Nota: Contem lições e dicas importantes
Por mais experiência que se tenha às vezes somos vítimas dos erros mais básicos. Por isso esta crónica é também uma lição para estudar e relembrar.
Se por um lado a experiência nos dá o conforto de irmos para a prova mais dura de Portugal continental com o espírito de missão de quem vai ter de encaixar mais uma ultra 100K no bucho, também nos atraiçoa.
Esta não é definitivamente uma prova para estreantes nesta distância. A Lousã é muito dura e para se desfrutar da experiência há que ir aos poucos. Provavelmente se forem de boa cepa até concluem a coisa no tempo limite mas com um preço demasiado alto. Há muita coisa para se entreterem por ali, antes de enfrentarem o boss do UTAX.
Partimos bem eu e o Rui. O plano era fazermos a prova juntos. Sem stress. Este ano já tenho a minha dose e estas coisas também cansam. Estou um pouco saturado de ultra coisas. Já não há épocas, intervalos para descanso, nada. É ir gerindo e descansando de umas para outras a fingir que servem de treino.
Nem 2 Kms, na saída de Miranda o tipo da mota engana-se e quem ia na frente segue atrás. Poucos metros durou mas o suficiente para o pessoal mais calmo seguir as fitas e o caminho correto. Grande granel, encaixa tudo uns nos outros. Os craques aceleram pelas coxias e tentam reposicionar-se na frente. Perco o Rui na confusão. Vou tentando chegar à frente e aproveito algumas subidas para recuperar posições.
Chegámos à ribeira de Espinho, que estávamos a subir, ao contrário dos Abutres, e sigo com a Sofia Roquete o que é sinal que já estava mais coisa menos coisa no local correto, Contas feitas já em casa, passei em 62º em Gondramaz. Fico por ali a ver se o Rui aparece. No caminho passei o Luis Madeira que me tinha dito que o Rui não tinha passado por ele, portanto vinha atrás. O Rui não aparece e arranco devagar.
Na véspera em conversa com o Vitorino Coragem perguntei-lhe o que era aquela descida a seguir a Gondramaz e ele explicou que íamos descer a outra ribeira mas só íamos fazer 500 m e depois voltávamos a subir para apanhar a pista de downhill para a Lousã.
Estávamos a sair de Gondramaz pelo estradão e aparece o Rui. Fixe. Seguíamos juntos com mais um casal. Ela era a 3ª da geral. Descemos para a tal ribeira e aviso-os que iríamos fazer 500 m e depois meter à direita para subir.
Aqui fica a 1ª lição.
1ª Lição - Segue sempre as fitas
Corolário 1 - Podes sempre seguir outras coisas que te apeteça, tipo placas reflectoras, placas indicativas do trilho, tudo o que quiseres seguir, MAS CERTIFICA-TE QUE CONTINUAS A SEGUIR AS FITAS.
Corolário 2 - És TU que tens de seguir as fitas. Nunca delegues essa tarefa nem confies em ninguém para a fazer por ti. Porque se o gajo não souber esta lição és TU que te vais tramar.
Aquela zona do trilho esta cheia de marcações refletoras, marcações de trilhos do Centro de Estágio de Trail de Miranda, etc. Com tanta coisa a reflectir por ali, em pelo menos 5 pessoas ninguém se lembrou de perguntar uma única vez: E fitas? Alguém está a ver uma única porra de uma fita?
De repente parecia que estava a escalar o Penedo dos Corvos, mas era de noite e pedra é pedra.... quando vejo as luzes de uma aldeia mesmo ali.... espera lá... isto não estava no mapa. Íamos subir e descer para a Lousã. GONDRAMAZ!!! De repente tudo fez sentido nos meus 3 neurónios. Não seguimos fitas, o trilho virou algures à direita, subimos ao Penedo dos Corvos e voltámos a Gondramaz. 4 km, 45 minutos perdidos e como se não bastasse, para a estocada final, tão cedo na prova em 45 minutos tinha passado toda a gente. Diz uma moça: bem vindos, juntem-se a mim sou a última. Verdade ou não foi um balde de água gelada que nos mandaram para cima. Acorda pá! Esta prova já acabou!
