quinta-feira, 12 de outubro de 2023

HRV - O que nos diz o nosso coração

HRV (Heart Rate Variability) ou VFC (Variabilidade da Frequência Cardíaca) é uma métrica quase em tempo real que reflete o impacto que o sistema nervoso está a exercer no coração. Como e qual o interesse de saber a vossa HRV é que vos vou contar.

Imaginem que têm uma pulsação de 60 bpm. Isso não significa que o vosso coração tenha exatamente 1 batimento a cada segundo. É um orgão cujo funcionamento é totalmente autónomo e regulado por inúmeros fatores. Por isso o que irá acontecer é que por vezes passará um pouco menos de tempo e depois poderá passar um pouco mais, entre cada batimento, como mostra a imagem seguinte.

O que é ?

A variabilidade é uma média das diferenças entre cada batimento, num determinado intervalo de tempo. Não vou ocupar muito tempo com tecnicalidades até porque há imensa informação disponível que explica o cálculo muito melhor que eu faria. Apenas dizer-vos que, ao contrário do que poderiam pensar, quanto maior a variabilidade da frequência cardíaca (dentro de um certo limite claro) melhor. Ou seja um coração que tem sempre o mesmo tempo entre cada batida não é bom sinal. 

O coração recebe estímulos de vários sistemas, entre os quais o sistema nervoso simpático e o parassimpático. O simpático é o tipo que toma conta da ocorrência em casos de stress, excitação, perigo. Sempre que é preciso atuar de forma consciente e determinada numa acção vigorosa, é esse gajo. Quando o simpático não é necessário o parassimpático toma conta da ocorrência e mantém uma série de funções vitais em funcionamento, mas também muito associadas ao repouso e ao business as usual. A ideia aqui é que o parassimpático é mais baldas a regular a coisa, enquanto o simpático é mais militarista, ali a marcar passo. Ora o pessoal precisa de descansar e se está sempre ali o militar aos gritos a marcar o passo, então não estamos a descansar o suficiente.

A ciência é unânime em concordar que uma maior VFC está associada a um coração mais tranquilo, mas também mais preparado para todas as situações que o simpático exija. No fundo um sistema nervoso mais tranquilo. Com o surgir dos relógios com medidores de frequência cardíaca capazes de registar a VFC, surgiu também a capacidade de usar essa métrica para avaliar o estado do treino, o nível de descanso. no fundo a reação do corpo à carga de treino, por exemplo. 

Depois há muita discussão sobre a melhor forma de medir, se de manhã, se durante a noite, se um relógio tem precisão suficiente, se é preciso uma banda cardíaca, um software próprio, um ECG, etc. Vou esquecer isso porque não é relevante. A Garmin mede durante o sono e é o que tenho. O importante é ser coerente e usar sempre o mesmo método para ter resultados comparáveis e detetar variações. 

Como se mede ?

Tirando alguns modelos mais exóticos, a Garmin introduziu a medição da VFC durante a noite e começou a fazer médias, registos, e a tecer considerações sobre os valores, a partir do forerunner 255, 955 e do fenix 6. Outros fabricantes e modelos dessa época começaram também nessa altura. Isto está relacionado com a evolução do sensor de ritmo cardíaco do relógio.

Não sei a realidade de outras marcas mas na Garmin funciona da seguinte forma: 
- é preciso usar o relógio durante a noite
- nas primeiras 3 semanas apenas são recolhidas métricas para criar uma baseline 
- uma vez criada a vossa baseline, a métrica apresentada é a média das últimas 7 noites, ou seja mesmo que uma noite seja muito diferente, não vai influenciar muito o valor médio que é apresentado. Apenas a continuação desse valor invulgar durante vários dias irá começar a afetar a média das 7 noites.

Mais uma vez, há várias formas de medir a VFC e não está em questão a maior ou menor acuidade desta forma. Além disso o valor da VFC é um valor totalmente pessoal. Não há propriamente um valor ideal. O que a métrica tenta é, criada a vossa baseline, dar evidências das divergências que podem surgir.

Como usar ?

