. 15 minutos à espera do Metro. Felizmente havia reforço de carreiras segundo a organização…. senão estávamos quanto tempo à espera? O suposto reforço também não evitou que fossemos tipo sardinhas em lata 10 estações e 20 minutos.  Da estação até à partida ainda é preciso andar 1 Km. No regresso aplica-se a mesma receita. Andar 1 Km, esperar pelo Metro e voltar ao hotel. Mais de 1 hora com a diferença que conseguimos ir sentados. 3,60€ para 2 horas de viagem. Sendo tolerável, quando comparamos com os anos anteriores, percebe-se que mais uma vez se prejudicaram os atletas.

- Alterações no percurso – Em termos gerais tudo o que foi alterado foi para pior. Já falei da partida, depois andamos por ali numas reviangas, a zona industrial é feia, não há qualquer interesse naquele percurso que se percebe foi atamancado na zona. Sobe desde, vai e vem. Depois entramos no percurso habitual e aqui não há muito a dizer. O que já era bom continua igualmente bom e o que era menos bom também.  Para o final estava guardado o contrário da cereja em cima do bolo. A 1Km da Meta subir novamente 200m da Avenida da Boavista para voltar a descer até à mesma rotunda, antes de finalmente podermos ir cortar a meta. Genial. Não havia outro local onde esticar um pouco a coisa? Era mesmo preciso meter desnível, dificuldade e piorar os tempos a 1Km da meta? Vêm-me à memória as palavras da organização. Um novo circuito mais rápido…. Isso mesmo!!!

- Chegada – A chegada é no mesmo local da partida. Aqui só vale a pena referir que se chega a um local sem qualquer interesse. Um enorme descampado alcatroado. Quando dantes a chegada era no Parque da Cidade com uma enorme zona verde à disposição e onde se podia passear um pouco descansar e desfrutar, agora estamos num terreiro de alcatrão. Com o sol forte que estava tivemos sorte em vagar um dos raros bancos à sombra de uma árvore. 

- Prémio de Finisher – Um colete de plástico, sem mangas e com costas de rede. Não sendo mau, o desaparecimento da tradicional garrafa de vinho do Porto foi a estocada final. A garrafa de vinho do Porto era “O” prémio que distinguia esta prova. O ano passado já tinha passado para o final, o que se aceita. Afinal era um prémio de finisher e fazia sentido racionalizar este custo desta forma. Agora fazê-lo desaparecer? Descaracterizou ainda mais a prova. Será que havia a real consciência do significado desta simples garrafa, o impacto e a imagem, a referência a um dos produtos mais emblemáticos da cidade? Era um custo? Não há almoços grátis. Tudo ali é um custo, pago por alguém. Foi possível durante 11 anos. Agora acabou-se. 

Resumindo, a Maratona do Porto agora começa e acaba em Matosinhos, a partida, chegada e percurso foram atamancados ao queimódromo, o melhor é ficar alojado em Matosinhos para se estar perto do local e evitar deslocações ou packs com transporte inimigos da carteira, e no final ganhamos um colete de plástico.

Tudo o resto continua igual, ou seja de excelente nível. Estes aspetos que refiro fazem confusão aos velhos que insistem em regressar todos os anos. Como velhos que são apegam-se a tradições, valorizam em demasia, rabujam e criticam, principalmente quando sentem que as coisas estão a mudar para pior. São pequenos pormenores dirão uns, são coisas que chateiam dirão outros. Sei que a Maratona do Porto que conheci, o tal cabaz que tinha de se manter para que a receita funcionasse, já não existe. Tudo o resto ainda lá está. Aguardemos pelas melhorias da próxima edição…

Do pouco que li a organização não precisou de ouvir qualquer opinião para formar a sua e afirmou que tudo correu lindamente e que o novo local e percurso são excelentes e para manter.


Voltarei? Não sei. Afinal há tanta coisa para fazer.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

As montanhas da minha vida


Bonatti!