Voltar para trás à procura do erro era ainda mais estúpido do que o que tínhamos feito. Demasiado técnico. Lá aceitámos o convite e voltámos a fazer o mesmo percurso para perceber onde nos enganámos. Podia estar mais bem indicado? Podia. Podia não haver tanta porcaria pendurada por ali a reflectir? Difícil. Não fomos os únicos a cair no engodo mas as fitas estavam lá. À 2ª não falhámos.
Foi preciso mudar o chip e seguir atrás dos ultimos. Na subida ainda passámos alguns mas depois na descida para a Lousã, um single track de downhill havia pouco a fazer. Formavam-se filas ao mínimo obstáculo. Vimos muita gente que estava enganada na prova que se propôs fazer. E também ultrapassar à bruta para quê. Tínhamos quase 1 hora de atraso. Era outra prova que havia a fazer agora.
Na Lousã encontrámos mais vítimas do engano. Chegámos em 220º quase no fim da tabela. Próxima paragem Cerdeira. Seguimos por trilhos do Louzan Trail. Não me apercebi que o Rui não vinha lá. O abastecimento numa fantástica casa de xisto e madeira da aldeia. Cheio que nem um ovo. Calor humano. Os óculos embaciam de imediato. Parecia o Mr. Magoo. Tiro os óculos e vejo o Hugo. Não estava a funcionar a prova e ia abandonar. Tento convencê-lo a vir connosco em modo desfrutar, nada. Já tinha tomado a decisão.
Como, bebo, esvazio os ténis de pedras e quando procuro o Rui, nada. Que raio?!?! De repente lá aparece. Estava com uma dor na virilha que o estava a impedir de progredir. Na subida após o abastecimento a coisa não melhorou e separámo-nos. Em princípio iria abandonar em Povorais no Km 48. Que sina. Já o ano passado ficou pelo Km 50 por outros motivos. Não está fácil esta prova.
Fico sozinho. Triste sina a minha. Sozinho e num sítio da classificação onde não conheço ninguém, não estou no meu ritmo, lá vou ter de gramar outra prova a solo.
Depois de Povorais e de 2 belas canjas, já de manhã, subo ao ponto mais alto da prova e quase sou arrastado pelo vento, Rajadas seguramente na casa dos 100 Km/h, um trilho manhoso a subir e mesmo nas zonas mais brandas era impensável correr. O vento era tanto que era impossível prever onde os pés iam bater no chão. Qualquer rajada poderia arranjar um entorse ou um tropeção num tronco. Felizmente não estava muito frio. O meu relógio registou mínima de 16º o que parece impossível tal o frio que a ventania fazia sentir. Se estivesse frio a sério acredito que com aquele vento a prova teria de ser cancelada. Também acredito que com frio a sério haveria bombeiros e ambulâncias nos estradões desprotegidos das eólicas...
Eu lá ia prosseguindo na minha árdua missão. Seguia-se mais terreno conhecido de outros passeios, nomeadamente do habitual treino do amigo Vitorino. A descida para o Coentral, toda em grandes nacos de cascalho solto e depois mais descida até Castanheira de Pera, passando pela praia fluvial de Poço de Corga, que me traz boas memórias do verão de há 2 anos.
Se já vinha molhado e sem dúvidas para trocar de roupa na praia das Rocas, mais um local de fantásticas memórias de há 5 anos, uma chuvada no último km só confirmou tudo. Chego geladinho à praia das Rocas. Arranjo um cantinho e calmamente renasço do frio. Fracas condições. Sacos de troca espalhados por ali, balneário sem luz, chuveiros ali a acenarem para nós mas sem água quente, abastecimento num recanto onde 2 pessoas ao mesmo tempo já eram uma multidão. Sem pressa alguma ainda ligo à Dora a contar como as coisas estavam. Coisa rara nas minhas provas mas esta estava a ser uma prova atípica, talvez estivesse a estranhar. Procuro confirmar se o Rui sempre desistiu e fico a saber que o Marcolino desistiu, Ó desgraça. A coisa estava bera.
