domingo, 1 de dezembro de 2013

I Trail Transfronteiriço de Barrancos - Pernas para que vos quero


Já há uns tempos que não escrevia sobre provas. Sem nenhuma razão especial. Uma das coisas boas de não se ser profissional é que não há compromissos. Não se ganha nada com isso portanto ide chatear o Camões, que a mim não me pagam para escrever. Mas tal como por vezes não apetece, por vezes apetece. E desta vez apetece-me escrever sobre a prova do Ico e sobre o facto de ter conseguido levar à sua terra umas valentes centenas de amigos. 

Não é fácil ir a Barrancos. Não foi à toa que eles mataram lá os touros décadas a fio sem ninguém passar grande bilhete ao assunto. Não há nenhum motivo adicional para ir a Barrancos para além de ir a Barrancos. Alguns sítios ficam a caminho de outros sítios. Outros ainda ficam no já agora. Barrancos não. Só dá Barrancos em Barrancos. Pode-se passar para Espanha mas do lado de lá a coisa não é muito diferente. É uma zona onde a terra e tudo o que a ela está ligado ainda está no centro da vida das pessoas. Talvez por esse motivo a natureza permaneça também ainda tão genuína, assim como as tradições e o apego das suas gentes. 

Gosto de ir a Barrancos. Já lá tinha ido uma vez fazer um treino com um grupo de amigos e fiquei fascinado com os locais por onde andámos. Como alentejano fiquei um pouco surpreendido com aquele Alentejo, cheio de... barrancos. Por isso não podia deixar de estar presente e assistir à concretização deste sonho do Ico Bossa. 

Em Barrancos encontrei tudo aquilo que prezo cada vez mais na corrida e sobretudo nos trilhos, trail ou como lhe quiserem chamar: os amigos, a hospitalidade, a boa comida e bebida, a natureza genuinamente preservada, e correr pelos montes e vales. E é de correr que esta prova é feita. Não tem nenhuma dificuldade adicional para além de terem de correr praticamente todo o percurso. Se conseguirem claro. 

Depois de uma noite no pavilhão gimnodesportivo da vila, em que estranhamente dormi bem, graças à roupa quentinha e aos tampões da 3M é certo, lá seguimos para a partida. Um compasso de espera pela partida às 10h, um pouco tarde mas compreende-se a intenção de dar tempo a quem optou por vir de mais longe logo no dia da prova. Afinal Barrancos fica longe de tudo, lembram-se?

Depois de umas subidas iniciais em torno da vila para aquecer do frio que se fazia sentir, o traçado leva-nos num sobe e desce de barrancos sem fim até entrarmos em Espanha. 
A entrada é virtual porque não se faz a mínima ideia onde acaba uma coisa e começa outra. Tive de perguntar a uns bombeiros se já estávamos em Espanha, e já estávamos. Haja fôlego para a sequência sem fim de subidas seguida de descidas até chegarmos a uma zona que alterna entre trilhos mais apertados e estradões com mais ou menos pedra que nos vão a pouco e pouco encaminhando para o nosso objectivo espanhol. Encinasola, uma espécie de vila gémea de Barrancos, mas apenas pela sua localização recôndita porque do pouco que deu para perceber da breve travessia que fizemos da mesma as semelhanças ficam por aí. 
Como em muitos (diria todos) outros casos o desenvolvimento é notoriamente superior do lado de lá da fronteira. O problema é genérico e antigo e não vale a pena estragar agora a conversa. De Encinasola regressa-se por um enorme estradão com muitos e muitos Kms de paisagens tipicamente alentejanas. Um pouco mais ondulante apenas. 

Quando se acaba o estradão estamos perto da ribeira do Murtega e claro a água vai proporcionar belas paisagens bem como as margens proporcionam belos trilhos para correr. Resta-nos passar pelo Monte da Ponderosa para o abastecimento final antes de enfrentarmos as ultimas adversidades, leia-se, galgar o ultimo barranco, que nos levará definitivamente a Barrancos. 

No final um troféu bem original que deve ter deixado as crianças bem orgulhosas do seu trabalho e de saberem que os malucos que andaram por ali a correr levaram para casa as suas obras como troféu. 

E o que fica quando cai o pano nesta 1ª edição? Fica um belo fim de semana cheio de amigos. Muitos do lado de lá, a trabalharem para a gente se divertir, é verdade, mas ainda assim lá estavam. E acredito que também devem estar contentes por tudo ter corrido tão bem. 


Quanto a nós, e creio que falo por toda a nossa comitiva, eu o Luis e o Zé, enchemos o papinho com esta viagem ao Alentejo profundo, primeiro de carro e depois a correr. No regresso juntámo-nos com a equipa vencedora da prova e seguimos a grande sugestão do Álvaro, ir comer à Adega Velha em Mourão. E que bela ideia para encerrar esta viagem. Um cozido de grão tão saboroso e genuíno como toda aquele local que parece preservado no tempo há décadas e décadas. Sem dúvida mais um dos pontos altos desta bela viagem. O Alentejo é um espectáculo!



Obrigado amigo Ico! Até à próxima. Obrigado amigos por um belo fim de semana!

Nesta ligação podem ver todas as fotos de Barrancos e nesta ligação as fotos do jantar na Adega Velha.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Fast Wing - Compacto e leve




Nem sempre precisamos de um casaco à prova de tudo e mais umas botas. Os casacos impermeáveis e respiráveis são fundamentais quando corremos o risco de poder enfrentar uma tempestade, sobretudo na montanha. Mas embora algumas provas os exijam dada a imprevisibilidade do tempo e a duração das mesmas, a verdade é que nos treinos do dia a dia ou em provas mais curtas um casaco impermeável estará sobre dimensionado. 


Ou compram um modelo de topo de uma boa marca ou então um bom casaco impermeável será sempre mais pesado, mais volumoso, e por mais que o tecido tenha alguma respirabilidade, será sempre muito mais quente que um simples corta vento. É o que acontece com o meu actual impermeável, o Ronhill Vizion Storm. Ocupa algum volume e não é super leve. Claro que também não custa o mesmo que um casaco de topo...

Mas este Fast Wing da Salomon é uma excelente proposta. Com pouco mais de 100 gramas, arruma-se na sua própria bolsa e ocupa um volume que cabe na palma da mão. É mais do que suficiente para treinar em dias de mau tempo desde que não esteja a chover torrencialmente. Protege do vento e irá conferir algum nível de protecção contra chuva fraca ou de curta duração. Claro que não é o casaco ideal para suportar mau tempo em alta montanha, sobretudo numa prova em que poderão passar horas seguidas debaixo de chuva intensa.

Mas é o companheiro ideal para ir na mochila naqueles treinos longos em que não se sabe se vai chover. O capuz com um sistema de elástico dispensa o habitual cordão de ajuste. Mantem-se no lugar mesmo com vento. As mangas prendem-se nos polegares para evitar que subam pelos braços e confere assim maior protecção. O bolso do peito permite passar o cabo de uns headphones pode dentro. Assim pode-se levar o mp3 convenientemente no bolso do casaco sem ter de passar o cabo pelo fecho. Se assim fosse, com alguma chuva, corria-se o risco de a água entrar escorrendo pelo cabo.

Quando se veste fica-se com a sensação de que mal se vestiu alguma coisa, tal a sua leveza. Os unicos pontos que melhorava neste corta vento têm a ver com o facto de se poder guardar no bolso do próprio casaco. Dá a sensação que o casaco não foi pensado para se guardar no bolso. Isto porque o fecho do bolso não é reversível e fica difícil de manobrar quando se guarda o casaco no bolso e se fecha o mesmo. Seguindo esta ideia de guardar o casaco no seu próprio bolso falta um elástico para prender à cintura ou mesmo no punho ou no braço. Mas estes são aspectos pouco relevantes porque mesmo que esta característica não estivesse pensada é perfeitamente possível de a usar.

Este é portanto o meu casaco de eleição a não ser que tenha de ir treinar debaixo de chuva intensa ou que vá para um ultra trail com previsão de chuva ou que a organização obrigue à utilização de um casaco impermeável.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Salomon Sense Mantra – Minimalismo q.b.

Muitas vezes pedem-me opiniões sobre ténis, marcas, modelos, etc. Acontece que só gosto de dar opiniões sobre coisas que conheço e uso ou usei. Só assim gosto de escrever algo sobre o equipamento. Porque para escrever umas larachas e fazer copy paste de press releases das marcas, ou fazer de megafone dos departamentos de marketing das empresas, ainda por cima sem lucrar nada com isso, não contem comigo. Não tenho nada contra quem o faça. Simplesmente não tenho motivação para perder tempo e sentar-me a escrever sobre o tema. Gosto de transmitir a minha opinião, mas para isso tenho de a formar. E para formar uma opinião de uns ténis nos meus pezinhos de princesa a coisa demora.

Antes de mais um disclamer. Estes ténis foram-me oferecidos no âmbito do programa Salomon Field Testers. O meu compromisso era testar e contar-vos a minha opinião. Até os devolvia após o teste mas não me parece que uns ténis seja algo que se devolva depois de testar. Cheios de ácaros e fungos…. Isto não é bem um Suunto Ambit J

Assim sendo vamos então à opinião. Estes Sense Mantra têm por base a ideia que menos é mais. Menos amortecimento é mais. Sente-se mais o trilho mantendo um bom isolamento do piso. Menos peso, com 270 gramas, sem serem uns LAB são ainda assim uma peninha leve. Um piso pouco agressivo mas ainda assim com uma excelente aderência, diria mesmo, em piso seco, surpreendente.

Assim são os Sense Mantra. Encaixados na gama "De casa aos trilhos" têm uma filosofia mista. Cheguei a fazer provas de estrada com eles, são uma espécie de slicks de trail. 
Depois de nos surpreendermos com a sua leveza, ao calçar reparamos logo na manga interna que envolve o peito do pé. A primeira opinião é "o que é isto?", mas depois de se calçar percebe-se o conforto acrescido. 

