O novo local da São Silvestre Pirata de Monsanto fazia franzir o sobrolho a muito lisboeta. Fomos muito bem recebidos por todas as pessoas. O pavilhão gimnodesportivo é um luxo. Os funcionários simpáticos e prestáveis. Na verdade não podíamos ter escolhido melhor local para o nosso convívio.
Ainda estávamos a tirar as coisas do carro e a preparar-nos para correr começo a ouvir alguém a gritar lá de cima de um prédio. "Eiiii! Eiiii!" Nâo sabia se era comigo mas lá olhei. Talvez num 4º ou 5º andar alguém à janela. "Vão correr?" Vamos disse eu. "Posso ir com vocês?" Claro, vamos embora. A pouca iluminação e a distancia impediram-me de perceber bem quem era o meu interlocutor. A janela fechou-se e quando olhei outra vez, um pouco surpreendido com o facto, a luz já estava apagada.
Fiquei a pensar naquilo. Daquelas coisas improváveis que não acontecem noutros lados, demasiado digamos, correctos, socialmente correctos?
Contei a alguns amigos e depois o episódio desvaneceu-se no meio de tanta coisa que estava a acontecer. Não me voltei a lembrar do companheiro que de repente queria vir connosco.
Algures a meio do percurso seguia à frente com o Boleto e oiço alguém dizer "Mas é que eu tenho 60 anos" O Boleto responde que isso não era nada, ele tinha 38... e olho para o senhor de 60 anos. Embora hajam algumas pessoas de 60 anos que pudessem estar ali connosco, seguíamos num ritmo calmo mas seguro, dificilmente estariam ali na frente do pelotão. Um senhor com o tradicional equipamento de estrada (calção curto e camisola de alças) sobressaía nitidamente do dress code do resto do pessoal (overdressed trail stuff). Será que era ele, o senhor que queria vir connosco? Quase sem arriscar pergunto-lhe se era ele que tinha perguntado se íamos correr e se podia vir connosco. E era, claro. Era o Sr. Artur.
Fantástico. O senhor Artur vive sozinho num 5º andar do bairro da Boavista e estava a fazer o jantar. Apercebeu-se daquela movimentação e não resistiu a fazer-nos companhia. O senhor Artur foi para mim a figura da noite. Representa o que de melhor tem o espírito da corrida. O senhor Artur não quis saber quantos Kms íamos fazer, nem o que íamos fazer. O senhor Artur só precisava de saber se podia vir connosco.
Claro que o senhor Artur fez a voltinha dos 17 Km como se nada fosse. Mora à beira do Monsanto que é o seu jardim de treinos. Logo ali o convidei para vir jantar connosco a seguir, que deixasse o jantar dele e a solidão para o almoço do dia seguinte.
No final mal tivemos tempo de nos despedirmos dele. Disse-lhe para ir a casa mudar de roupa e aparecer no pavilhão para jantar e conviver connosco. Mas o senhor Artur não apareceu. Quem sabe se para o ano podemos saber um pouco mais das histórias que tem para contar.
Sim, porque alguém com o espírito dele tem seguramente coisas para nos ensinar. Obrigado por ter vindo senhor Artur. Bom Natal!
Fantástico! Só vi o sr.Artur na janela não tive oportunidade de o conhecer, mas desejo-lhe tudo de bom, boas corridas por Monsanto e um Feliz Natal
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