Enquanto me trocava o céu descarregava a sério. Assim que terminei a coisa acalmou. Olha, uma aberta. Siga. Mal passo a ponte da praia e era falso alarme. Começa a cair uma carga monumental. Bonito serviço. Vá lá que tinha o impermeável vestido mas mesmo assim fiquei um pinto.
Nova subida dura, novo estradão de eólicas no topo. Chuva nevoeiro e um horrível vento lateral. Faltava descer até ao Talasnal num fantástico downhill onde os ultra raptor brilharam e eu ainda a conhecer os limites dos gajos nem acreditava na capacidade de agarre da coisa. Nitidamente ainda não tenho pés para a coisa :)
O Talasnal parecia uma urgência do Amadora Sintra nos piores dias. Só pessoal com a junta da cabeça queimada. Mal entro começa a chover torrencialmente. Não me posso demorar para não arrefecer ainda por cima vou ter de sair a chover. Falta subir ao observatório e descer para Miranda.
Sem grande história, mais estradões, mais eólicas, já não suportava o barulho das bichas a rodar, nem o raio do vento, Nem 5 minutos estive no observatório. Não havia nada para observar. Ainda saio lá de cima às 18h30 a pensar que fazia aqueles 20 Km em 3 horas, alguma margem para surpresas. A descida vai complicando pelo caminho. Estamos de novo em terrenos de Abutres mas a descer. Quando a coisa chega ao Cardeal com tanta lama a descer, lá vem trabalho a sério.
E é altura da 2ª lição.
2ª Lição - Não uses pilhas alcalinas no teu frontal XPTO com bateria de lítio
Corolário 1 - Vais-te tramar. Estás a contar com uma determinada duração que umas pilhas convencionais não suportam
Corolário 2 - Se o teu frontal permite usar pilhas de backup usa no mínimo as melhores pilhas recarregáveis de NiMH que encontrares
E em pleno Cardeal, mata serrada, breu total, desníveis e encostas de lama o frontal começa a piscar e a avisar-me: Já foste de novo!
Ca porra! Estou tramado com F maíusculo!!!
Vejo alguém com um frontal um pouco mais à frente. Rapidamente o apanho. Eu ainda tinha a bateria original com uma carga indeterminada. Já tinha feito 7 horas durante a noite e em Castanheira de Pera troquei por umas pilhas Varta novinhas. Homem prevenido, está bem... tramado. Não estou a ver nada que rime com prevenido que se adapte aqui....
Duraram 1h talvez.
O dilema era se voltasse a pôr a bateria quanto tempo duraria? Ainda faltava chegar a Vila Nova e depois mais 10Km que seguramente não seriam em estrada com candeeiros. Seguimos juntos. Se ele já não era muito expedito então a arrastar um gajo sem frontal... Sei lá quanto tempo demorámos a fazer a descida até Vila Nova, altamente técnica e toda em lama... que miséria. Ainda se juntou a nós mais um companheiro e parecia a procissão das velas, só faltava levarmos um andor.
Em Vila Nova volto a colocar a bateria e saio com o frontal no mínimo e a rezar. O trilho inicial já conhecia e pensava que íamos a Espinho e descer por onde subimos. Qual quê. Eu com o frontal no mínimo mal dava para ler um livro à noite na cama, mas não queria arriscar mais 1 lumen. Ficar outra vez às escuras naquele terreno nem pensar. Para o final estava guardado um arrozoado de reviangas e voltinhas, trilhos e trilhinhos, lama sem fim. Daqueles finais que estamos sempre a cheirar a meta, levam-nos até aos limites da cidade e voltam a meter-nos no trilho. As marcações já falhavam tanto como a paciência. Em minha opinião acho que são de evitar este tipo de traçados finais. As dificuldades devem estar ao longo da prova. Quando se mostra a meta a alguém já não há necessidade de esmifrar mais. O homem chegou caneco! Já chega!
E pronto. Quis contar-vos esta história porque acho que tem lições importantes. A ultima lição é que mesmo quando as coisas não correm bem é possível atingir outro objectivo. É só mudar o chip. Aqui já fica ao critério de cada um, Eu acho que é parte do desafio sabermos adaptar-nos, reconfigurar a máquina e lá vamos. Acredito que por vezes seja mais simples dizer "não estava bem" e não temos de escrever um artigo no blog cheio de dicas e lições. Por vezes há outras responsabilidades e expectativas. Mas eu funciono melhor assim. Tento transformar as dificuldades em desafios e lá vamos andando.