Já há uns tempos que meço e recebo os relatórios diários do meu 955. A minha VFC andava ali pelos 55-60  mais coisa menos coisa. O relógio definiu uma banda de "normalidade" entre os 50 e os 70 aproximadamente. Claro que a banda definida não é totalmente fixa e vai variando ligeiramente com o acumular de valores que a puxam para cima ou para baixo, como já expliquei.


Na imagem acima podem ver alguns dias em que a coisa esteve a "bater mal". Neste caso concreto foi uma sequência de noites mal dormidas, com má vida e alguns treinos matinais para ajudar à festa. Claramente não estava a ir no bom caminho. E nem era preciso o relógio avisar, claro. Mas o que foi importante reter aqui foi a validação da métrica; fazes xixi fora do penico e o gajo sabe, ou seja funciona. É de facto um medidor do estado do vosso sistema nervoso/cansaço/recuperação.

Claro que não é preciso ser uma coisa tão drástica. Pode ser mais subtil e ser algum sinal a ter em conta. Sobretudo se for uma tendência e não apenas um valor pontual. 

Por outro lado é muito interessante ter forma de medir o que está a acontecer com a nossa máquina. Não só para o mal. Também é possível fazermos alterações que influenciem positivamente a VFC. Se quando nos portamos mal a VFC baixa será normal que se nos portarmos bem a VFC suba ? Vamos ver.

Reparem nos ultimos valores que tenho registado, já muito perto dos 70 e a banda a começar a deslocar-se para cima. São alterações muito ligeiras e sobretudo demoram tempo a refletir-se, mas como tudo, o importante é a consistência. Cada ponto neste gráfico de 4 semanas é uma média das últimas 7 noites. Não é um valor dessa noite. Mas é muito interessante também olhar para o valor da noite anterior. Porque reflete exatamente o que aconteceu na noite de ontem. Não é tido em conta neste gráfico mas é possível sabê-lo na manhã seguinte ou consultá-lo mais tarde. Embora seja um valor único e não seja usado diretamente pelos algoritmos da Garmin (só é usado como parte da média de 7 dias) é interessante pois conseguimos associá-lo imediatamente à noite passada; ou dormimos pouco, ou mal, ou recuperámos mal de um treino, ou fomos para os copos até às tantas, etc.

O sono e também o álcool afetam diretamente a vossa VFC. No caso do álcool é possível perceber, por exemplo numa semana em que não consumam álcool, se uma noite beberem ao jantar mesmo que de forma moderada, no dia seguinte a VFC vai refletir esse facto. Não sei se diretamente, se por ter influído no vosso sono, se foi o fígado que precisou de mais recursos para decompor o álcool. Pouco importa, o impacto está lá.

E então ?

Não sei até que ponto tudo isto impacta onde. Também não vou entrar pelos estudos adentro para justificar isto ou aquilo. Aqui o que achei interessante é que é possível ter este manómetro da vosso estilo de vida, digamos assim. Dá perfeitamente para perceber que de facto é uma métrica importante para avaliar o estado de um atleta (não estou a falar de mim, claro) , do impacto que a carga de treino está a exercer. Sobretudo para um treinador. Porque não adianta meter carga em cima de noites mal dormidas, copofonia, etc.  

Diria que conseguir manter uma VFC alta, sobretudo quando percebemos o que é para nós um valor baixo (lembrem-se que os valores são individuais dentro de uma certa margem), só pode ser benéfico para o nosso sistema nervoso, circulatório e para uma saúde mais robusta. Não é preciso estudos para conhecermos o nosso corpo. 

Termino dizendo que hoje em dia vários relógios que, mesmo sem serem marcas ligadas ao desporto coisas tipo Apples e Samsungs da vida, fazem de uma forma ou de outra medições da VFC. 

Espero que este artigo vos tenha despertado curiosidade e que tentem melhorar a vossa VFC. Vejam que factores estão a influenciar e tentem modificar o vosso estilo de vida de forma a acomodar melhorias, como diria o outro, pela vossa saúde!

Bom descanso.

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