Quando se sai para o trilho a sensação é minimalista. São frescos, macios, quase uma luva. O baixo salto e desnível de apenas 6mm (16mm-10mm) recomenda uma passada mais apoiada na parte da frente do pé, que acaba por surgir naturalmente.

Já lhes pus umas boas centenas de kms em cima, fruto de serem tão confortáveis e de os usar frequentemente em treinos quer de estrada quer de trilhos. A resistência e durabilidade é a habitual que se encontra nos produtos da Salomon. A sola de baixo perfil permite sentir bem o trilho mas ainda assim o isolamento das irregularidades é perfeito e mantêm-se confortáveis mesmo após muitas horas em trilhos. 

Fiquei surpreendido na véspera da UTMB quando a Salomon nos convidou para uma conversa com o Miguel Heras. Conversa para aqui, equipamento para ali o Heras põe em cima da mesa os seus ténis de treino. Uns Sense Mantra todos afanados, como os meus. Obviamente fiquei curioso e o que ele dizia era exactamente o que eu achava também. Perguntei-lhe se ele achava que eram uns bons ténis para fazer a UTMB e disse-me que sim. Não parti com eles pois na altura ainda lhes tinha feito poucos Kms, mas saltaram para dentro do saco e em Champex-Lac saltaram para os meus pés, cabendo-lhes a enorme responsabilidade de me levarem até Chamonix, os ultimos 45km, sendo que o ultimo pico, Tête-aux-Vent era quase integralmente de pedra e seguramente o piso mais duro e massacrante de toda a prova. Portaram-se que nem o dono, uns heróis.

Não são obviamente uns ténis para todo o terreno. O baixo perfil irá comprometer a tracção em piso demasiado mole ou lamaçento onde um perfil agressivo irá ter muito maior tracção. Mas exceptuando essas condições são uma excelente aposta. E sobretudo são inovadores. Em piso húmido recomendo outras opções. Acho-os um pouco escorregadios, mas obviamente tem de haver compromissos e para aquilo que foram pensados são uma excelente aposta. 

Portanto não tenho o menor problema em recomendar estes Sense Mantra. Não serão para todos tal como não são para toda e qualquer prova nem todo e qualquer piso. Mas se procuram algo de novo com as excelentes características que referi experimentem calçar uns e sentirão de imediato que nunca experimentaram nada assim.


Vejam também na página do produto todos os detalhes bem como as tecnologias subjacentes aos Sense Mantra. Qualquer duvida ou questão disponham.

Bons treinos!

domingo, 6 de outubro de 2013

1ª Maratona de Lisboa Rock 'n' Roll


Está feita a 1ª Maratona de Lisboa da nova era. A era Rock 'n' Roll!

Antes que a máquina arrefeça aqui vão a quente algumas opiniões que valem o que valem. 

Gostei da prova. O dia estava maravilhoso, alguns queixaram-se do calor mas não achei assim taaaaanto calor. Estava um dia de final de Verão e só isso vale algum calor extra. Melhor que a porcaria de semana que tivemos aqui há uns dias. Isto ajudou a organização pois deu postais magníficos ao longo do estuário e do rio. Montes de gente na praia. Uma maravilha que deve ter deixado os estrangeiros que vieram fazer a prova a salivar por mais.

Os reabastecimentos, em termos de água estavam excelentes. Acho que a comida começou a aparecer um pouco tarde, mas água não faltou. E de um modo geral estavam bem. Gente em quantidade, bem geridos, sem falhas. 

A logística que desenhámos para chegar a Cascais funcionou sem espinhas. Falhámos o 1º comboio do plano, graças à imbecilidade da CP, mas o 2º não nos escapou. Aqui fica já uma nota negativa para a CP (e também para a organização) A estupidez de carregarem o cartão com uma viagem, e o funcionário ter de registar o dorsal numa aplicação é uma aberração. A mensagem foi mal transmitida, muita gente não sabia que tinha de ter um cartão Lisboa Viva, a CP deve ter chulado imensa gente a vender cartões a 50 cêntimos. Péssima imagem a irritar e chatear seguramente imensa gente. Um ponto muito negativo neste aspecto.

Nós chegámos em cima da hora depois de termos tido tempo para tudo, tomar café, ido à casa de banho, etc. etc. Partimos cá bem de trás, sem stress. Não tinha qualquer objectivo. 
Mas foi excelente porque fomos passando e encontrando resmas de amigos e companheiros, brincando com todos, fotografando os que conseguia, etc. Uma festa. Aqui cumpriu-se a festa que é uma maratona. Muita gente e muita galhofa e divertimento. Ao longo da prova encontrei alguns que não esperava, sinal que o pessoal ainda está a desmoer as férias...

Até ao Km 35 fui sempre a desfrutar e conseguia manter no mínimo os 4'50, com muitos Kms abaixo disso. Mas depois dos 35 as cãibras nos gémeos começaram a fazer estragos e tive de parar imensas vezes para alongar os gémeos. Felizmente depois de um curto alongamento conseguia prosseguir sem dores mais umas centenas de metros. Foi uma ponta final um pouco penosa em que estava a ver que a coisa ainda corria mal. Mas não me arrependo da prova que fiz. Enquanto pude tentei manter o ritmo e seguia confortável e sem grande esforço. Sinal que se tivesse feito uns treinos longos poderia ter feito algo na casa das 3h23-3h25. 3h29 foi o que se arranjou. Mesmo assim para quem não ia com qualquer objectivo que não fosse treinar um pouco para a maratona do Porto não foi mau.

Ainda tirei mais de 200 fotos que é a minha prenda para os felizes contemplados. Mais importante foi rever-vos, alguns há muito tempo que já não via. 

Agora as coisas que acho que devem ser alteradas. 

Que estupidez é aquela de darem uma cerveja sem álcool? Há explicação para oferecerem uma bebida que é uma imitação rasca de outra e que sabe a urinol? Que raio! O que tem na cabeça quem aceita estas coisas? Há que aprender com a Maratona do Porto e com inúmeras maratonas de Espanha. Cerveja é Cerveja. E depois de uma maratona não se nega uma ou mais cervejas a um maratonista seus broncos! 
Compreendo que muita gente não goste de cerveja, não tome alcool, ou não goste de beber cerveja depois de acabar uma maratona. Mas será que gostam de beber uma zurrapa que sabe a mijo de gato? Pura estupidez. 

Nota final negativa para a parte final do percurso. Aqueles 8 kms finais são um lixo. A paisagem é horrível, cheira mal e é um tédio sem fim. Nâo vejo qualquer razão para termos de acabar no Parque das Nações. A zona não tem qualquer beleza. Um matagal de prédios e um empedrado manhoso. Nem sequer desfrutamos de qualquer zona mais nobre. Sai-se da zona que cheira mal e entra-se numa selva de betão, seguida de empedrado e acaba-se numa coisa chamada pavilhão de Portugal que retrata perfeitamente o país: não serve para nada e está abandonado, provavelmente não tem futuro e só espero que um dia a pala não caia e haja uma tragédia. 

Não estou a dizer mal do Parque das Nações, essa zona ex-libris tão adorada por muitos e que tem coisas muito interessantes do ponto de vista de zona residencial. Mas para acabar uma Maratona? Bof!

Era muito mais interessante partirmos do Parque das Nações, sempre podiam mostrar a coisa, fazermos aqueles 1ºs Kms sem grande interesse, despacharmos a zona do fedor e irmos em crescendo acabar em Cascais que é uma zona muito mais bonita, com a sua baía, para terminar. Para além de que as melhores paisagens estão na parte final. Num dia como o de hoje até um banho se arranjava. Era ouro sobre azul. Jà se imaginaram aqui a fazerem uma crioterapia depois da maratona? Uns mergulhos valentes. Isto sim era uma mega prova!!!!

Fica a ideia. Eu da minha parte estou um bocado farto daquela avenida fedorenta e provavelmente não voltarei a fazer uma prova com este percurso final.

Por fim mas não menos importante a hora da partida. Aqui toda a gente está de acordo. Uma maratona a partir às 10 da manhã? Que sentido tem isto? É para fazer penar ainda mais o pessoal? Não foi seguramente pela falta de transportes já que havia 3 comboios perfeitamente compatíveis (7h, 7h30 e 8h) para garantir uma partida às 9. Que piada tem completar a prova principal do evento e a banda principal já ter acabado? Que lógica tem os atletas de topo da maratona terem de andar a atropelar e a desviarem-se de quem está a fazer a meia maratona? E polícias histéricos a gritarem com quem pagou para fazer a prova "saiam da frente, desviem-se" Tudo estúpido a insultar as pessoas que pagaram para poder fazer a sua prova. Tudo erros crassos perfeitamente evitáveis se tivéssemos partido 1 hora mais cedo. Os atletas de topo chegariam ao mesmo tempo ou mesmo antes dos atletas de topo da meia. Não havia histerismos. A maior parte das pessoas tinha assistido ao concerto dos Xutos. Tínhamos feito uma maratona mais fresca. Tudo tinha terminado 1 hora mais cedo. Enfim.... coisas que só a organização compreende...

Deixo o link para as fotos que tirei durante a Maratona. Um abraço especial a todos os que se estrearam na Maratona. Já escolheram a próxima?

Ah! E tenho alguma pena de dizer isto mas a Maratona do Porto continua a ser melhor que a de Lisboa. É preciso reconhecer o que é evidente. E é evidente que o percurso do Porto é muito bonito, não tem uma parte final fedorenta, acaba no Parque da Cidade e não no meio de prédios, tem cerveja a sério à descrição, e a organização arranja uns autocarros a 10€ que nos levam e trazem para baixo.