E foi assim que vivi o UTAX. Poderia ter corrido melhor?
O Talasnal parecia uma urgência do Amadora Sintra nos piores dias. Só pessoal com a junta da cabeça queimada. Mal entro começa a chover torrencialmente. Não me posso demorar para não arrefecer ainda por cima vou ter de sair a chover. Falta subir ao observatório e descer para Miranda.
Sem grande história, mais estradões, mais eólicas, já não suportava o barulho das bichas a rodar, nem o raio do vento, Nem 5 minutos estive no observatório. Não havia nada para observar. Ainda saio lá de cima às 18h30 a pensar que fazia aqueles 20 Km em 3 horas, alguma margem para surpresas. A descida vai complicando pelo caminho. Estamos de novo em terrenos de Abutres mas a descer. Quando a coisa chega ao Cardeal com tanta lama a descer, lá vem trabalho a sério.
E é altura da 2ª lição.
2ª Lição - Não uses pilhas alcalinas no teu frontal XPTO com bateria de lítio
Corolário 1 - Vais-te tramar. Estás a contar com uma determinada duração que umas pilhas convencionais não suportam
Corolário 2 - Se o teu frontal permite usar pilhas de backup usa no mínimo as melhores pilhas recarregáveis de NiMH que encontrares
E em pleno Cardeal, mata serrada, breu total, desníveis e encostas de lama o frontal começa a piscar e a avisar-me: Já foste de novo!
Ca porra! Estou tramado com F maíusculo!!!
Vejo alguém com um frontal um pouco mais à frente. Rapidamente o apanho. Eu ainda tinha a bateria original com uma carga indeterminada. Já tinha feito 7 horas durante a noite e em Castanheira de Pera troquei por umas pilhas Varta novinhas. Homem prevenido, está bem... tramado. Não estou a ver nada que rime com prevenido que se adapte aqui....
Duraram 1h talvez.
O dilema era se voltasse a pôr a bateria quanto tempo duraria? Ainda faltava chegar a Vila Nova e depois mais 10Km que seguramente não seriam em estrada com candeeiros. Seguimos juntos. Se ele já não era muito expedito então a arrastar um gajo sem frontal... Sei lá quanto tempo demorámos a fazer a descida até Vila Nova, altamente técnica e toda em lama... que miséria. Ainda se juntou a nós mais um companheiro e parecia a procissão das velas, só faltava levarmos um andor.
Em Vila Nova volto a colocar a bateria e saio com o frontal no mínimo e a rezar. O trilho inicial já conhecia e pensava que íamos a Espinho e descer por onde subimos. Qual quê. Eu com o frontal no mínimo mal dava para ler um livro à noite na cama, mas não queria arriscar mais 1 lumen. Ficar outra vez às escuras naquele terreno nem pensar. Para o final estava guardado um arrozoado de reviangas e voltinhas, trilhos e trilhinhos, lama sem fim. Daqueles finais que estamos sempre a cheirar a meta, levam-nos até aos limites da cidade e voltam a meter-nos no trilho. As marcações já falhavam tanto como a paciência. Em minha opinião acho que são de evitar este tipo de traçados finais. As dificuldades devem estar ao longo da prova. Quando se mostra a meta a alguém já não há necessidade de esmifrar mais. O homem chegou caneco! Já chega!
E pronto. Quis contar-vos esta história porque acho que tem lições importantes. A ultima lição é que mesmo quando as coisas não correm bem é possível atingir outro objectivo. É só mudar o chip. Aqui já fica ao critério de cada um, Eu acho que é parte do desafio sabermos adaptar-nos, reconfigurar a máquina e lá vamos. Acredito que por vezes seja mais simples dizer "não estava bem" e não temos de escrever um artigo no blog cheio de dicas e lições. Por vezes há outras responsabilidades e expectativas. Mas eu funciono melhor assim. Tento transformar as dificuldades em desafios e lá vamos andando.
E foi assim que vivi o UTAX. Poderia ter corrido melhor?