sábado, 19 de abril de 2014

Get Ready for UTSM 100Km

Esta vai ser a base do meu treino para Portalegre. Para além de algumas provas, um ou outro treino mais longo, muito descanso e alguma natação, o foco principal vai ser reforço muscular. Neste treino podem encontrar um conjunto de exercícios fundamentais para um reforço muscular muito eficaz. Não precisam de mais nada do que a vossa força de vontade. Pensam que estão em forma? Pensam que estão fortes? Querem ficar todos empenadinhos sem correrem 1 Km sequer? Então aqui fica o desafio: Vejam o vídeo do princípio ao fim, tirem notas, façam 1 circuito completo, apenas 1. Claro que não vão conseguir sequer. Alguns exercício são extremamente difícies, mas chega. Depois no dia a seguir falamos. 

3 vezes por semana. Até Portalegre pessoal!



sexta-feira, 18 de abril de 2014

MIUT - A Meca do Trail em Portugal (parte 2)

...Continuação da 1ª parte

Já há uns Kms que trazia a sensação que poderia estar a fazer uma bolha num calcanhar e estava à espera do abastecimento para pôr um pouco de Nok na zona. Já tinha planeado demorar um pouco mais, reabastecer bem porque a subida tinha sido dura, meter água e fazer uma rápida manutenção no pé. 

Mal chego ao abastecimento montes de gente. Sentados cá fora o Trindade e o Nelson, o Didier e o Bruno também por ali a tratar de abastecer. Percebo que vim a andar bem (ênfase para o andar). Enquanto como e bebo o Didier e o Bruno arrancam e percebo que o Trindade e o Nelson Diogo vão esperar por mim. Que fixe, pensei. Companhia!!! Verifico o calcanhar, sem problemas, ponho um pouco de Nok preventivo apenas.

E assim se formou o trio da Margem Sul. Esperava-nos uma descida gigantesca de 1200m. Muito bera ao princípio, estradão de cascalho solto, grande inclinação, depois novamente floresta, degraus de todos os tipos e formatos, trilhos lindíssimos, muito antigos, com túneis. A paisagem muda constantemente, escadarias com toros de madeira, degraus de pedra, o mar, a floresta, eu sei lá, nunca nos aborrecemos. A conversa segue animada com os piropos do costume. Desfrutamos a sério e não nos cansamos de elogiar tanta beleza. Que privilégio poder ver tantas maravilhas de uma vez só.

Uma das belezas desta prova é que os trilhos são gigantescos e sem bifurcações ou quase, de tal forma que se podem fazer muitos kms em trilho único quase sem precisar de fitas. De vez em conta damo-nos conta disso mesmo. Há quanto tempo estamos neste trilho. O tamanho disto é impressionante.

Já dá para apagar os frontais, seriam talvez 7h30, mesmo nas zonas mais escuras da floresta já se vê bem o chão. Nisto surge uma descida fantástica, diria um leito de ribeira completamente coberto de folhas. Piso espetacular. Impossível correr devagar ali. Começo a acelerar e se vínhamos devagar e a ser passados por alguns atletas, ali acabou-se. O Trindade não resiste e vem desembestado atrás de mim a tentar apanhar-me aos gritos pelo vale abaixo. Este trilho é inesquecível tal o gozo que me deu.

No final um salto para um trilho mais abaixo, em pleno salto um pé prende-se numa raíz escondida, por sorte em vez de tombar para a frente e aterrar de cabeça, rodo o corpo em pleno voo, o pé solta-se da raiz e aterro cá em baixo de costas. Meio a tremer, meio sem perceber como me salvei daquela situação  o trilho acaba e fico a pensar, que grande Ninja que foi esta cena. Acabou bem, portanto siga!
O Trindade fica à espera do Nelson que vem com o limitador de velocidade ligado nas descidas por causa do joelho e eu começo a subida para a Encumeada. 600m dela.



40 e qualquer coisa Km's. Estava tudo bem com os pés. A descida, principalmente esta parte final, tinha-me demolido um pouco a zona pélvica. Mas a culpa foi minha que facilitei nos últimos tempos o treino desta parte do corpo. Algo a retomar em força para Portalegre. Se fosse preciso largar a correr agora, ia ser complicado. Mas não, era para subir. 