Por tudo isto eu digo: se só puder fazer uma maratona em Portugal vai ser a do Porto. 

Bibó Porto Carago! (mas não extravasem, é só a cidade do Porto e a sua maratona, mai nada!!! :)

domingo, 29 de setembro de 2013

Cavalls Del Vent - Selvagem e Dura




A Célia esmifrava o Punto, "isto não anda". A estrada semi via rápida encaracolava e serpenteava pelos montes, os túneis sucediam-se, "quantos já passámos? 4? quantos faltam? mais 2?". Facilitámos na saída de Berga a 20Km de Bagà e stressávamos agora estrada fora. "que horas são?" "esquece, ninguém tem horas, vamos chegar a tempo"

Falhámos a saída para Bagà, providencialmente. Afinal havia outra, e com muito menos transito e muito mais perto da partida. Acabámos por chegar em cima da hora. Quase 10 para as 7, fruto da hora espanhola, ainda noite cerrada. Um simpático senhor da organização guia-nos pelas escadarias e ruelas medievais até à meta, contente por saber que éramos portugueses. "Tienes tiempo, tranquilo" E tranquilos fomos à conversa.

Chegámos à praça da partida. Encurralados naquela praça rodeada de arcadas mais de 1000 trailers com o nervoso miudinho. Grande ambiente. Alguns minutos nos separam da partida. Continuo tranquilo. Sei o que são 6500m de desnível positivo, e sei que esta prova é muito dura. Espero algo do género do UTAT que tem um desnível positivo semelhante, talvez apenas com um terreno pior. Sei que estou bem melhor do que há 1 ano, no UTAT mas carrego ainda às costas os 168 Kms do Mont Blanc há 3 semanas. Será que o descanso foi suficiente? Seja como for esta é uma prova para desfrutar e esquecer tempos. Não levava cábulas, a Célia deu-me uma cópia da dela mas acabei por esquecê-la no quarto. O dorsal tem o perfil impresso de cabeça para baixo o que nos permite consultá-lo durante a prova. Há-de chegar. A estratégia passa apenas por seguir o tipo da frente ou as fitas se for sozinho. 

Na viagem perdemo-nos do Marco, do Peixoto e do Ângelo. Mas pouco importava, aquele pessoal é de outro campeonato e rapidamente me perderia deles após a partida.

A multidão está ao rubro e a musica começa. Era o que faltava para aquela atmosfera. The Gael - O Tema do ultimo dos Moicanos. Arrepiante. O tema dá alguma solenidade ao momento e ecoa por aquelas casas de pedra. O ambiente fica algo pesado com o aproximar do momento inevitável e aguardado por todos.

Embora fosse noite a ameaçar nascer o dia, optei por partir sem frontal. Se fosse preciso naqueles primeiros Kms apanhava boleia de quem optou por levar o frontal aceso. Iríamos estar muito juntos naqueles primeiros momentos. Ainda por cima esperava-nos uma subida enorme logo após a partida até ao ponto mais alto da prova. Sempre a subir.

É dada a partida e é a debandada. Vila abaixo lá seguimos pelas ruelas de pedra da vila. Passamos na zona da meta e rapidamente começamos a subir sem descanso. Bagà está a 786m e o primeiro abastecimento era aos 8Km já com mais de 1600m de altitude. Depois para compôr o ramalhete subiríamos aos 2520, o Ninho da Águia.

Na subida encontro o Paulo Paredes e seguimos juntos. Ele ia com um bom ritmo e eu também me estava a sentir muito bem. O sol nasce e pouco a pouco vai subindo e começa a aquecer as zonas mais altas. Só por volta dos 2000m começámos a sentir o seu poder. E bastante falta estava a fazer dado que parti de t-shirt e quanto mais subíamos mais expostos ao vento estávamos.

A subida brutal na fase final. Grandes encostas repletas de erva. Paisagens lindíssimas com o sol a iluminar até onde a vista alcançava. Que dia lindo que nos esperava. O piso oferecia quase uma escadaria natural. Só já quase no topo surge o cascalho numa altitude onde já pouca coisa cresce por ali.



No Ninho da Águia a prioridade era não arrefecer. O vento soprava com força e ali estavam poucos graus. Como pouco, o caldo Aneto que nos havia de acompanhar ao longo de toda a prova, estava quase frio. Visto o corta vento pois vamos descer. Pensava que ia arrefecer mas ao descer a encosta ficámos abrigados do vento e rapidamente voltámos a subir. O sol obriga logo a mudar de opinião e rapidamente tiro o corta vento.

Neste ponto do percurso seguimos por bosques e florestas, ora subindo ora descendo, mesmo assim é a parte mais simples do percurso. Piso com poucas pedras, uma ou outra descida mais técnica. Às tantas uma forte descida, sempre debaixo de muitas árvores e estamos quase a chegar ao abastecimento dos 28Km. Numa ultima subida para alcançar o abastecimento vou agradecendo o apoio de quem está por ali a dar-nos força com 'Obrigado'.
Optava por Obrigado porque os tipos são catalães e não gostam muito de castelhano. Depois não sei dizer Obrigado em catalão. E por fim não sou castelhano nem catalão. Ninguem percebe o que eu estou a dizer e estranho que o tipo da frente se volte para trás quando digo Obrigado. Só podia ser português. Era o Marco, a prova para ele tinha acabado. Ia tentar desistir ali já que nem em todos os PC's se pode abandonar. Uma forte dor na anca que já há uns tempos o massacra acabou por cumprir o que ele já sabia que ia acontecer.


Não perdemos muito tempo e seguimos. Vinha aí uma subida e depois a parte nova da prova. Uma enorme descida, o abastecimento da muda de roupa e de novo voltar a subir e retomar o traçado antigo. A prova ia ter mais 18Km este ano passando dos 82Kms para os 100Kms. O abatecimento está em Bellver ao Km 38. Muito cedo para 100Km mas dado que o percurso é extremamente isolado só passando em refúgios este local tem todas as condições para o efeito. Não será fácil encontrarem outro ponto sem mexerem no traçado original. Mas é de facto muito cedo.

A descida correu bem. Um pouco penosa ao princípio mas o piso era bom e consegui correr quase sempre até Bellver. Alimento-me bem. refaço a mochila metendo os itens que seriam obrigatórios após as 17h. Na véspera a organização decidiu reduzir a lista de itens obrigatórios e alguns passaram a ser obrigatórios apenas para quem fosse fazer menos de 10h de prova. Um pouco ridículo pois ninguém iria fazer menos de 10h....Enfim...
Estava a ultimar os preparativos quando chega o Paulo. Decido esperar por ele. Bem melhor fazer a prova com companhia, pouco me importava o tempo. Saio com 2 problemas. A biqueira da minha sapatilha direita estava a descolar-se mas já pouco podia fazer, já íamos a subir.O outro problema era mais bicudo: 2 bolhas que fiz em Mont Blanc na lateral exterior dos calcanhares e que não tratei devidamente pois imaginei que 3 semanas resolveriam o problema, estavam de novo a encher. Não era uma zona muito dolorosa mas a subir chateava. Para já apenas a esquerda.

A subida era gigantesca, não muito inclinada a princípio, mas em 14Km muita coisa há para acontecer. Subíamos à conversa mas perto do abastecimento as coisas começam a aquecer e o Paulo precisa de parar um pouco para descansar. Sigo e fico de esperar por ele no abastecimento dos 47Km, a 6km do topo e a 11km do próximo. A subida cada vez mais penosa. Chego ao abastecimento despacho-me rapidamente e quando estou a pensar o que hei-de fazer o Paulo chega completamente exausto e senta-se no chão. Diz-me para seguir que ele precisa de repousar um pouco e assim faço. Estava entregue aos catalães novamente.

Continuo a subir e no cimo segue-se pela orla da montanha contornando e passando o colo bastante mais à frente. Cruzo-me com soldados num exercício. Em vez de bastões trazem metralhadoras. Cool!
O piso aqui era do piorio. Pedra e mais pedra, cascalho e mais pedra. Na descida continuamos a contornar a montanha. Só já penso em chegar ao abastecimento dos 58Km e tratar o raio da bolha do pé esquerdo. Cada vez chateia mais. A paisagem é brutal, mas tanto calhau obrigam a uma atenção redobrada e pouco se desfruta para se tentar correr qualquer coisa.


Às tantas um sinal de perigo, já tinha visto alguns antes. Assinalavam zonas onde era preciso redobrar os cuidados e a atenção. O que seria desta vez? O terreno não fazia antever qualquer dificuldade. E não tinha a ver com o terreno. Depois de uma curva, vedado com fita, um cavalo jaz morto. Já em adiantado estado de putrefacção que um buraco enorme na barriga deixa adivinhar. O interior já tinha marchado todo...
Aquela raça de cavalos produz uns bichos gigantescos. Se o Hulk andasse a cavalo bastava pintar um daqueles de verde. De facto quando um trambolho daqueles morre ali, sem estradas e quase sem trilho, quem leva dali a coisa? O melhor mesmo é deixar apodrecer e que a bicharada alivie a carga primeiro.



Enfim o Km 58 e o reabastecimento de Prat d'Aguiló. Mais um abrigo de montanha. Tirando a excepção de Bellver íamos de abrigo em abrigo. Como, bebo, reabasteço e uma médica simpática esvazia a bolha, corta um pouco a pele e desinfecta tudo com betadine. Gaze, tapa e já está. A do pé direito não me chateia tanto e não quero perder mais tempo. Viria a pagar com juros mais tarde....

Depois deste abastecimento iríamos suibr de novo, bem forte, até quase aos 2400. O ultimo pico acima dos 2000m. Nesta subida comecei a sentir alguma falta de força. Ainda passei toda a gente que estava a subir à minha frente, mas a factura acumulava. Jà não me consegui afastar mais e seguia na frente mas com o pessoal a morder-me os calcanhares.

