terça-feira, 30 de junho de 2015

Trail Camp UTMB - Meio Monte já está, venha o outro meio!

Se não leu o início da aventura pode seguir por este link


Dia 3 Refúgio Bonatti  -> Refúgio de la Croix du Bonhomme

Acho que o Darth Vader nos visitou nesta noite… “Crrrrrr Crrrrrr”… “Boleto, you’re my son! The force is strong in you!” Eu não dei por nada. Protegi-me do lado negro da força com os meus tampões Yoda. Depois de uma etapa de descanso tínhamos novamente uma etapa bem dura pela frente e agora já era a 3ª. Resolvemos antecipar em 30 minutos a nossa saída. Alvorada às 5h para sair às 6h. Pedimos o pequeno almoço para as 5h30 e para nossa surpresa a resposta foi: Ok! Um pouco diferente da véspera.

Quando descemos esperava-nos um buffet em que nada faltava. Ao nível das instalações, do jantar e da simpatia de todo o staff. Que excelente impressão que nos causou o refúgio Bonatti. Só foi pena as nuvens taparem um pouco a magnífica paisagem que se tem do refúgio para o outro lado do vale. Fica para a próxima.

Calçar os ténis ensopados de véspera só foi desagradável até termos de passar novamente um riacho a vau cuja ponte tinha sido também levada pelo inverno. Saímos com o ligeiro atraso do costume. Plano do dia: iríamos até ao refúgio Bertone ao longo do magnífico vale glaciar sensivelmente sempre na cota dos 2000 m num simpático carrossel. Algum fresquinho matinal rapidamente ultrapassado com as primeiras tiradas a correr. 


Era um dia decisivo para o nosso grupo da retaguarda. Até Courmayeur a viagem era pacífica e esse seria o ponto de não retorno. De Courmayeur, Chamonix está do outro lado do Monte Branco e basta atravessar o célebre túnel que passa por baixo da montanha. Não me pareceram com vontade de abandonar a volta mas era certo que começando a subida de Courmayeur os pontos de abandono e de regresso a Chamonix iam reduzir e complicar-se.


Chegados ao refúgio Bertone e recolhidas algumas fotos da cidade quase mil metros mais abaixo, iniciamos a monumental descida. Recordo-me bem da dureza desta subida no UTMB. Mas a descer foi num fósforo que chegámos a Courmayeur. Obviamente tínhamos de parar para tomar um café, levantar algum dinheiro e publicar qualquer coisa no Facebook já agora.



Íamos iniciar as 3 ascenções do dia: Arête du Mont- Favre (2421 m), Col de la Seigne (2509 m) e Refúgio de La Croix du Bonhomme (2455 m). Estávamos aos 1200 m. Siga que se faz tarde.

Não sei porque saímos feitos parvos do café, sem sequer procurar qualquer indicação. Estava em curso um erro de navegação grave que nos iria custar mais de 1 hora de viagem. Como habitual olho de relance para o mapa no relógio e confirmo que o caminho é em frente. Seguimos à conversa cidade fora. Vou olhando de relance para o relógio e o percurso continua sempre em frente. Quando começo a estranhar o percurso e percebo que estamos a sair de Courmayeur e nos dirigimos para o túnel do Monte Branco percebo que algo se passa. O relógio parecia bloqueado, daí o percurso estar sempre em frente. Na realidade como percebi mais tarde deveria haver algum erro no mapa da zona que estava a tornar o relógio ridiculamente lento. Os reboots não estavam a resolver o problema. Sempre que carregava o mapa com o percurso o relógio quase que bloqueava.

Ainda na véspera tinha tentado passar os tracks para o fenix 2 do Ricardo porque era brincar com o Murphy 5 doidos numa montanha dependentes de um único Garmin. E o Murphy apareceu mesmo. Felizmente estávamos ainda nos arredores de Courmayeur e quem tem boca vai a Roma…. ou não. Lembrava-me vagamente do percurso do UTMB, da chegada e Courmayeur e da saída do abastecimento e definitivamente não estávamos no percurso certo. Pouca gente havia para ajudar mas finalmente lá consegui comunicar com um italiano que nos enviou para o percurso certo. Basicamente teríamos de voltar ao centro da cidade, quase onde estivemos a tomar café, para nos dirigirmos para a estação de teleférico correcta e iniciarmos a subida. Nada a fazer. Toca a correr para recuperar o tempo perdido. Nesta brincadeira de ir e vir metemos mais 6 Km no bucho.

Retomado o trilho e depois de passamos o local do abastecimento de Courmayeur começamos a subir. Uma descida brutal durante o UTMB. Desta vez íamos provar a subida. 800 m em 4 Km…. 20% de inclinação média!!! Isto só até ao primeiro patamar. A seguir ainda faltavam 400m um pouco menos agrestes. O dia, contrariamente ao previsto estava um espectáculo. O sol forte sem nuvens no céu a fazer estragos. Que dureza de subida. Felizmente rapidamente entramos na floresta e a subida é feita à sombra.