Até à Encumeda segui sozinho. Subida quase toda em escadaria de troncos, muito muito dura na parte final. Vejo ao longe a malta do Paredes Aventura. Seria? 3 t-shirts verde alface. Só podem ser eles. Vamos lá tentar ver se são. O Vitor Andrade, o Fernando Salvador e outro companheiro. Com persistência e cadencia consigo alcancá-los quase a chegar ao topo. Seguimos juntos. Os últimos degraus são massacrantes. Foi dura esta subida. Talvez de ter vindo num ritmo forte achei bem dura a parte final. No abastecimento juntamo-nos todos pois o Trindade e o Nelson subiram também muito bem. 

A seguir à Encumeada esperava-nos subir 500m e descer 700m até ao Curral das Freiras, meio da prova, muda de roupa, refeição mais substancial. Depois de descermos um pouco começa a parte cénica. Não vemos o sol pois estamos por detrás dos picos mas é um deslumbramento apreciar todas aquelas paisagens. O trilho segue agora contornando toda a montanha, quase sempre com um precipício escarpado do lado direito. Mas é um trilho largo com chão de lajes grandes. Piso muito bom. Sempre a subir. Fico sozinho, Vou tirando fotos, bebendo água das cascatas. Nas curvas verifico a distância para os meus companheiros, estão ali a 100m e vão aparecendo e desaparecendo ao sabor das esquinas que dobramos. Lá em baixo as aldeias, muitas centenas de metros mais abaixo, vão acordando. Fumegam casinhas e pouco mais se vislumbra daquela minúscula vida. Parece outra dimensão para quem está, como nós, literalmente nas nuvens.

Antes ainda da descida para o Curral das Freiras, que nos tinham dito ser muito perigosa alcanço toda a gente menos o Trindade que fugiu mal viu a descida. Sigo com o Nelson à conversa, sobre as mulheres e as provas, e num instante estamos cá em baixo. Não achámos a descida nada perigosa. Achei mesmo deliciosa. Não percebemos o critério de quem nos avisou. Melhor assim.

Finalmente o famoso Curral das Freiras, encalhado entre gigantescas montanhas que em breve iríamos ter de subir em mais um dos últimos mega pepinos. Ia ser lindo ia. Mas para já, trocar de roupa. Todo sequinho. Que maravilha. Parecia novo. Aqui, percebo agora, cometi um erro, pela ultima vez, e outro que preciso ainda de validar. Troco a minha camisola de compressão de manga comprida por uma de manga curta. Foi a ultima vez que a usei pois é incompatível com a mochila e viria a assar-me as costas e a fazer-me penar na parte final da prova. Troco também os meus Asics Fuji Elite porque eram novos e embora não me estivessem a chatear achei mais prudente calçar os velhinhos Fuji Attack2 para a parte final. Um drop maior, um pouco mais de conforto. Só pode ajudar.... ou talvez não. Vamos ver...

Demorei um bom bocado, nesta operação, o Trindade andava por ali também, tinha optado por ir comer primeiro. Quando chego à zona da comida novamente o Didier e o Bruno. Ainda me chamam para ir com eles. Recuso o convite, com alguma pena, mas ainda precisava de comer em condições e eles estavam prontos para sair. Mesmo assim fiquei surpreso por os ter apanhado ainda ali. Significava que eu estava a fazer uma boa prova até ali.

Depois de comer mais uma canja e uma bela pratada de arroz com carne, e que boa que estava, é hora de seguir. Espera-nos uma parede com 1300m D+ Há provas de 50Km que nem isto têm e a gente ia mamar com eles ali em 8Km depois de quase 12h de prova já. Definitivamente venham preparados amigos!
O Curral das Freiras fechava as 15h estávamos a sair dali bem antes das 12h que era o tempo que tinha estimado para lá chegar.



O trilho começa floresta acima, escadaria de toros. Ligamos o piloto automático e lá vamos a arfar. O trilho sai da floresta e começam as escadas de pedra, sem fim, stairway to heaven, era uma valente subida tal como a outra que fizemos logo no princípio da prova. De qualquer forma achei-a mais fácil. De dia, com o piso bem melhor, em boa companhia.

Tentávamos perceber qual era o Pico Ruivo. Pico é coisa que não falta por ali e com o trilho a contornar continuamente a montanha nunca sabemos bem para onde se dirige. É ali, não, é aquele, aquele? mas como é que isto vai dar ali? Sei lá, tragam-me um pico qualquer.