No topo um grupo bem animado dava-nos as boas vindas e fomos brindados com um magnífico pôr do sol. A noite caiu com a descida. Era hora de ligar o frontal. A descida que começou por ser de pedra, transformou-se em prados de erva e por fim desaguámos num estradão que serpenteava por um vale abaixo. Bom para acelerar para quem ainda tivesse pernas e sobretudo pés para isso.

A noite tornava a paisagem monótona e só a lua, cheia há 2 noites, reflectia aqui ou ali, por vezes parecendo que algum frontal iluminava uma rocha mais acesa. As descidas já eram penosas, os pés já muito massacrados do piso, a bolha esquerda lá ia dando sinal do tratamento e a direita de não ter sido tratada. Novo refúgio, nova descida técnica. Passam por mim, frescos que nem alfaces. Lá vou gerindo a descida e as dores nos pés. A sucessão de refúgios, subidas e descidas repetia-se. Estava a ser a parte mais penosa. Era um acumular de tudo um pouco. O piso, os pés, as subidas já com as pernas a fraquejar, e no final ainda faltava uma de 800m D+. A subida aos S's montanha acima cruza-se 5 ou 6 vezes com um riacho que desce. Às vezes atravessa-se aos saltos de pedra em pedra, outras em escalada com os bastões a atrapalharem e as mãos a serem poucas para tanta pedra. Só já a vontade de acabar me levava montanha acima, exausto, com companheiros a passarem por mim como se estivesse parado. Mas a subida teve um fim e o abastecimento de St. Jordi lá chegou. Mal parei. 88Km. Faltavam 12Km. Faltava descer um pouco, subir outro pouco, e descer até à meta.

Se a princípio achava que a coisa se fazia em 19h, com os precalços que tive e as forças que se iam acabando rapidamente já tinha desistido dessa ideia e caído na real. Toda aquela parte final tinha imensa pedra solta e mesmo na descida final era calhau a fartar que juntamente com a forte inclinação não permitia grande velocidade. Mas lá ia ensaiando uma corrida aqui e ali sempre que o piso o permitia.

Quando por fim o piso começa a melhorar e entroncamos no alcatrão desato a correr com outro companheiro que não mais larguei até ao fim. Na parte final sabemos que estamos muito perto mas naquele vale não há pinga de vestígio de Bagà. Só depois de nos meterem novamente num bosque começamos a vislumbrar a aproximação à vila.

A meta estava relativamente calma, afinal eram 4h30 em Espanha e apenas alguns membros da organização e amigos e familiares de atletas ainda em prova aguardavam a sua chegada.


Depois de festejar comigo próprio, fui comer e tratar da bolha do pé direito. Depois de andar quase 1 hora às voltas em Bagà para dar com o carro lá consegui ir ao hotel tomar banho e dormir um pouco enquanto a Célia não chegava.

No quarto o Peixoto pôs-me ao corrente da prova de todos os portugueses, dos tempos, de tudo o que tinha acontecido enquanto estive em prova.

No rescaldo fica um fim de semana fabuloso. Não dá para fazer muitas loucuras destas mas era capaz de me habituar a apanhar aviões e ir com amigos fazer trails por esse mundo fora. Foi um fim de semana fantástico, tudo o que planeámos correu às mil maravilhas e ainda deu para conhecer novos amigos e companheiros amantes da montanha.

Apenas a TAP conseguiu estragar o mais simples e cancelou uma série de voos para Lisboa, incluindo o nosso. Acabaram por nos conseguir trazer numa espelunca voadora com uma tripulação de maduros e dificilmente me tornam a sacar dinheiro. Se é para não cumprirem os níveis de serviço, falharem refeições e darem-nos secas monumentais, então prefiro pagar menos e voar em aviões bem melhores.

A prova é muito boa, com um dia inteiro passado naquele parque natural nos pré-Pirenéus ainda com bastante vegetação, bosques e florestas. Uma prova que é feita quase totalmente sem passar por povoações. Este novo traçado inclui 18km atípicos e que nada têm a ver com o restante traçado. O tempo estava seco e excelente. Com chuva e mau tempo é uma prova totalmente diferente devido a toda a pedra que apanhamos pelo caminho.

A organização é de grande nível. Bons abastecimentos mas que se podiam completar com alguns itens ou variar um pouco mais.

Foi um pouco agressivo ir fazer estes 100Km apenas 3 semanas depois dos 168Km do Mont Blanc mas há oportunidades na vida que, se forem ignoradas, dificilmente se voltam a repetir. No final o saldo foi muito positivo. Não houve mazelas, o corpo aguentou a pastilha e fiquei a conhecer mais uma prova mítica daquelas aqui relativamente perto de nós.

Agradeço à minha família que desta vez não esteve presente fisicamente e ficou em casa a acompanhar a coisa à distância. É também graças a eles que encontro forças para superar as adversidades que se atravessem no caminho.

Agradeço também à Salomon por me ter disponibilizado o dorsal o que motivou a minha participação nesta fantástica prova.

Fica-me a faltar a Transvulcânia que é a outra prova do circuito Salomon Nature Trails e a julgar pelo exemplo será uma prova de grande nível com paisagens brutais e também extremamente selvagem e plena de natureza. Temos tempo...

Podem ver as restantes fotos neste album do facebook

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Ultra Trail do Mont Blanc (UTMB) - 168 Km para sonhar (3ª parte)

(voltar à 2ª parte)

O Paulo faz-me companhia pelas ruas de Courmayeur até ao início da subida, quando ainda dentro da vila a estrada começa a empinar a sério. Seguimos à conversa. Ele já conhece praticamente todo o traçado dali para a frente dado que fez a CCC o ano passado. A CCC é uma versão mais curta da UTMB que parte precisamente de Courmayeur e que faz praticamente os últimos 100 Km da UTMB. 
Lá me foi explicando o que me esperava nesta 2ª fase. Que a subida era espectacular e que tinha gostado muito de a fazer, que lá de cima ia ver Courmayuer e depois era um planalto enorme ali aos 2000m. Claro que ele viu e sentiu o percurso de uma forma totalmente diferente. Já tinha passado um ano e temos tendência a só nos lembrarmos das boas sensações. Por outro lado a CCC começa ali, eu já trazia quase 80 Km de prova com uma noite sem dormir.

Mas dei o devido desconto e meti mãos à obra. É para subir? Toca a subir. Embora estivesse frio o ritmo da subida rapidamente me fez tirar e guardar o casaco. Seguíamos ainda por alcatrão a sair da cidade, as ultimas vivendas italianas muito pitorescas faziam-nos companhia. A cidade acordava lentamente e as pessoas iniciavam as suas rotinas de fim de semana. Courmayeur fica encostada ao Monte Branco no final de um vale, como se não houvesse mais saída. Dir-se-ia uma réplica de Chamonix. Depois de se subir o monte percebe-se a orografia do terreno e o percurso que vamos fazer. Vamos seguir por uma montanha paralela ao Monte Branco e separada por um vale glaciar lá em baixo. Esta parte do percurso irá proporcionar paisagens deslumbrantes. Mas para apreciar toda esta beleza ainda era preciso subir a tal montanha.

Rapidamente se acaba o alcatrão. Ainda está algum frio e o facto de ter tirado o casaco deixou-me um pouco desconfortável. O dia estava lindo e o sol já se anunciava, mas apenas nos cumes das montanhas. Nós íamos subir e o sol ia descer. Rapidamente iríamos estar ao sol a aquecer portanto era mais simples suportar algum frio. O trilho sobe floresta acima com uma enorme inclinação. Imensa gente quer a subir, quer a descer, com mochilas maiores, enormes, sem mochilas, é o paraíso das caminhadas por ali. A subida é tão dura como bonito é o trilho. Socalcos e degraus, a subir por uma floresta. De vez em quando pelo meio das árvores começa-se a ver Courmayeur lá em baixo. Anseio pelo momento que o Paulo referiu em que se ia ter uma vista fantástica de Courmayeur no vale. É sinal que se chegou ao cimo do monte.


E por fim a fabulosa vista e a respectiva fotografia de Courmayeur cá em baixo, 800m de altitude depois. Ainda bem que não tenho vertigens. Estas tiradas de 800-1000m de cada vez fazem cá uma mossa que eu não vos digo nada. Fiquei feliz de chegar ao topo. Pouco mais de 4Km desde lá de baixo e quase 1 foi vertical . 1h30 de ascensão. Boa! 

Rapidamente começo a procurar o refúgio. Será aquele casinhoto? Nah. Mais uma pequena escalada e o Refuge Bertonne surge lá no alto. Percebo o Bertonne. Que paisagem arrasadora. Magnífico! 

Encontro o Luis Nunes que estava com problemas intestinais. Hidrato-me bem. Já vinha cheio de sede. O sol ali em cima já ia bem alto e o calor anunciado já se fazia sentir. Uma coisa muito bem vinda na UTMB é a frescura da água. Em todos os abastecimentos há água a fartar. Não só de garrafa como de torneiras, fontes, bicas. Geladinha. Uma maravilha. 
Dali para o refúgio Bonatti iam ser 7Km sem grande desnível. Trilhos um pouco irregulares mas perfeitamente corríveis. Tentei correr o mais possível embora começasse a ser penoso correr continuamente. Os pés começavam a acusar algum massacre e a ficar doridos. Passava alguns companheiros mais lentos mas aqui também havia muita gente em melhores condições do que eu para correr. Começo a sentir algum desconforto nos pés, vou precisar de fazer uma manutenção no próximo abastecimento. Normalmente se não intervenho nesta fase e insisto, é bolha certa. Felizmente o Refuge Bonatti estava perto. 
Durante esta parte do percurso íamos sendo agraciados com uma vista fabulosa da parede sul do maciço central do Monte Branco. Separados por um vale galciar imenso, aquela imensa parede parecia um quadro vivo que ia mudando sempre que me ocorria apreciá-la. Ora com mais neve, ora mais verde, ora de rocha. Que deslumbramento. Lá em baixo no vale começava-se a vislumbrar uma estrada, algumas casas. Seria Arnuva?