Às tantas o Turtles que seguia um pouco mais acima começa a gritar eufórico. Boleto!!! Melo!!! E não é que era mesmo verdade. A nossa paragem juntamente com o engano tinham dado tempo suficiente de eles nos passarem. Seguimos juntos um pouco mas procurávamos já um local para refrescar a goela. Os poucos locais que encontrávamos na subida estavam fechados. Quando por fim encontrámos um café para beber umas jolas já não deu tempo de eles nos apanharem. Ainda deu para lhes fazer adeus ao longe ao sairmos e retomarmos o percurso.


Próximo objectivo, Arête du Mont-Favre. Acima dos 2000 m a neve intensifica-se e começa a cobrir grandes partes do trilho. A subida faz-se ao ritmo de rimas ao desafio. A paisagem é brutal. Vê-se o vale do Lago Combal para onde vamos descer em seguida. Depois de chegarmos à zona do Lago Combal é tempo de almoçar. No meu menu era Pasta Bolonhesa…. fria, claro. Soube que nem mel e alimentou-me. Já tinha a barriga a dar horas mas as refeições desportivas da Decathlon são excelentes para estas ocasiões. Valeu a pena carregar o peso extra.


O dia estava quase feito. Faltava subir um pouco mais do que tínhamos acabado de descer, passar o Col de La Seigne, fazer uma brutal descida e uma brutal subida. Pffff!

O vale Ferret é brutal, Totalmente selvagem. As marmotas faziam a sua vida do dia a dia. Uma recusava-se a fugir quando passámos ao lado dela. Outras lutavam, não percebemos se era alguma discussão conjugal. A neve intensificava-se novamente à medida que nos aproximávamos do colo. Mas desta vez o dia de sol dava-nos o alento necessário para desfrutarmos do momento.





Passado o colo estávamos de novo em França. Arrivederci Italia. Bonjour France. Toca a acelerar, 900m sempre a descer. Passamos vários grupos a subir. Objectivo, tomar uma cerveja em Le Chapieux antes de enfrentar a tenebrosa subida final do dia. 900m. Aos 2500 m esperava-nos o nosso oásis do dia. O refúgio do col de la Croix de Bonhomme. O dia tinha sido longo e esta longa subida era das duras de roer. 900 m de ascensão em 6 Km. Mas era a ultima do dia. Um banho e um jantar à maneira esperavam por nós. Que alento.

Dividimo-nos em 3 grupo. O Luis Matos segue na frente uns patamares acima, eu vou com o Turtles e o Trindade e o Ricardo vêm num ritmo mais tranquilo. Por volta dos 2300 m o céu começa a fechar-se, as nuvens enegrecem. As primeiras gotas grossas abrem caminho ao que lá vem. O trilho começa a ficar perigoso com muita neve. Ribeiros correm por baixo da neve o que mete algum respeito. Não queremos parar para vestir os impermeáveis. Vemos o refúgio pela primeira vez lá no alto. Parece perto mas não está. Aceleramos, dentro dos possíveis. É preciso chegar. Nos últimos metros a coisa agrava-se de forma exponencial. Apanhamos o Luis Matos. Levantou-se uma ventania terrível e começa a chover a sério. Mas o abrigo está mesmo ali. Entramos mesmo na hora H. Uma tempestade vinda do nada tinha acabado de aterrar. Enquanto tratamos de dar entrada e trocar os ténis por croques chega o Trindade e o Ricardo já tipo pintos com os impermeáveis vestidos.


O refúgio é selvagem e tem uma vista incrível. Lá fora a tempestade não dá tréguas. Há algumas falhas no refúgio. Só a sala no rés do chão tem uma temperatura agradável. A área dos quartos é gélida, Os quartos são gélidos. Não há luz nos quartos devido a um problema qualquer. Também só há rede lá fora..."vai lá tu". Ainda assim o refúgio tem algo de aconchegante: a paisagem, o local ermo e remoto, os édredons do quarto...

Só nos faltava esperar pelo team vassoura, Ainda tentámos contactar e enviar SMS's a avisar que lá em cima as condições estavam beras mas, soubemos depois, já tinham iniciado a subida e estavam sem rede. O jantar foi uma excelente e farta carbonara bem regada! Fez esquecer tudo o resto. Mal tivemos tempo de fazer apostas na hora a que iam chegar... e o Turtles ganhou, chegaram 3 minutos antes das 21h. Aliviámos a ansiedade da espera com uma festa aos nossos heróis que ainda tiveram direito a uma salva de palmas de toda a sala de jantar do refúgio e a um jantar romantico à luz das velas. É assim, os últimos são por vezes os primeiros.

Há pouco para fazer aos 2500 m de altitude. Enroscar-me num édredon quentinho, num lençol saco cama de seda é uma das melhores opções. E quentinho dormi.