Paisagens absolutamente fabulosas
Escusado será dizer que estávamos agora a entrar na parte mais impressionante do traçado. Não é tanto a altitude mas sim o perfil do terreno, as escarpas, os desníveis brutais. Mas também a nossa sorte com o tempo. Não havia sol, temperatura amena, nuvens a alta altitude, e uns tufos de algodão espalhados pelos vales mesmo só para glorificarem a nossa vista e as nossas fotos. Visibilidade de Kms. Nunca pensei ir apanhar um dia tão bom e tão limpo até porque os dias anteriores não prometiam nada de bom.

Laurissilva no seu melhor




Dá-lhe Nelson!
Mas se estão a gostar do que estão a ver só vos posso dizer que isto não é nada comparado com o que ainda nos esperava depois do Pico Ruivo e antes do Pico do Areeiro. Nesta altura ainda eu tentava perceber porque raio havíamos de ir de um pico ao outro.


O Pico Ruivo não tem acesso por estrada, só por trilhos. Tem um abrigo de montanha que era onde estava instalado o abastecimento. Aqui havia algum vento frio pois estávamos a passar um colo da montanha. Entro no abrigo e estava muito agradável. Era apenas um ponto de água, coca cola e isotónico. O abastecimento a sério estava no próximo pico. Aqui não era possível ter logística a sério. Já não sei quem chegou primeiro se o Nelson e o Trindade se a Susana. Mas fiquei muito contente de a ver ali. Tinha-a apanhado de madrugada muito enjoada e receei que as coisas pudessem ter corrido mal. Mas não, chegou ali. Vinha em brasa, exausta, doía-lhe tudo, mas estava bem. Achei-a queixosa mas com raiva daquilo tudo. É bom sinal. Queria ir sentar-se à lareira. Eu estava a arrefecer rapidamente. Não podia ficar muito mais tempo ali. Só o essencial para vestir o casaco e sair já a bater o dente. Eles que me apanhassem pelo caminho.


E ali começou uma viagem fantástica. Parecia que estava no reino do gigante tal é a dimensão de tudo o que nos é dado observar. Devido a derrocadas do trilho antigo tinham acabado de colocar escadas metálicas tipo navio e escavado trilhos novos nalgumas zonas. Percebi porquê. Aquilo é único, aquela ligação entre os picos é de tirar o fôlego a qualquer um e não é pela dureza do traçado que é bem agressivo.





Depois de passarmos a tal zona de escadas de navio entramos numa zona que felizmente ainda resiste. As fotos impressionam mais do que no local. De facto corre-se perfeitamente nestes caminhos que são largos e nunca tive qualquer receio ou vertigem. Começo a perceber que todo o caminho entre os picos vai ser assim, escavado na rocha. O Pico do Areeiro está do outro lado? Não há problema, um túnel fura a montanha de um lado ao outro. Talvez o maior naquela zona tivesse cerca de 200m. Por vezes o trilho parecia que ia acabar, mas outro tunel salvava-nos e leva-nos para outro lado. De cada vez que saiamos de um túnel a paisagem era outra. Uma coisa absolutamente única!

Olha o Fernando Salvador

Reparem no pessoal no trilho 

Tuneis levam-nos de um lado para o outro da montanha


Já se vê o Pico do Areeiro mas ainda é preciso penar muito para lá chegar

Se calhar não quero cair aqui

Aqui corri. Eu disse que ia correr aqui!

E pronto!!!!
Exausto mas deslumbrado com tanta beleza desconcertante cheguei ao Pico do Areeiro. Enquanto comia algo chegaram os meus companheiros e por ali ficámos um pouco. A fome não era muita mas era preciso comer. Um parêntesis para falar dos abastecimentos, simplesmente fantásticos. Todos. Perfeito. De tudo um pouco, canja, chá, café, só para falar de quentes. De quando em quando arroz com carne e depois tudo o resto que é preciso, salgados, doces, hidratos. Simpatia de toda a gente. Como vos digo perfeito. Mesmo com algumas horas entre alguns pontos, só comi uma ou duas barras do que levava comigo.