Escusado será dizer que não éramos os unicos a usar aquele trilho àquela hora. Uma quantidade enorme de gente andava para lá e para cá. Grupos de malta, mais ou menos determinados, mais ou menos carregados, mais ou menos enganados, com mochilas, com biclas, de tudo um pouco se ia encontrando pelo caminho. A regra era aplaudirem-nos ou desejarem "bon courage". Os japoneses são os que mais me impressionam na forma de mostrarem respeito e aplaudirem o nosso esforço. A sua leve vénia e as palmas em sussurro são desconcertantemente genuínas.



Alguém pergunta a um jovem que se cruza connosco se falta muito para o Refuge Bonatti. Ele aponta para um chalet lá no alto (tudo fica lá no alto, por ali) e diz que são 5 minutos, a subir claro. É uma outra versão do Alentejo em que é tudo já ali.

  


Depois de chegarmos percebe-se porque o Bonatti fez o Refuge no alto. Já não lhe chegava estar a 2000m, subir mais aquele bocadinho de encosta ainda permite uma melhor visão do tal postal vivo que se avista do outro lado do vale. Vou-vos poupar a mais adjectivos, vão lá verificar. Refresco-me, recarrego com água fresquinha e fico um pouco por ali. Estou a acusar algum cansaço. Os pés a doerem-me começam logo a desmoralizar-me. Descalço-me, faço uma já necessária limpeza dos ténis para tirar pedras e terra, as meias estavam imundas, limpo tudo o melhor possível, ponho um pouco de NOK nas zonas que me estavam a doer mais e calço tudo de novo. Melhorei substancialmente. E também já me sentia com mais energia. Meto conversa com uns espanhóis que estavam a falar dos próximos Kms do percurso. Eu vou completamente às cegas. Tinha feito um mapa todo pipas, desdobrável, mas não impermeabilizei. Foi à ultima da hora. Meti na tal bolsa impermeável do dorsal com o telémovel.... bela treta. Logo em Contamines entreguei aquilo tudo a desfazer-se à Dora e pedi-lhe para secar... e meti o telemóvel num saco de plástico. Raios parta o material da treta.


Mas não é nada que me preocupe não saber bem o percurso. A ideia é gerir o esforço e fazer uma prova sem stress. Afinal é a minha primeira 100 milhas. Sei lá o que isto vai dar. Mais vale chegar folgado que morrer a meio. E em cada abastecimento está bem explícito o cartaz com o que se segue até ao próximo. Um boneco com o desnível e a distância. Obrigatório diria eu. Ao invés de se deixar esse tipo de informação ao cuidado de quem nem sabe bem do que está a falar. E depois a malta sempre a perguntar, quanto falta para o próximo? Sobe ou desce? Etc.

Já com mais ânimo ataco o resto do percurso até Arnuva. Íamos seguir um pouco mais no mesmo perfil e cota que nos tinha trazido até ali, até descermos de forma abrupta para Arnuva lá em baixo no vale. Aí estaria um bom abastecimento antes de atacarmos o ponto mais alto da prova, Grand Col Ferret.


A descida muito inclinada fez mossa. Os pés a doer. Era meio dia, o sol estava forte e esperava-me mais uma violenta subida de 800m. Não tinha muita fome, apenas sede. Estava sem energia. Depois de reabastecer bem, incluindo o saco de água, um tipo pergunta ao voluntário que me estava a ajudar como fazia para desistir. Ele lá lhe explicou mas tentou fazer-lhe ver que o pior já estava, que já tinha vindo até ali, que não devia desistir. Mas o rapaz mandou-o às urtigas. A decisão estava tomada. Não procurava aprovação. Safa, que mau astral... felizmente não sou dessas coisas. 

Saco às costas e começo a escalar. Que raio se passa aqui? Mal consigo subir. Isto está mesmo mal. Que violência. Fico a pensar no outro tipo que desistiu lá em baixo. Olha do que ele se safou. Morria aqui já o gajo. Paro e perante o queixume geral e a dificuldade em progredir um companheiro informa-nos que aquele bocadinho ali é o de maior inclinação da prova. Ahhhh! Ok! Ainda não tinha parado para descansar em nenhuma subida da prova. Safa! Aproveito e meto um Coup de Fouet da Overstims. É um gel tipo bomba. Recomeço a subir e ou a inclinação melhorou ou o gel é mesmo bom. Acho que foram as 2 coisas. Já não parei mais até ao topo. E foi subir a bom subir. De dia vêem-se as formiguinhas coloridas montanha acima espalhadas pela encosta. Não conseguimos parar de imaginar o que ainda vamos sofrer para nos transformar-nos naquela formiga azul, e depois naquele pontinho onde já mal se nota a cor. Socorro!!! Concentra-te. Se calhar o melhor é subir, certo? Certo!

Ao longo da subida mais pessoal à civil anda por ali. Uns sobem, outros descem. Até deu para assistir a uma família a subir com os putos que diziam, ó pai já chega aqui, não? Não, vamos subir mais um pouco. Olha o teu avô ali em cima. Fez-me lembrar a anedota do puto que não queria ir para o Brasil, cala-te e continuar a nadar filho.



As subidas violentas têm algumas vantagens: não estamos a rebentar com os musculos todos da zona core, não estamos a dar cabo das articulações e não estamos a massacrar os pés. Também não sobra muito oxigénio para tarefas supérfluas, tipo, para que é que me meti nisto, estou um bocado cansado, etc. Resta apenas o sentido de missão, subir, subir e subir. E quanto mais depressa chegarmos ao topo mais depressa acaba o sofrimento.


E pouco mais de 1h30 depois estava conquistado o Grand Col Ferret. Depois ter ter perdido alguns lugares com a paragem mais prolongada no Refuge Bonatti (o único ponto onde perdi lugares durante toda a prova) estava de novo a recuperar posições e desde Arnuva já tinham ido mais de 60, estando agora já quebrada a barreira dos 900. Seguia em 898. Lá em cima a minha preocupação era agora a descida. Sabia que a descida era enorme. Sabia que íamos descer ao todo quase 21 Km. Uma brutalidade. O Sébastien Chaigneu e o Miguel Heras tinham falado nisto. Não é fácil ter um core poderoso que aguente com uma carga deste calibre sem sofrer muitos danos. E eu não tenho. Aliás, até há bem pouco tempo andei a sofrer com problemas na região abdominal. Estava apreensivo com a forma como iriam decorrer estes 21 Km, mesmo havendo o abastecimento de La Fouly pelo meio.

Por outro lado e por saber que não ia descer muito rápido, vejo uma nuvens por ali e tento antecipar algum arrefecimento. Vamos descer, entrar num vale, vai escurecer mais cedo. Paro e visto o casaco. Mas aqui enganei-me. O calor não nos abandona. Além disso estamos a descer, a temperatura vai subindo. Paro de novo e tento guardar o casaco para o ter mais à mão, não é agora é daqui a bocado. Ainda andei para ali com o raio do casaco às voltas 2 ou 3 vezes. Às vezes queremos simplificar e só complicamos. 

A descida lá se ia gerindo. Às tantas apercebo-me que já entrámos na Suiça. Primeiro pouco ou nada mudou. As pedras, as árvores e as montanhas não têm nacionalidade, mas aos poucos lá se começam a perceber algumas diferenças. O pessoal das quintas começa a ter barbas e faces mais rosadinhas e a parecer o avôzinho da Heidi. Depois as aldeias e as casas. Depois as bandeirinhas e as alusões explícitas.

Só já queria chegar a La Fouly e ao reabastecimento. Estava um pouco mal tratado. Já ia naquela fase do dói-me tudo, tou cheio de bolhas, socorro, sei lá. O raio do abastecimento nunca mais. Sabia que era numa vila mas nunca mais havia meio de abandonar aquela cota alta onde andávamos a contornar a montanha. Viam-se várias vilas ao longo do vale e eu tentava que fosse aquela, ou então a outra, ou então pronto, está bem, a lá do fundo. Já estava por tudo. Quando por fim começamos a descer para o vale era um misto de felicidade com sofrimento.  

La Fouly atinge-se por estrada, mesmo no meio da vila. Procuro o meu team, mas nada. O abastecimento estava calmo e muita gente estava cá fora à espera numa rotunda. Ninguém veio ter comigo, mau sinal. Era um abastecimento sem apoio, mas um pouco de conversa e de apoio moral ninguém me tirava. Ou tirava? Penso que devem estar a chegar. Vou comendo umas sandochas de queijo e de chouriço ou que raio era aquilo. Já não aguento mais aquela sopa salgada. Faço uma nova limpeza dos ténis, descalço-me, etc. E não aparece ninguém. Pego no telemóvel, sem mensagens, tento enviar um SMS a perguntar onde andam e vejo que estou sem rede. Que raio??!!? Sem rede? Estamos numa vila. É impossível. Faço um reboot à porcaria do telefone. Nada. A rede não quer nada comigo. Olho em volta. Uns espanhóis falam alegremente ao telemóvel. Que porcaria. Provavelmente tinham-me enviado um SMS a dizer que não iam estar ali por algum motivo. Não posso perder mais tempo. Sigo viagem ainda à espera que algum autocarro com eles fosse chegar a qualquer instante. Bahh! Siga. Em Champex vão estar de certeza. Espero...

