5 da manhã. A maluquice está ao rubro quando um tipo se levanta às 5 para ir sofrer, perdão, correr 50Km para a Arrábida.
Acabar de arrumar a tralha que já estava prontinha de véspera, nomeadamente meter no camelbak o resevatório de água que foi previamente congelado com 2Lt de água. Esta estratégia foi boa. Até se acabar tive sempre água geladinha.
Lá chegado dei logo com o Magro e o Ico também a chegar. Depois encontro o Roque e acabámos por partir untos. Antes o Eduardo fez os últimos avisos para os locais mais perigosos. 10, 9, 8, 7.... e lá foi o foguetão.
Rolámos até ao porto de abrigo que contornámos para a primeira parede. Subir à pedreira. Pimba. Vamos devagarinho a poupar. Acho que não fiz outra coisa...
Transposta a pedreira seguimos aquela altitude em direcção ao Meco. Ainda foi um bom esticão. Quando saímos do topo da serra e à medida que descíamos para o Meco entrávamos pinhal adentro. Sombras, pinheiros e muita areia. Mas progredia-se relativamente bem. O Roque acusava já algum cansaço mas deixei-me ir ali naquele ritmo calmo. Para quê cansar-me :) Afinal ainda faltavam mais de 30. E nunca me esqueci do que o Carlos disse: "Vocês tenham calma na primeira parte porque aquilo puxa para correr. A 2ª parte é demolidora e se gastarem demasiado na 1ª vão pagar um preço bem caro" Portanto seguia, calmo dentro do possível.
A praia surgiu enfim. Um pouco menos de 2h e nos 18Km. Já com o sol bem presente a aquecer o ambiente. A praia ainda vazia. Tentámos seguir junto ao mar mas a areia é demasiado grossa e com a água, fica demasiado mole. Subimos e fomos sempre junto à arriba, onde a argila que escorre faz uma capa que nalguns pontos facilita a progressão. Noutros pontos, de nada serve. Mas pelo menos íamos à sombra.
Ainda foram quase 4 Km. Mais 1Km e tínhamos feito a totalidade daquele troço de praia deste a entrada de água para a Lagoa até à praia das Bicas onde iríamos abandonar o areal e passar a navegar pela falésia.
Ainda antes de chegar à Praia das Bicas olho para trás a ver onde vinha o Roque e vejo que já não estava a ficar para trás, estava ali a poucos metros de mim. Pensei, fixe, já tenho companheiro outra vez. Mas houve qualquer coisa que não fez sentido naquele vislumbre. Volto a olhar para trás. O GAJO VEM NÚ!!! Passa por mim e percebo que não era o Roque. Apenas fisicamente parecido e como trazia óculos escuros iguais aos dele...
Meto-me com ele ainda na dúvida: Porra tu não podes ver um gajo nu, despes-te logo todo. Ele diz-me que está na praia dos nus. É para correr nu. Bem... ok...
Vai num bom ritmo. Deve ser de ir nu. Aproxima-se rapidamente do grupo da frente que eu já estava quase a apanhar também. Aproveito e meto-me com eles. CUIDADO!!!! FUJAM ELE VAI TRESLOUCADO. ABRIGUEM-SE. Olham para trás e vêm um gajo nú a correr para eles... devem ter ficado um bocado embasbacados :)
Nesta galhofa estávamos no final da praia onde nos esperava uma saída tipo rampa a pique, que nos levaria à cota dos próximos Kms. Páro e antes de sair do areal descalço-me para tirar os 2Kgs de areia que já tinha dentro de cada sapatilha. Ataco a subida e sinto-me muito melhor. Já me estava a passar com os pés e tanta areia.
Dali iríamos seguir até ao Cabo Espichel, sempre pela falésia. A vista era magnífica. Por vezes descíamos quase ao nível do mar para voltar a subir. Começava o cheirinho de dificuldades que nos esperavam. Mas nada de especial ainda. Os trilhos eram óptimos, a vegetação rasteira. Conseguia-se alternar a corrida com o cuidado que era preciso ter em zonas de descida e de subida. A pouco e pouco começávamos a subida para o farol. Os 25Km chegaram com um pouco menos de 3h. Percebi pela dureza que ainda estava para vir do outro lado da falésia que não seria possível fazer a prova em 7h que de facto era o que eu tinha pensado como mínimo inicial.