Saímos juntos do Pico do Areeiro e começámos a descer. Tinha chegado ali as 16h, uma das hipóteses que tinha colocado para fazer as 24h era precisamente chegar ao pico com 16h de prova. Tinha agora 8h para concluir os últimos 40km. Embora fosse expectável alguma quebra de rendimento, seria compensada pela menor dificuldade do terreno e pelo menor desnível. Faltavam apenas 1000m postivos para subir neste ultimo terço. O que era isso comparado com os 5800 que já tínhamos subido? Mas haveria outros factores ainda por revelar. A prova iria mudar de novo radicalmente


Desde logo fiquei sozinho. O Nelson quebrou um pouco e o Trindade ficou com ele. Eu fui andando como já tinha acontecido tantas vezes. Já me apanham. Mas não apanharam mais. E lá fui. Só já a vontade de acabar me impelia. Começo a sentir que a mochila me está a aleijar as costas. O percurso mudou um pouco, mas depois de termos comido a cereja no topo do bolo a coisa começa a saber um pouco a pão de ló. Ok, mais umas levadas, mais uma escalada, mais um abastecimento. Anoitece. Os kms passam agora mais devagar. Tenho já bolhas na parte exterior dos calcanhares s o raio da mochila a chatear. Devia ter ficado com os Fuji Elite até final? Devia ter protegido os calcanhares? 

Km 90 oiço falar pela primeira vez num alerta amarelo de chuva para a noite. Fico um pouco preocupado e despacho-me. Vou falando com quem conhece os trilhos nos abastecimento e começo a perceber que não vai ser possível fazer menos de 24h. Segue-se uma grande descida até ao próximo abastecimento. Recupero algum tempo mas cada vez mais a mochila me assa as costas. No Km 96 parece que está quase mas na verdade falttam 20Km. Têm uma embalagem de Halibut e barram-me generosamente as costas. Vai anoitecer e mesmo antes de sair vejo o Angelo que me diz para esperar por ele. Já não o via desde a nossa viagem a Cavals del Vent. Fixe! Companhia de novo.

O Angelo estava um pouco em baixo. Tinha tido dificuldades mais atrás, muito cansaço, mas agora estava a sentir-se melhor. Lá fomos puxando um pelo outro. Ora puxas tu, ora puxo eu. Pusémos a conversa em dia. Já íamos numa zona de trilho de floresta há imenso tempo, o nevoeiro vai-se instalando e dificulta a progressão. O meu frontal começa a ficar sem pilhas e tento seguir só com o do Angelo mas o trilho era demasiado apertado, perigoso para correr naquelas condições e como o abastecimento nunca mais chegava ainda temos de parar e pego no frontal de substituição. Logo troco as pilhas ao outro no abastecimento.      

Faltava agora apenas transpor o ultimo obstáculo; o monte que daria acesso a Machico lá em baixo. Como é normal a olhar para um gráfico de altimetria, desvalorizamos os montículos pequenos. Mas depois no terreno a conversa é outra.

Eram apenas 300m a descer e 300m a subir. Os 300m a descer de algum perigosidade e os 300m a seguir.... vamos ver o que nos espera.

Seguíamos nós pelo estradão no meio do nevoeiro a tentar perceber onde começava a descida perigosa, uma moça segue sozinha estrada fora. Susana!!! Eh miúda. Está quase. Estava na fase alucinante. Ainda bem que vos vejo, estava-me a passar, agora não vos largo, façam o que têm a fazer que eu vou atrás, aqui é que não fico. Ok vamos embora. Começa  a descida, escorregadia, terra, a meio um pequeno posto de controlo. Falta muito? Não, é já ali, descem mais um pouco. Treta. Íamos descer e descer, enfim, o normal, 300m, o que é que queríamos?
Às tantas diz-me o Angelo, já não sei daquela moça, ficou para trás. Oopps, deixa ela é rija, ela vai ao ritmo dela. Desculpa Susana mas a cabeça só já queria livrar-se da prova.

Entroncamos na subida e que subida. Dureza mas também nevoeiro a dificultar a progressão. Pior que tudo sabia que era um morro para subir e descer do outro lado, mas que lado? Com tanto nevoeiro já não se sabe para que lado é lado. Jà subimos tudo? A resposta era dada por um novo lote de degraus verticais. Ainda há forças para passar um ou outro companheiro. Levo o frontal numa mão em baixo para evitar o encadeamento provocado pelo nevoeiro. É uma grande ajuda mas perco uma mão. A outra mão na alça da mochila alivia a mochila a roçar nas costas. As bolhas nos pés sempre a dar sinal, felizmente são de lado e não me impedem de progredir. Mas o trilho ali complicas-se, muito calhau para saltar, preciso de usar as mãos constantemente. 