Estive em La Fouly 38 minutos, e aqui passei as 24h de prova. Talvez me tivesse demorado menos tempo se eles aqui estivessem. Sem saber porque não apareciam fiz um bocado de tempo a pensar que ainda iam aparecer. Na realidade não tinham conseguido apanhar o autocarro de Champex para ali e ficaram à minha espera em Champex. Se soubesse isso na altura... Mesmo com todo este tempo a mais ainda consegui subir mais 10 lugares na tabela. 

14Km nos separavam de Champex O percurso até Champex consisitia basicamente em continuar vale abaixo numa descida por vezes ingreme mas sempre em piso bastante aceitável que incluía até alcatrão e passagem por dentro de vilas e aldeamentos ou zonas residenciais. Esta parte foi, como não podia deixar de ser, de uma beleza impar. 


Uma calma imensa abateu-se sobre todo aquele vale. O sol ainda vai alto mas no fundo do vale o dia acaba mais cedo. Passamos por pequenas aldeias e urbanizações que fazem jus à beleza Suíça. Encostas gigantes todas relvadas, casinhas de madeira, crianças a brincar por ali, famílias a passear. Tudo idílico. Só apetecia parar e desfrutar também daquela paz. 

Às tantas 1 pequerrote vem ter comigo e pergunta-me o que é que eu queria beber. Respondo-lhe água e imediatamente dá a ordem para o mini posto de reabastecimento mais à frente que eu queria água. Quando chego perto da mesa 3 ou 4 mini voluntários estavam muito atarefados no seu mini reabastecimento particular. Mesinha montada com umas coca colas, copos, águas… uma ternura. Bebo a minha água, agradeço e afasto-me enquanto observo os miúdos completamente absorvidos com a sua brincadeira à séria. 

Descemos pela urbanização e passamos por uma aldeia. Casas mais tradicionais agora. A lenha cirurgicamente arrumada nos alpendres e por vezes forrando de alto a baixo a parede das casas indica que ali já estão prontos para o Inverno. Sempre a descer até nos esquecemos das dores com aquela paisagem. Em breve se iriam acabar as facilidades. Num café da aldeia metiam-se connosco e antecipavam-nos a subida que lá vinha. E veio. Saímos da estrada principal e começamos a subir uma encosta. Floresta cerrada. Sabia que umas centenas de metros acima havia uma cidade com um enorme lago, Champex. Esperava que lá estivesse a minha equipa. Nem punha outra hipótese.
  
O trilho era impecável, ou não estivéssemos na Suiça. Embora estivéssemos no meio de uma floresta em plena encosta, nos cruzamentos de outros trilhos as placas indicavam tudo o que era preciso saber. Os nomes das localidades, as distâncias e tempo da viagem. Cruzávamo-nos frequentemente com várias pessoas, a treinar ou simplesmente a caminhar e íamos confirmando a distância em falta, como se isso aliviasse o nosso esforço. A subida para variar era muito inclinada e não permitia mais que uma passada vigorosa, por vezes apenas uma passada. Não havia meio de perceber como havia aquilo de ir dar a uma cidade com um lago. 
Estávamos a subir uma encosta tão íngreme, não se vislumbrava o final da subida. Mas de repente e sem aviso saímos da floresta cerrada para uma estrada e começam-se a ver carros, chocalhos, gente a aplaudir. Mais um pico estava vencido e cheirava a abastecimento. O dia aproximava-se agora do final. A Dora e a Margarida vêm ter comigo, o Paulo surge logo de seguida com a bandeira de Portugal. Que felicidade. Também por poder falar com alguém. Seguimos juntos até ao abastecimento. A Mónica fotografa no meio do pessoal que aplaude.

O abastecimento de Champex era gigantesco e estava cheio de gente. Mal conseguia lugar para estacionar o esqueleto. Este foi o abastecimento onde estive mais tempo. Com calma comi 2 belas pratadas de massa, esta sim estava muito boa. Pão com queijo, Cocal Cola, enchi bem o bandulho que a noite que aí vinha não ia ser fácil. Reforcei o stock de barras salgadas e doces. Troquei toda a roupa que trazia. 
Com a ajuda da Dora e da bandeira nacional, deitado no banco até as cuecas foram. Estava a meio deste processo, tapado com a única coisa que havia à mão, a bandeira nacional, a Dora ocupada a tentar trocar-me a roupa e a pôr creme, começo a cantar o hino para dar alguma solenidade ao momento delicado, diz o companheiro do lado divertido para a mulher dele, olha lá tu nunca me fizeste isto. Desatamos a rir e eu digo-lhe que basta uma bandeira e cantar a Marselhesa. Depois ficámos um pouco à conversa sobre Tête au Vent, o ultimo pico da prova, que também o preocupava um pouco. Dizia-me que nunca o tinha feito de noite, e que de dia era muito difícil. Quase todo em pedra, tinha de ser feito a saltar de pedra em pedra, trepar escadas e degraus, pedras e mais pedras… Fiquei avisado.

O serviço ali estava quase concluído. Trazia já bolhas na parte externa do calcanhar, um sítio que não protegi porque nunca fiz bolhas ali. Decido mudar de ténis para os Salomon Sense Mantra. O Heras não podia estar errado e como eram tão confortáveis, no máximo haviam de me aleijar em sítios diferentes dos Asics. Faltavam 45 Kms, haveria de conseguir resistir raios. Meto as meias novas, encho a zona das bolhas de NOK, calço os ténis, alivio tudo o que posso da mochila, deixando quase só o material obrigatório. Meto a mochila às costas e noto alguma diferença. Saio para ir ter com o resto do pessoal. Lá dentro só podia estar a Dora e um acompanhante que desta vez foi a Mónica. Fazemos uma mini festa e seguem comigo um pouco. O sol tinha-se posto e o frio atacava já em força. Fecho-me todo e sabe-me bem aquele calor. Normalmente saio dos abastecimentos cheio de frio. Mas ali estava todo seco, novinho em folha. Sabia que dentro de pouco tempo iria estar todo ensopado, fechado naquele calor. Mas estava a saber bem o momento, para variar.

Estou um pouco apreensivo com os 3 picos que resta vencer. 15 Km cada bicho daqueles, mais ou menos. A noite cai sobre Champex. Desejam-me boa sorte, dão-me ânimo. De facto está mesmo quase. Só precisava de vencer aqueles três picos. Vencer aquela noite. De manhã tudo estaria terminado, o sonho estaria concluído. Iria ter sono? Cansaço? Penso no pessoal que tem alucinações durante a noite e que luta contra o sono. Tinha tomado 2 comprimidos de Guaraná 1000mg, uma dica da Carmen Pires que levou para o Ehunmilak. Já tinha experimentado na nossa noite de treino Setúbal-Corroios e não sei se fez alguma coisa, sono não tive. Mas como foi apenas uma noite era difícil de tirar conclusões sofre a eficácia do Guaraná. Cada comprimido tem o equivalente a 2 cafés. 200mg de cafeína natural. O café não tem qualquer influência no meu metabolismo. Posso tomar uma bica e ir dormir descansado. Talvez 4 cafés ajudassem alguma coisa.

Sigo o meu caminho, o dever de missão é mais forte. Um ultimo adeus, um apertozito no coração e até já em Chamonix. 

A noite chega cada vez mais depressa. Atravessamos Champex sempre junto ao lago. Não sei se por ser quase de noite, se por ir tão virado para dentro de mim mesmo, nem apreciei bem a beleza daquele lago e da cidade. Os olhos pregados nos companheiros da frente. Depois de Champex começamos a descer. Sempre a descer. Até doía ter de descer tanto para a seguir voltar a subir. Toda a gente segue a passo floresta abaixo. 

Tínhamos já abandonado a estrada. Seguíamos em grupo em que alguns franceses iam à conversa. Até me estava a custar ir a andar naquele excelente piso a descer e mesmo indo ficar sozinho meto a correr. Devagarinho primeiro, mas a coisa lá aquece e suporto o ritmo. Fico sozinho e vou apanhando companheiros ao longo da descida. As marcações são excelentes e estamos sempre com uma à vista, pelo menos. Não há duvidas naquele estradão.

Sigo confortável até que abandonamos o estradão. A organização já tinha avisado há uns dias por mail que no cimo deste próximo pico, em Bovine, não ia ser possível ter o abastecimento de líquidos. Portanto deveríamos preparar-nos bem em Champex para 16Km sem qualquer tipo de abastecimento. Sem problemas aqui. De noite, com frio, as necessidades de hidratação são mais reduzidas. 

A história da subida repete-se: dureza e exaustão, coração aos saltos no peito. É apenas mais uma das muitas. Sem fim. Como a noite. Encosto numa fila enorme de zombies que se arrastam montanha acima. O cansaço é já muito e o pessoal encaixa no ritmo do líder seja ele qual fôr. Sinto uns companheiros colarem-se atrás de mim. Pressinto que querem ultrapassar e não estão contentes com o ritmo daquele pelotão. Também não estou. O trilho é apertado mas na primeira oportunidade começo a correr trilho acima. Ultrapasso 10 talvez 20 de uma só vez. Como iam quase parados foi rápido. Fico satisfeito com a minha prestação. Quem tinha encostado atrás de mim aproveitou e apanhou a boleia. Nem sempre é fácil passar a subir aqueles declives. Meto a passo para recuperar do esforço suplementar e pergunto se querem passar. Dizem que está bom assim. Sigo o meu ritmo rápido com eles atrás. Rapidamente deixamos para trás aquele pelotão. Eu vou contente a liderar o nosso mini pelotão. Subida acima sinto-me forte e admirado comigo mesmo. Repetimos aquela cena com vários pelotões até ao topo de Bovine. Entre arranques e recuperações e 2 ou 3 trocas de palavras com eles o topo de Bovine chegou. Tal como anunciado não havia abastecimento. Uma cidade enorme brilha 1000m abaixo de nós. Seria Trient? Espero que não. Era a pique até lá abaixo. Não era. Começamos a contornar a montanha. Chega a descida e aviso os meus companheiros que sou mais lento a descer e que devem passar, mas aparentemente continuam satisfeitos com a minha prestação. A descida é simples e a única dificuldade é suportar a inclinação e as dores inevitáveis a descer. Começamos a ser passados por alguns companheiros que são mais rápidos e temerários a descer. O grupo desfaz-se e faço os últimos Kms da descida já em modo solo, sem pressão. Grandes degraus na parte final até desembocarmos em Trient. Uma pacata aldeia de montanha muito animada com pessoal à espera de amigos e familiares. 