O abastecimento dos 30Km chegou e marcava o limite. Dali para a frente a coisa ia mudar de figura. Os trilhos mais fechados. A vegetação mais alta, composta maioritariamente por folhas e picos pouco amigos das perninhas (não esquecer de levar perneiras na próxima). A paisagem é lindíssima deste lado. Sempre que descíamos até mais perto do mar o vento desaparecia e ficava apenas o sol demolidor. Perguntava-me se a transpiração iria fazer sair o protector solar que tinha colocado. Agora sei que não.
Lá em baixo barcos e veleiros divertiam-se. Eu por enquanto ainda me divertia apreciando toda aquela beleza. Seguíamos num grupo de 8 e nas subidas a passo íamos todos juntos.A princípio ainda era possível alternar alguma corrida com momentos mais perigosos e por isso lentos. Mas fruto das várias descidas, algumas bem perigosas, juntamente com as subidas demolidoras, a pique, muitas com escalada. O ritmo caiu fortemente. Já não era possível correr há demasiado tempo.
Ou estava a tentar não escorregar numa descida, ou estava a ser todo picado num sítio sem trilho aberto, ou estava a subir a pique, ou a escalar rochas. Às tantas começo a ouvir o Jorge ao longe, completamente possesso: Isto é que é atletismo? O grito ecoou pela ravina. Vão mas é piiiii, seus piiiii, piiii, piiiii, piiii, piiii... Nunca mais cá venho. E desembrulhou um rol de provas que já tinha riscado do calendário :)
Fui ali um bocado com eles porque mesmo zangado sabe sempre bem ir ali com companhia. Concordei parcialmente com ele. Estávamos há demasiado tempo sem conseguir correr um bocadinho. Houve ali uma sucessão de descidas perigosas com escaladas, que tornou a coisa aborrecida. Ritmo demasiado baixo.
Após esta parte demasiado repetitiva e aborrecida em que embora houvesse uma ou outra paisagem deslumbrante, não estávamos a conseguir correr quase nada o que era um pouco desmotivante. Parecia trekking. O piso demolidor há muito tempo que tinha feito estragos nos meus pés de donzela. Já seguia um pouco em sofrimento e a controlar o prejuízo.
Às tantas um momento para correr um pouco. O trilho bem aberto permitia uma corrida. Seguia com 2 outros companheiro. Embora não me apetecesse seguir tão rápido, aproveitei a boleia para poupar ter de ir atento às fitas. O piso para variar estava incrustado de pedras salientes que são bem perigosas. Já tinha mandado uma topadas valentes em várias. De repente o pé prende-se numa e a queda foi inevitável. Por sorte, a coisa correu bem. Enrolei sobre o ombro, quase tipo cambalhota e amorteci bem a queda em cima de um arbusto daqueles meio espinhosos. Pensava que os companheiros que seguiam comigo iam pelo menos mostrar alguma preocupação... Nada. Fizeram só uma cena tipo Bruno Nogueira. Ouvi lá de longe, pois nem pararam, Tás bem?.... Nem respondi. Para quê? Só se fosse tipo, Obrigado não se incomodem, estou só aqui deitado um bocadinho nestas plantas fôfas, vou ler um bocadinho. Não se atrasem. Vão fazer menos de 8h. Força!
A 1ª avaliação rápida dizia-me que nada de muito grave tinha acontecido. Revi a coisa em câmara lenta. Tinha corrido bem. Um joelho esfolado sangrava perna abaixo. A minha preocupação era a cara. A cara tinha raspado ali naquele arbusto e doía-me junto ao olho. Usei um pouco de água para lavar o joelho e a cara. Não me parecia que houvesse sangue na cara. Voltei a correr um pouco e iria avaliando se via aparecer sangue na cara. Retomei a corrida e de facto estava tudo bem. As bolhas continuavam a ser a dôr predominante. Fixe :)
Aproximávamos das pedreiras novamente. O posto de abastecimento dos 40Km não existiu. Apanho o Ico que seguia com um companheiro em dificuldades. Pergunta-me se tenho água, mas já vinha seco há muito tempo. Os meus 2Lt frescos não resistiram à falta do abastecimento dos 40Km. Agora era preciso escalar por dentro de um ribeiro seco, gigantesco, esculpido na serra. Excelente esta parte. Os músculos ameaçavam cãibras quando tinha de flectir demasiado a perna para apoiar a subida. Nada a fazer. Era preciso escalar aquilo.