Depois de quase me espetar contra o marco geodésico percebo que agora só resta descer. O que não melhora em nada a progressão. Entre escorregar e saltar calhaus não sobra nada. Ouve-se musica ao longe. Primeiros sinais de Machico? Vou sonhando com as hipóteses para justificar a musica. Sonhava com um miradouro ali perto e depois uma estradinha que nos levasse até lá abaixo.... faltavam descer 600m. Quando vejo Machico pela primeira vez... dureza até lá abaixo, quais estradinha.

Cheirava a meta mas ainda faltava penar um bocado até lá chegar. O Angelo tinha ficado atrás de um companheiro espanhol que passei e seguiu atrás dele a pensar que era eu. Eu seguia sozinho. Ultimo abastecimento a meio da descida. O Ricardo estava lá e diz-me que espera se eu não demorar muito. Muito? Vamos embora que quero chegar. O Angelo também chega entretanto a queixar-se que vinha atrás do espanhol a pensar que era eu e só começou a estranhar quando falava com ele e ele não lhe respondia. LOL!

Descemos juntos mas já vou a gerir as dores todas por ali abaixo. Uma de cada vez se fazem favor. Amaldiçoamos a organização que nos faz andar ali às voltinhas em vez de nos deixar descer a estrada a 4"/km.

Vamos lá tentar acabar ainda nas 24 horas. No final dos últimos degraus vejo a Dora à minha espera. YEESSS!!! Tá feito o MIUT. A meta estava tristonha, parecia que tínhamos chegado depois da festa acabar. E tínhamos claro. Mas foi o que se pôde arranjar. 

Depois de reabastecer algumas imperiais e tentar mastigar uns nacos de carne foi só subir ao quarto, tomar um merecido banho e aterrar na cama. 

O que fica depois da poeira assentar e de destilar um fantástico "day after" de relax total? 

- Organização irrepreensível ao nível do melhor que já vi. Centenas de voluntários distribuídos em abastecimentos, postos de controlo, locais de passagem, quase impossível perdermo-nos. Levava o track no relógio e não olhei para ele uma única vez. É desfrutar do percurso pois para além das marcações excelentes, em todos os locais em que é preciso mudar de direcção, quase sempre estava alguém.
- Paisagens únicas no mundo. E estou a falar a sério. Laurissilva lembram-se? Esta ilha é uma coisa impressionante. É um previlégio poder atravessar a ilha a correr e passar em locais maravilhosos, de uma beleza única.
- Abastecimentos impecáveis, simpatia e boa disposição de toda a gente. Informação sobre o ponto atual e o ponto seguinte. Altitude, desnível e Kms. Boa comida também.
- A prova não é barata mas se pensarmos que é uma prova de nível mundial, então só falta mesmo um patrocinador de renome para a coisa ficar equiparada às grandes provas por esse mundo. Nesse escalão, que é onde ela merece estar, é uma prova até acessível.
- Dizer de novo e não é pouco. Esta prova merece fazer parte do circuito mundial das grandes provas. Não falta nada, pelo menos o principal está lá.

O que se podia melhorar? 

Só coisas subjectivas mas aqui fica o que acho que pode ser melhor:

- A medalha é muito bonita e o tempo gravado é um espetáculo à parte. Mesmo assim preferia um colete de finisher. Posso usar mais vezes para fazer pirraça aos amigos, levar para eventos. Só isso faz logo nascer uma conversa do MIUT, logo mais visibilidade para vocês. A medalha é bonita mas guardo aqui por casa depois enferruja, fica feia e fico triste.
- A refeição final era uma excelente intenção mas à hora que cheguei, e até nem cheguei tarde, não funciona. Tudo frio, rijo e impossível de deglutir. Talvez a malta da tarde tenha outra opinião mas para quem chegou à noite e durante a noite, esqueçam. Talvez coisas que não se transformem em solas e que suportem melhor o calor que também era pouco.
- O traçado final é um pouco exigente para quem fez 100Km de uma grande dureza. Mas atribuo grande parte dessa dureza às minha debilidades finais e embora tenha dito cobras e lagartos quando cheguei, enfim. Se estamos a descer é porque estamos a descer e escorrega, se estamos a subir é porque é duro, se é plano é preciso correr e estamos exaustos. Fica a opinião do que senti na altura. Não sei se a prova precisa de ter 115Km com  15Km finais  para fazer 300m D+ de grande dureza.


Nada disto teve muita importância a comparar com o monumento que é a vossa prova. Muitos parabéns. Que grande evento aí têm. Creio que é fácil concordar que é o melhor Ultra Trail nacional e seguramente um dos melhores do mundo. 