Não me demorei muito tempo em Trient. Sem apoio dos amigos, que só iria voltar em Vallorcine, rapidamente reponho os níveis e saio. Passaram 4 horas desde que saí de Champex. Aqui já navego a olhômetro. Só já sabia que faltava menos 1 pico. 2 picos para o final. 2 picos para o final. 2....

Uma das poucas coisas que falhou foi o carregamento do meu GPS. Aparentemente o carregador USB com 2 pilhas AA não tem potencia suficiente para carregar o Globalsat (aka Arival Spoq) com o mesmo em plena utilização. Nunca tinha testado este cenário e falhou. Tinha-o posto a carregar ao princípio da tarde e algures antes de Champex, depois de várias horas a carregar (menos do que o necessário)... apagou-se. Tadito. Não teve pedalada. Um ponto a rever para uma próxima 100 milhas. Ainda assim fez bem mais de 24 horas de registo. Portanto não tinha já quaisquer referências. 

Penúltimo pico, penúltimo pico!!! Oba!!! Oba!! Uma repetição do anterior, com noite cerrada é difícil avaliar as diferenças. Um pouco mais duro na subida, ou seria eu cada vez mais cansado também? A única coisa digna de registo, para além de não ter percebido bem o percurso que fizemos, foi o facto daquela encosta ser bem mais exposta e com o terreno bem mais húmido. Muitas ribeiras atravessam o trilho. Acho que não passámos nenhum colo. Apenas subimos e contornamos uma montanha antes de descer para Vallorcine. Na descida tento correr um pouco mas começo a ser traído por uma fragilidade dos Sense Mantra. O terreno húmido. Muito escorregadias em terreno húmido. Pudera, são de verão. O Heras esqueceu-se de me avisar, bandido. Ainda ensaio umas escorregadelas até compreender o que estava a acontecer. Redobro os cuidados nas partes húmidas do trilho. Descida final brutal para Vallorcine. Brutal para os meus pés já muito massacrados, claro. Em Vallorcine está o Paulo à minha espera, grande festa!!! Tento demorar pouco tempo no abastecimento.

Vou demorar apenas 3 horas desde que saí de Trient até que saí de Vallorcine. Vou com 34h30m de prova. Há imensos abastecimentos que não paro de subir na classificação. Do 880º em Champex já vou em 709º. Não tenho esta noção na prova. Vou encontrando algumas caras conhecidas aqui e ali ao longo da prova o que me dá a sensação que sigo mais ou menos num ritmo de coxo constante. Mesmo sem grande orientação começo a ter a sensação que vou fazer bem menos de 40 horas. Convenço-me que poderei mesmo ficar bem dentro das 38 horas, o que era fabuloso. Falta 1 pico.São 3h20 faltam 18 Km para a meta. Já sinto a glória e o cheiro a meta daqui deste abastecimento. Saio a correr com o Paulo e sou invadido por uma onda de frio. Estou gelado. Saímos a correr. Tenho de aquecer. Passamos alguns gajos que seguem a passo. Não paro, não posso parar, tenho de aquecer. Alguns minutos depois lá retomo o controlo da situação. O frio abandona-me. Que suplício. Vou mais um bocado com o Paulo e combinamos a chegada. Ele volta para trás e vai apanhar o autocarro. O Paulo está super feliz com a minha prova e fico super feliz por ele também. Até já amigo. Obrigado pelo teu apoio. Obrigado MESMO!!! Vou fazer este ultimo pico e daqui a pouco acabo com esta porra!!! ESTOU FARTO DE SUBIR!!! Falta uma, falta uma de quase 900 m. Que sabor agreste, melhor agridoce. Tão perto e tão longe ainda.

Falta a temerária Tête aux Vents. Fico sozinho de novo, entregue aos meus pensamentos. Nem me lembro que vamos a caminho das 4 da manhã. Em breve o dia iria começar a nascer. A noite estava consumada. Nem sinal de cansaço ou de alucinações. Sono nem vê-lo. O corpo alimentava-se de cansaço e adrenalina. Dou por mim a chegar perto da base da montanha que íamos transpor. Mesmo em plena noite a visão é assoladora. Uma parede gigantesca até onde a vista alcança, até onde o cume se funde com a noite, está à minha frente. A montanha é mágica. Parece uma árvore de Natal. A forma triangular... e está cheia de luzinhas de cima abaixo. Luzinhas que cintilam pela árvore acima. Dir-se-ia uma grinalda. Apagam e acendem. Tantas luzinhas. Tão lindas as luzinhas. Que magnífica foto que era com um tripé e uma máquina de jeito. Tento perceber até que altitude se vêem. Demasiado alto. Que visão atroz. Quem me dera estar lá no alto, no cimo da árvore. Mas não é possível. Vou ter de vencer aquele monstro final com as minhas pernas. 

Em breve iria perceber afinal o que dizia o meu amigo sobre saltar de pedra em pedra. E logo desde a base temos a resposta. Ao contrário de toda as outras montanhas aquela parece feita de pedra. A quantidade de pedra é terrível. Quase não sobra espaço para terra. Tudo é pedra, socalcos, degraus, subir a pique. Os bastões ajudam mas por vezes quase desequilibram. Nalguns locais o perigo é grande. Um desequilíbrio, uma escorregadela resultam no mínimo numa valente queda e na pior das hipóteses.... nem pensemos nisso. Triplico o esforço. Quadruplico a atenção. A ideia de algo correr mal naquela pedra toda não me vai abandonar tão cedo. Subo bem e passo alguns companheiros, mas vou já muito sozinho. Foi a subida mais penosa. A ideia de que algo ia correr mal tão perto do final matracava-me na cabeça e parecia um pesadelo acordado. Tudo somado era um esforço enorme. Quanto mais se subia mais havia para subir. Já não se conseguia ver a base da montanha mas continuavam-se a ver luzinhas pela encosta acima. E mesmo depois de chegar ao ponto mais alto o colo que tínhamos de vencer estava muito longe. No cimo começa-se a ter vontade para correr mas era tudo em pedras, aos saltos. Muito desgastante. Não vejo a hora de passar o colo. O que haveria do outro lado? Como seria a descida? Um estradão lindo até Chamonix? Claro que sim, claro que sim. Ainda antes do colo vou admirando a vista no horizonte. O Monte Branco ali à frente. A silhueta, pelo menos. De vez em quando uma ténue luz isolada no cimo da montanha do outro lado do vale. Quem anda ali? São 5 da manhã. Estes gajos são doidos!!! Nem a esta hora dão descanso à montanha? Que vício, senhores! Li algures que se pode acampar por ali desde que de manhã não haja qualquer tenda montada ou vestígio da mesma. Parece-me bem.

Passo o colo e a pistola encosta ao meu dorsal pela penultima vez. Quase 2h30m a subir de pedra em pedra. Mas agora era sempre a descer. O que nem sempre é bom. Penso na família e no Paulo. Devem estar a preparar as emoções. Só me falta descer. 5h45, faltam 10Km a descer, 37h15 de prova. Tudo iria depender do piso destes Kms finais. 

Felizmente na altura ia sem qualquer noção de horas e tempos. Só ia sabendo os Kms que faltavam. Assim não tinha outro stress que não fosse concentrar-me no terreno. E bem ia precisar. A vista era linda. Se antes do colo tinha tido os cumes do Monte Branco recortados num céu de pré-alvorada que faziam as delícias de qualquer um, daquele lado via-se todo o vale de Chamonix ainda com as luzes acesas e a noite como pano de fundo. Que espectáculo. A visibilidade era perfeita e avistavam-se kms e kms sem fim. Inesquecível associado à emoção cada vez maior do desafio estar vencido. 

A descida mostra logo o que tinha para dar. Pelo menos até ao ultimo ponto de abastecimento líquido em La Flégère. Era a mesma pedreira mas a descer. Raios. Mas já se sabia claro. Encosto num pelotão de pessoal. Lá vou gerindo os saltos de pedra em pedra como posso. O pelotão ia lento de mais, mas ao contrário das subidas, aqui não arrisco. Não vale a pena. O cansaço é muito, qualquer falha, qualquer escorregadela, qualquer pedra mais solta poderiam deitar tudo a perder. São apenas 3,5Km até La Flégère, pode ser que ali a coisa mude. Seguimos lentos. Mais companheiros se juntam atrás de mim. Todos devíamos ir a pensar no mesmo. Ninguém se afoita e seguimos em comboio quase até La Flégère. 

2 únicos pensamentos me acompanhavam. O de ir conseguir terminar o Ultra Trail do Mont Blanc e o de que algo poderia correr mal em qualquer desatenção e de não ir conseguir terminar o Ultra Trail do Mont Blanc. Morrer na praia em plena montanha, a 10Km da meta. Por uma parvoíce qualquer, atraiçoado por um calhau. Entre estes 2 pensamentos o dia vai clareando. Começa-se a perceber o posto de abastecimento em La Flégère. Uma tenda, o ultimo controlo do dorsal. Umas bebidas rápidas, não há muito mais a fazer por ali. Faltam 7Km mas também faltam descer 800m de altitute. 800m de altitude em 7km…. O cérebro ainda conseguia fazer contas. Uma inclinação de quase 11,5%... E eu a pensar num lindo estradão final ladeado por frondosas árvores que nos iriam guiar numa suave descida até Chamonix. Nada disso!