No alto do ribeiro estávamos na base da pedreira. Mais uma parede para subir. Antes da subida uma menina com água. À minha fente já a subir a parede iam uns 4 ou 5 companheiros. Já imaginava e sentia a água a escorrer pela garganta abaixo para ganhar forças para a subida. Quando chego ao pé dela diz-me, Olhe aquele seu companheiro levou a ultima garrafa.....
Fiquei internamente desfeito mas não havia nada a fazer. Ataquei a subida, pior que uma barata... seca. Avisei que atrás de mim vinha um senhor em dificuldades sem água. Que não tinha havido abastecimento aos 40Km... tentei não descarregar na menina, seria seguramente a ultima culpada. Já ia eu a subir aparece ela a tentar uma corrida parede acima. Vou ali ao próximo abastecimento que é já ali buscar água. Disse-lhe que não valia a pena, não dava tempo. Ela insistiu mas 50 metros depois desistiu e voltou para baixo. De facto não está tão perto assim, disse. Olhei para trás, lá em baixo o Ico e o outro companheiro aproximavam-se do abastecimento seco.
Umas centenas de metros pedreira acima encontramos um rapaz que vinha em dificuldades com uma palete de água. Vinha do abastecimento seguinte e ia dirigir-se para o local no sopé da pedreira. Sorvi logo ali 2 garrafosas de seguida. Safa! Depois no abastecimento com mais calma aproveitei para repor alguma água na mochila. Estávamos a 5Km da meta. Infelizmente as bolhas dos pés massacravam-me e não me deixaram apreciar em condições esta ultima parte da prova. Finalmente podia-se correr novamente mas a corrida agravava a dôr que sentia por isso alternava pequenos troços com caminhada. Ainda descemos novamente a um vale antes de subir ao castelo. Nestes 5Km perdi imenso tempo. Depois do castelo um trilho de BTT fantástico mas que já não apreciei em condições pois só já pensava em chegar, tirar os ténis e tomar um banho refrescante.
E assim foi por esta ordem. Conversei um pouco na meta, mas não parava de pensar na água fresquinha da praia e não descansei enquanto não me apanhei lá dentro. O Jorge fez-me companhia.
Concluindo esta já longa aventura. É uma prova muito bonita, a mais bonita que já fiz, com todo o tipo de pisos. Até aos 30Km vai-se bem depois é muito dura. E não é só pelo sobe e desce. É tudo junto. O piso é demolidor. Felizmente não estava muito calor. Não creio que seja aconselhável fazer esta prova com um dia daqueles de 30 graus. Vai correr mal. Muito mal. Aquela parte da serra, naqueles vales, num dia desses, sem aragem, são fornos!
Eu tive azar e deu-me para fazer bolhas, coisa que já há uns anos não me massacrava. Por isso não apreciei a parte final e se calhar tenho de lá voltar para o ano para ver melhor como é, sem bolhas.... :)
A organização esteve bem, embora se tenha notado alguma escassez de meios e apoio no terreno. Sei que tiveram algumas dificuldades para a organização deste evento, o que só valoriza ainda mais o vosso trabalho. Espero que tenha corrido tudo bem porque há ali muito sítio propício a desgraças.
Não vi o abastecimento dos 40Km, e naquela altura fez uma falta tremenda.
Também acho que podem melhorar o traçado. Aquela parte é demasiado monótona e embora seja desafiadora, a malta também gosta de correr e tanto tempo sem o poder fazer, às tantas perde um bocado o sentido. Ok, tínhamos acabado de descer e subir. Logo de seguida nova descida e subida ainda mais perigosa e difícil sem nada que o justificasse. Pointless!
Acho que aquela zona tem tanto material para explorar que seguramente para o ano vai ser simples melhorar o traçado. Para mim ficou a maior, mais linda e mais dura prova que já fiz. Obrigado ao
Mundo da Corrida. É sempre um prazer participar nas vossas provas e aventuras.
Muito mais haveria para contar e mostrar. Mas a vossa paciência tem limites. Por isso se quiserem vejam o resto das fotos
aqui. O track da prova está aqui do lado direito no sítio do costume. Vejam no Google Earth em 3D para apreciarem todo o nosso magnífico passeio.
Vemo-nos na
4ª feira à noite para apreciar um eclipse de lua na praia? Tenho ali um barril de cerveja de trigo geladinha que é um espanto. Até lá amigos.