Amigos antes de irem a correr inscrever-se já sabem. TREINEM que a coisa é dura. Esta não é uma boa prova para se estrearem nos 100Km mas é uma prova fundamental que vos ficará para sempre na memória como uma das melhores senão mesmo a melhor prova em que participaram.

Por fim não posso terminar esta crónica sem dar os parabéns à minha Trailer favorita que me encheu de orgulho pela forma como abraçou esta viagem e por ter, em boa hora, decidido participar. Obrigado também à Maria Azevedo pelo seu gesto que possibilitou a participação da Dora. Obrigado a todos os amigos que passaram estes fantásticos dias connosco, foi uma viagem inesquecível. 

Termino como comecei, ou muito parecido:

"Chama-se MIUT o ultra trail na Madeira que é obrigatório, pelo menos uma vez na vida, para todo o amante de trail adulto, desde que este disponha dos meios económicos e goze de saúde in Runbook de um gajo que mudou de vida"

Talvez por ser o menos importante quase me esquecia de referir a minha classificação. Partiram 189 atletas para os 115Km, terminaram 128. Fiquei em 50º com 24h58m13s, 5º do escalão M45.
A classificação pode ser consultada neste link. Agora sim está terminado o MIUT!
 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

MIUT - A Meca do Trail em Portugal




"Chama-se Hajj a peregrinação a Meca que é obrigatória, pelo menos uma vez na vida, para todo o muçulmano adulto, desde que este disponha dos meios económicos e goze de saúde in Wikipedia"

O MIUT surgiu-me na agenda no final de 2013. Já me tinha comprometido em ir fazer a Trans Gran Canaria mas uma série de colegas meus começou a dizer que ia à Madeira. Que raio, e agora? 1 mês e meio depois de fazer 125Km na Gran Canária, será que dá para fazer 115 na Madeira? Claro que estas perguntas surgem a meses dos eventos, creio que em Outubro tratámos de tudo para a Canaria e em Novembro para a Madeira. Eu já sabia que se podia fazer uma prova de 100Km 1 mês depois de uma de 100 milhas quando fiz a Cavals del Vent 1 mês depois do UTMB, portanto fisicamente se calhar dava…

O resto foi fácil. A Easyjet a ajudar com bilhetes a 25€ por viagem, o hotel em Machico com um preço excelente no booking, o facto de não conhecer a Madeira versão queijo suíço e o resto da família a não conhecer a Madeira de todo, tudo junto deu no que deu. Bute ao MIUT!

E fomos. Nas mais variadas formas e formatos. Uns antes, outros depois, uns mais em grupo, outros mais em família, outros mais a solo. Sem grandes combinações, cartões e talões lá fomos ao sabor do momento. Uns para o Funchal, outros para Machico, uns com carro, outros de táxi, cada um à sua maneira desfrutou daquela ilha como pôde. E foram dias bem passados que tivemos. Entre passeios e ponchas que iam e vinham ao sabor de quem aparecia na altura, a hora da verdade chegou.



Fisicamente estava bem. Após recuperar do primeiro cansaço da Trans Gran Canária percebi que estava bem. O raio daquela ilha tinha-me deixado mais forte. Embora sentisse o peso de uma prova de mais de 130Km e quase 8000 D+, percebi que a aposta deveria ser em treinos curtos e muito específicos. Nada de canseiras longas, massacres de horas. Totalmente desnecessários. O MIUT exigia 2 coisas. Descanso, recuperação e preparar para subir degraus. Muitos degraus. Disseram-me durante a prova e parece-me realista, que o MIUT tem 6Km de degraus. Se calhar peca por pouco.


 A única preocupação era uma dor na parte lateral exterior do pé esquerdo, principalmente quando dobrava o pé para trás. O Alberto Chaíça deu umas dicas quanto ao que poderia justificar a dôr, bem como ao que deveria fazer para resolver o problema.

Preparação sem grandes inovações foi só repetir a formula vencedora da Gran Canária. A experiência dá-nos o conforto de já sabermos o que vamos precisar e o que vamos prescindir. E aqui tenho de abrir o primeiro parêntesis sobre o tema “o que vamos prescindir”.