Vou com 38h08m em 680º. Já nem numa pista de atletismo eu faria aqueles 7Km em 50 minutos. Não o sabia naquela altura mas as 38h e tal já eram impossíveis. Claro que isso interessava tanto como a côr da camisola do tipo da frente. Nunca pensei que fosse possível fazer a prova em 38h. Era só outro sonho.

Depois de vencer um forte desnível lá começámos a provar a descida. Estradão largo de cascalho solto, inclinação brutal. Mal se consegue correr. Dói tudo. Insisto. Não dá para ir a andar. No meio de tanto cascalho há uma zona por onde todos tentam ir com menos meia dúzia de calhaus. É o massacre final. É preciso chegar aqui bem fresco para atacar aquela descida como ele merece ser tratada e não a gerir as dores. Resigno-me e sigo a fingir que corro enquanto travo a passada para não ir a rebolar até lá abaixo. Passo alguns companheiros que ainda vão a sofrer mais enquanto pessoal fresco que nem um pêro passa por mim como se estivesse parado.

Quando saímos do estradão e metemos por um trilho de caminhada que segue aos Zs montanha abaixo a coisa ainda agrava mais. Um misto de terra, cascalho, grandes pedras soltas e raízes de árvore no chão. Ponho as dores de parte e tento seguir o mais rápido que posso a ziguezaguear montanha abaixo, a escolher cada passada. Arrisco, começo a tropeçar. O cansaço já não me deixa levantar muito os pés. Tropeço constantemente, quase que vou ao chão uma vez, duas vezes, três vezes. Numa curva apertada derrapo e vou mesmo ao chão. 160 e tal Kms e acabo por cair. O aparato foi grande devido à inclinação e devido a ir a correr, mas as consequências foram nulas. Felizmente. Logo 2 ou 3 companheiros que seguem atrás de mim ajudam-me a levantar, perguntam se está tudo bem. Pusemos um enorme calhau no sítio onde estava. Quase que rebolava por cima de mim. Largo de novo a correr. Só meto a passo nos sítios em que o cascalho me magoa demasiado os pés já muito massacrados. Finalmente o piso começa gradualmente a melhorar. A inclinação mantém-se elevada e faz-me doer os abdominais correr com tanta inclinação. O ideal era desembestar por ali abaixo e não ir a travar. Mas que articulações suportavam isso nesta altura? As minhas não.

A descida aproxima-se do final. Acaba quase à entrada de Chamonix. Vejo o Paulo. Loucura total. A felicidade invade-me. A mim e a ele. Seguimos juntos. Faltam talvez 2 Km. Pergunto-lhe as horas para fazer umas contas. Mas já nem consigo fazer contas. O Paulo diz que fiz uma prova fantástica que estou muito bem. Vou ficar bem abaixo do tempo que tinha estimado. 
Sigo forte para a meta. Acelero e passo um companheiro japonês. Acelero mais para garantir que fica mesmo para trás. Seguimos a correr à conversa, talvez a 5m/Km. Estou um pouco cego pela emoção. Quero acabar depressa. Como se tudo aquilo fosse fechar e não esperassem por mim. Vejo a Dora, a Margarida, a Mónica e a Manuela. Festa. Falta um curva. Dizem-me para pegar na bandeira e não vejo a bandeira grande. Só vejo uma pequena na muleta da Manuela. Pego na muleta com a bandeira e sigo para a meta. Que final perfeito para um coxo. Cortar a meta com uma muleta com a bandeira nacional. Em grande!


Os amigos juntam-se comigo na meta. Fotos e mais fotos. A organização dá-me os parabéns e entrega-me o colete de finisher. Estou feliz da ponta das unhas negras ao ultimo dos cabelos. Todos os amigos festejam e celebram. A minha prova mais longa de sempre tinha chegado ao fim. Tinha concluído o UTMB. Um sonho que começou a 18 Janeiro com o resultado do sorteio e que acabou às 7h53 do dia 1 de Setembro em Chamonix. 39h22m32s depois estavam concluídos os 168 Km desta aventura. No princípio deste ano estava eu parado em fisioterapia com uma lesão no adutor e um desequilíbrio muscular na zona abdominal . Falhei provas, recuperei muito lentamente, preparei-me de forma deficiente. Sempre com receio de não recuperar a tempo, de não ter tempo de treinar o suficiente para este desafio.

Sinto um alívio enorme. Não me calo um bocadinho. Vou comer e beber umas cervejas para o reabastecimento. A alma transborda de felicidade. Sinto também a felicidade dos meus amigos por eu ter acabado bem. Pomos a conversa em dia. Há 2 dias que não falamos disto e daquilo. Eu conto aventuras, eles explicam como correu a prova do ponto de vista deles. Estou nas nuvens e só desço à terra quando começamos a dirigir-nos para o apartamento. Eram apenas uns 200m da meta ao apartamento, felizmente.

Depois de um sonhado banho, dormi um pouco de manhã. Mas o corpo embora cansado está ainda muito agitado. Acordei à hora de almoço sem ter dormido grande coisa. Um sono agitado apenas. Almoçámos e fomos gozar os últimos momentos daquela terra mágica. Todos merecíamos o preço algo exorbitante que era subir no teleférico aos 3842m de altitude. O dia estava bonito com uma nuvem ou outra. Lá fomos todos mais o meu colete de finisher passear. A cidade estava cheia de finishers e de coletes que se arrastavam de forma empenada. Foi com pena que nos tivemos de despedir daquele paraíso. Só o facto de irmos ainda ficar mais um dia em Genebra nos ajudou a suportar a hora da despedida.


 
Relativamente à prova pouco mais soube. A minha equipa tinha andado atarefada a seguir-me e também não estava informada. Tínhamos mais que fazer do que ligar à net e tentar perceber tudo o que tinha acontecido. Só depois a pouco e pouco fui percebendo, quem tinha ganho, quem tinha desistido, como tinha corrido a prova a um e a outro. Fiquei triste por muitos amigos terem desistido. O facto de estarmos 2 dias a correr impede-nos de perceber o que de facto aconteceu, como correu a prova de uma forma geral.

Só já em Portugal quando comecei a processar tudo o que se passou, os tempos que fiz, os lugares na classificação, só aí me dei conta que tinha feito uma excelente prova. Nunca me passaria pela cabeça que atrás de mim ainda vinham mais de 1000 companheiros. Era isso que significava o meu 672º lugar entre 1686 finishers e 2469 que partiram, 273º da minha categoria da qual partiram 986 e conseguiram acabar 655. Superei largamente a minha expectativa. Arrisquei um pouco ao fazer as minhas primeiras 100 milhas num evento desta dimensão. Mas tudo acabou bem e fiz muitas pessoas felizes e orgulhosas, a começar por mim.

Agora sei que podia ter dado um pouco mais de mim nalguns sítios onde me contive com medo de não ter energia no final. Na realidade fiz uma prova serena e sempre com algum receio do que ainda faltava. Mas provavelmente irei voltar para tirar isso a limpo… quem sabe….


Resta-me agradecer à minha família e aos meus amigos Paulo e Manuela. Foram uns dias magníficos que passámos. Sei que todos adoraram, não só a prova, que acaba por ser um pouco cansativa de seguir (na realidade mal dormiram também naquelas 2 noites), mas toda aquela semana que passámos juntos e que ficará para sempre registada na nossa memória.


Espero que este história vos tenha inspirado a perseguirem os vossos sonhos e objectivos. A encararem os vossos desafios sem medos. A serem determinados na conquista dos vossos picos. Um a seguir ao outro. Como no UTMB.

Obrigado também a todos os que seguiram e vibraram com a minha prova. Foi para vocês também que escrevi este relato. Para saberem o que esteve por detrás de cada post no facebook, de cada twit. Aos que correm, espero que um dia possam desfrutar desta ou de outra prova de igual calibre. Esta prova é única no mundo do trail. Não é a mais dura, longe disso, mas é sem qualquer dúvida a prova suprema do Trail. Pelo local, pela organização, pela quantidade de trailers de todo o mundo que participam, pelo ambiente, e por tantas e tantas coisas que a tornam única. Um verdadeiro sonho que vivemos.

Uma ultima palavra para os que estão a pensar fazer o UTMB e para os que não estão também. Esta não é uma prova para super atletas. Os super atletas são os que fazem menos de 30 horas. Esta é uma prova para atletas absolutamente normais. É uma prova para quem gosta de montanha e consegue tirar prazer de 40 horas a desfrutar de natureza. Qualquer pessoa que tenha adquirido os pontos mínimos para concorrer, e se tenha mantido em forma, consegue perfeitamente acabar esta prova. Reparem que eu fiquei a mais de 6 horas do tempo limite. Podia ter dormido 1 ou 2 horas, podia ter andado ainda mais, podia ter feito as subidas bem mais devagar. E ainda assim acabar bem dentro do tempo limite. Tal como todas as outras faz-se com 10% de preparação física e 90% de preparação psicológica. É difícil? Sim, claro. É dura? Muito dura. Subidas gigantescas. Não temos subidas destas em Portugal, ou pelo menos não temos muitas. Aconselho a fazerem os vossos 7 pontos incluindo uma prova fora de Portugal onde encontrem paredes de mais de 1000m para escalarem e assim terem uma boa introdução ao tema. Também convém certificarem-se que conseguem passar sem qualquer dificuldade dos 2500 m de altitude. No UTAT, por exemplo, têm de passar aos 3500m e é uma excelente introdução quer à altitude quer às subidas violentas. De resto é avançarem sem medos. Basta sonharem e irá acontecer.

E agora vão treinar. Para a montanha se fazem favor!

Às minhas princesas