Quem já fez o UTMB conhece este nome. É um refúgio de montanha, aos 2000 m com uma vista deslumbrante para as Grandes Jorasses que ficam do outro lado de um vale glaciar. Uma vista de fazer cair os queixos. Conseguimos ficar horas a admirar a imponência da montanha que faz parte do maciço do Monte Branco, cada detalhe, a imaginar como seria estar ali do outro lado. Parece tão perto, tão acessível. Ninguém diria que o topo está aos 4000 m, tal é a sensação de estar logo ali. É a dimensão da coisa que engana o nosso cérebro. Ao abarcarmos uma imagem tão grande que ocupa todo o nosso campo de visão o cérebro entra no modo "pfff, isto é tranquilo, subia por ali, ali deslizava até acolá..."

Bonatti, o nome fica instantaneamente no ouvido. Talvez por isso a Salomon tenha dado esse nome ao seu impermeável ultra leve. Imaginamos que o Bonatti foi um tipo, claro, um gajo que devia gostar das montanhas, ou da vista daquele sítio, para ter um refúgio com o nome dele ali. 


Gosto das coincidências que me levam a adquirir conhecimento que de outro modo me passaria ao lado. Afinal há tanta coisa para descobrir. A razão porque de repente descobrimos coisas novas está longe de ser um processo metódico. Pelo menos para mim. 

Tudo começou pelo nosso Tour do Mont Blanc no sentido contrário à prova. Primeiro consegui convencer o Trindade a não ficarmos em Courmayeur. Faríamos o Tour de abrigo em abrigo. Em vez de Courmayeur subíamos mais 1000 metros e ficávamos no refugio Bertonne. Quando foi preciso alterar o sentido da nossa volta já não fazia sentido ficar no Bertonne e escolhemos o Bonatti. Até porque eles foram muito mais simpáticos e prestáveis na hora de reservar. Conhecia o refúgio de ter parado ali no abastecimento em 2013, durante o UTMB.

A noite que passámos no refúgio Bonatti foi fantástica. Boa comida, instalações 5 estrelas, simpatia e profissionalismo. Imensas fotos do Bonatti nas paredes, muita informação. Deu para perceber que o Bonatti tinha sido um alpinista excepcional, old school, anos 50, 60. Um grande explorador também. 

O Bonatti voltou a surgir em Chamonix, numa livraria nas mãos do Trindade. Um exemplar em francês. "Montagnes de ma vie". Perguntei-lhe se conhecia a história dele, se valeria a pena levar o livro. A resposta foi a que mereci ouvir: "Epá o tipo tem um refúgio na montanha com o nome dele. Não há um refúgio Paulo Pires. Se calhar deve ter feita algumas coisas interessantes!"
Tunga. Já foste! Mas a vingança serve-se fria... "Vais levar?" perguntei. "Em francês não dá".
"Dá cá então" :)
Pimba! 7 anos de Alliance Française. Incha agora.

E foi assim que em retrospectiva acabei por conhecer o Walter Bonatti. Um alpinista excepcional, um homem que buscava os limites de forma incessante, muito à frente do seu tempo, mas acima de tudo com a sua ética e com uma coisa que se vê tão pouco e cada vez menos hoje em dia: uma integridade de valores e princípios inabalável. Quanto mais leio e pesquiso sobre quem foi Walter Bonatti mais fascinante é conhecer a vida deste homem que fez do Monte Branco a sua escola de vida. 

Não percebo nada de alpinismo, e mesmo depois de ler o seu livro pouco ou nada sei. O livro conta algumas das mais extremas escaladas que ele fez, muitas das quais ficaram míticas. É difícil para um leigo compreender como nos anos 50 alguém escalava aquelas montanhas com recurso a equipamento do mais básico que existia e em condições extremas de frio e debaixo de gigantescas tempestades, com temperaturas da ordem dos -30ºC. Algumas escaladas foram trágicas. Outras estiveram a um passo de o ser. 

Mas é sobretudo de superação e de ultrapassarmos os nossos limites na busca de conquistas que só o próprio compreende totalmente, que o livro fala. E nesse sentido é uma lição de vida, muitas lições de vida. Não que esteja escrito nesse registo. Longe disso.

Gostei muito de conhecer o senhor Bonatti e as suas montanhas. Uma outra perspectiva de um dos locais mais bonitos que conheço. Acho que não existe traduzido em português mas se pelo menos se sentem à vontade com o inglês, be my guests!


Deixo-vos 2 excelentes reportagens onde podem conhecer um pouco da vida de Walter Bonatti