O tema é bastões e a proibição de levar os bastões na bagagem de cabine. Embora não seja permitido levar bastões na cabine esta proibição está longe de ser coerente. Por exemplo um senhor à minha frente na verificação de bagagens passou com um bastão na mão que foi explicitamente aprovado pelos seguranças. No meu caso levava os bastões desmontados dentro de várias malas, porque não cabiam montados, e o segurança embirrou com uma das secções devido a um espigão que faz parte do mecanismo de aperto. Reparem, não foi com o bico do bastão. Foi o mecanismo de aperto que ele diligentemente desmontou. Aberta a mala e investigada a potencial arma foi-me comunicado que não poderia levar comigo tal objecto.
Pouco importava as outras 4 secções que acabaram por seguir nas outras malas, pouco importava o outro individuo que levava um bastão na mão e logo mais duas secções com perigosos espigões prontos a assassinar hospedeiras. Consciente desde o início que era eu que não estava a cumprir com o regulamento ofereci gentilmente aquele perigoso objecto ao segurança e segui viagem. Obviamente a parte importante foi que sempre tive consciência que se fosse apanhado teria de estar preparado para ficar sem os meus velhinhos bastões da decathlon já todos a desfazerem-se. Portanto era só dar seguimento ao plano B, fazer o MIUT sem bastões. Por um lado este era um objectivo que me agradava atingir, uma experiência interessante de realizar. Talvez não o tivesse feito voluntariamente, mas quantas vezes na vida somos empurrados pelas circunstâncias para situações adversas? Mais um teste? É para fazer esta porra sem bastões? Ok, bora lá a ver se não faço!



Foto by Pedro Lizardo
Com o dever de missão que tem de se ter nestas alturas lá fomos no autocarro até Porto Moniz. Grande grupo de amigos, grande ambiente. A galhofa ajudou a passar aquele tempo fazendo esquecer a ansiedade e afastando pensamentos desnecessários.

Embora me tentassem intimidar “O quê? Tu vais fazer o MIUT pela primeira vez sem bastões? Tás doido?” não me abalaram a convicção “Opá isto é peaners! Isso dos bastões é um mito. Arrastar umas varas de chapa a tilintar durante 115Km. Arranjem mas é um kit de pernas” 
É só mudar o chip :)

Em Porto Moniz o tempo estava óptimo. Já desde a tarde que as nuvens tinham desaparecido dos cumes das montanhas e havia apenas nuvens a alta altitude, desanuviando assim um pouco o ambiente. Muitas caras cerradas, muitos amigos, muita apreensão, muito nervosismo. Eu? Eu estava apenas noutra ilha, um pouco mais a Norte da anterior. Era outra vez meia noite. Estava de novo rodeado de um bando de malucos com roupa flurescente e varas nas mãos. O Simões estava lá outra vez. O Trindade também. Que enorme déjá vu!

Sabia que era preciso ir devagar até ao km 33km e isso agrada-me porque ir devagar é o que sei fazer melhor.

Para abrir a pestana levamos logo com um brutal pendente. Porto Moniz a ficar pequenino lá em baixo e a gente aos esses e aos zês estrada acima. Rapidamente se regressa ao nível do mar para tornar a subir ainda por estradas e vilas, mas rapidamente entramos na famosa floresta Laurissilva. Não fazia ideia o que era uma floresta Laurissilva. Pensava que era uma zona a quem deram um nome como tantas outras. Mas não. Devo ter faltado a estas aulas de biologia ou já fundi os neurónios onde guardava esta informação (o mais provável). 
Zonas de floresta Laurissilva na Madeira
A floresta Laurissilva é o nome dado a um tipo de floresta húmida subtropical, composta maioritariamente por árvores da família das lauráceas e endémico da Macaronésia, região formada pelos arquipélagos da Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde. Uma floresta de há 20 milhões de anos. Uaaauuu! Leiam mais neste link


Percurso do MIUT 2014
Como a ilha da Madeira é onde existe o maior e mais bem preservado núcleo desta floresta, a mesma faz parte da reduzida lista de património da humanidade em território português. Saibam tudo sobre este património fabuloso neste link da Unesco. Sim amigos. Porque isto também é trail. Não é só não estragarmos a natureza, é sabermos o que temos de proteger e porquê. Somos uns privilegiados por podermos percorrer estas maravilhas da natureza que esperaram milhões de anos por nós. Temos de fazer tudo ao nosso alcance para que durem no mínimo outros tantos milhões de anos.

E deixem que vos diga que este é um dos fabulosos encantos desta prova. A floresta Laurissilva é brutal. A vegetação diferente da que estamos habituados, a densidade do arvoredo, o nível de humidade o facto de parecer que estamos constantemente numa floresta tropical a somar aos brutais declives vales e gargantas, por vezes ficamos a pensar que vai surgir um dinossauro a qualquer momento e comer o atleta da frente. Um T-Rex! Não espera, esse pessoal extinguiu-se há 60 milhões de anos. Não é desta história.

Depois de subirmos 800m a floresta prossegue agora num trilho falso plano que sobe lentamente. Vou trocando algumas palavras com o companheiro da frente que me diz que agora são 30 minutos de corrida num trilho de uma beleza indescritível que apenas se adivinha dado que a luz dos frontais não permite mais do que isso. Levada à esquerda precipício à direita, ninguém quer ultrapassar ninguém. Somos talvez uns 10 num pequeno comboio cuja preocupação é manter um ritmo constante. Excelente piso. Corremos mais rápido que a água da levada. Ninguem esboça a mínima vontade de ultrapassar ou ir embora. Parece que comunicamos mentalmente entre todos e o processo apenas é interrompido aqui ou ali por um aviso de pedra ou tronco. O trilho é uma maravilha.

85Km
115Km
Nova subida em floresta até ao primeiro abastecimento, grandes degraus, alguma lama, subida constante. O ritmo segue animado. Sinto-me bem. Vou passando alguns companheiros, tento não me deixar adormecer atrás de ninguém e manter o meu ritmo, prudente mas determinado. Estava avisado para a perigosidade da descida que lá vinha. Abastecimento rápido, nada me falta, muito cedo ainda. Logo após o abastecimento separamo-nos novamente do pessoal dos 85Km. Vamos descer 900m, eles ficam lá por cima. A grande diferença da nossa prova para a dos 85Km é que enquanto eles vão progredindo sempre a uma altitude razoável nós estamos sempre a vir cá abaixo e a voltar lá acima.
85Km sobreposto 115Km
A sobreposição não é perfeita devido a diferentes escalas e não é simples esticar os dois gráficos de forma a fazer coincidir as zonas comuns. Mas façam mentalmente o encaixe e constatem o que vos referi.

Vem a tal descida que o companheiro madeirense me tinha avisado. Muita humidade no chão, degraus de pedra com musgo. Nevoeiro. Vital escolher cada local para pôr os pés. Mas como se mal se via o chão. Sou ultrapassado por um companheiro e aproveito o seu ritmo para acelerar um pouco e tento não o largar mais. O nevoeiro desaparece com a descida e consigo acompanhar o seu ritmo a descer. Quando finalmente saímos da floresta estamos nos 300m e no 2º abastecimento. Simpatia!

Seguimos e esperava-nos um dos maiores berbicachos da prova. 1200m verticais de subida contínua e violenta. Estava avisado pelo tal madeirense. A subida mais dura da prova. Pensei, boa, pelo menos é logo no princípio. Tinha estimado 2 horas a subir. Um grupo de malta animada dava-nos força para a subida. E que subida senhores. Pela primeira vez em Portugal senti o poder do UTMB nesta subida. Pendente brutal. Subida em zês a lembrar o UTAT mas com uma grande vantagem, o piso era fofinho, pelo menos a comparar com a pedreira do UTAT. Consigo manter um ritmo forte e sigo ultrapassando pessoal. Talvez tenha passado cerca de 6 companheiros ou mais. Lembro-me de passar pelo Luis Ferreira, trocámos breves palavras mas naquelas alturas o cérebro está focado numa única tarefa.

Depois de vencer o colo a 1500m iríamos andar por ali uns tempos até retornamos novamente aos 1500m. Zona corrível, estradões, relva fofinha e de repente vejo alguém que me parecia a Susana. Era a Susuna. Boa! Ainda não estou a alucinar. Estava na fase enjoada, mal disposta, tento puxar um pouco por ela mas rapidamente percebo que ela não quer pressão e sigo. “Vai lá andando que eu vou correr aqui um pouco atrás de ti”.

Depois de alguma monotonia de subida em estradão onde agora só ultrapassava malta dos 85Km chego ao CP3. Arrepio-me sempre quando depois das provas vejo o tempo que demorei face ao tempo que estimei quando desenhei mentalmente os ritmos. Tinha estimado que demoraria 6h até ao CP3 que fechava às 8. Demorei 5h57m. Uauuu!

A partir daí a prova iria mudar e vocês vão perceber porquê na segunda parte. Basta seguirem este link