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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Trail Camp UTMB - Uma Mega Aventura 100% Alpes


Não é fácil escrever algumas palavras sobre uma aventura tão épica como esta. Serão sempre poucas para descreverem tudo o que passámos e serão sempre muitas, mesmo para quem gosta de ler estas coisas. 

A ideia nasceu numa conversa num Treino Lunar. Já conhecia a oferta de algumas empresas, nacionais e francesas, mas com a ajuda do Luís Trindade, que já tinha feito esta volta, estavam reunidas as condições para montarmos esta epopeia.

Numa onda de lucrar apenas com a amizade e o convívio de quem nos quisesse acompanhar, tudo foi planeado rigorosamente e dos convites que fizemos restaram 5 gloriosos e saudáveis aventureiros.

Não quisemos restringir a aventura só a atletas em pico de forma. Com a definição de quem vinha ficou claro que haveria vários grupos. Era importante alertar para o nível de dificuldade, para a impossibilidade da organização assumir a segurança de todos e para a necessidade de cada um ir preparado para, em qualquer altura assumir individualmente a sua aventura. Ninguém deveria seguir sozinho e em ultimo caso haveria que descer à vila mais próxima e regressar a Chamonix de taxi ou transporte publico. O tempo em alta montanha é por vezes imprevisível e pode impedir um reagrupamento. Enfim, havia riscos e eles teriam de ser assumidos individualmente. Era a única forma de ninguém prejudicar ninguém.

A outra opção era impedir de participar quem não tivesse uma excelente capacidade física. Tudo explicadinho para ninguém ir ao engano, o dia que parecia longínquo inevitavelmente chegou.


No meio de alguma ansiedade, duvidas e indefinições com o tempo algo instável, os 7 magníficos lá seguiram viagem.

Algumas concessões iniciais passaram por ficar num hostel em Chamonix em vez do parque de campismo, pois ainda não tinha aberto. E devido a irmos tão cedo até mesmo a data de abertura de alguns refúgios de montanha nos obrigou a fazer a volta ao contrário. O facto de irmos tão cedo causou alguma ansiedade pois acima dos 2000 m seguramente que iríamos apanhar alguma (bastante? imensa?) neve. Conseguiríamos passar os colos? Os contactos que estabelecemos com alguns refúgios diziam que seria possível, mas com equipamento light vocacionado para correr e não para montanhismo a sério…. lá fomos…!

Mochilas de 20 litros com o mínimo necessário para 4 dias, 170Km e 10000 D+. Apenas os jantares e os pequenos almoços seriam fornecidos pelos refúgios. A restante alimentação e vestuário seria carregado por cada um ao longo de toda a viagem. A hidratação seria fornecida pela natureza e pelos inúmeros riachos da montanha. A incerteza com o tempo a obrigar a levar alguma roupa a mais para as zonas mais altas ou para um agravar súbito das condições climatéricas. 
E de repente era dia 11 de Junho, 6h45. Com 15 minutos de atraso o primeiro dia da aventura esperava por nós.


Cliquem para verem o resumo do dia 1


Dia 1 - Chamonix -> Champex Lac

O objectivo para este dia era simples. Fazer o temerário final de 3 subidas (e respectivas descidas) do UTMB que ligam Chamonix a Champex Lac.



La Flégère esperava por nós lá no alto da 1ª subida. Rapidamente nos agrupamos no que seria a configuração até ao final. Eu, o Trindade, o Turtles, o Luis Matos, e o Ricardo Diez num grupo e o Boleto e o Melo noutro. Importante era ninguém ficar sozinho. 


Em La Flégère ainda nos conseguimos juntar todos para depois a caminho de Tête aux Vents e posterior descida para Vallorcine começarmos a aumentar de novo a distância. Gostei de ver todo este percurso que tinha feito de noite em 2013. Tirando quem anda muito lá na frente (ou quem anda muito lá atrás), toda a gente faz este troço à noite. O contacto com o grupo mais lento era esporádico.

 Ainda os vimos a descer de Tête aux Vents antes de arrancarmos para Vallorcine a haveríamos de ver de novo já no início da 2ª subida depois de uma pausa para uma refrescante cerveja num restaurante à beira do percurso em Vallorcine. 





De repente estamos na Suiça
A subida para Catogne é, como habitual nestas paragens, de uma dureza extrema. Antes do ponto mais alto e sem darmos por isso estamos já na Suiça, 

Trient visto já da subida final
Como em tudo na vida, depois de uma grande subida segue-se uma igual descida. Em Trient estava marcado o almoço que cada um tiraria da sua mochila. Com tanto esforço, mais do que as pernas era o estômago que se queixava de fraqueza. Durante a pausa junto à igreja da vila chega uma carrinha com uns trabalhadores. Por momentos pareceu-me que falavam português. Continuámos à conversa até que uma voz nos pergunta se nos tínhamos perdido a caminho de Fátima ou algo do género. Eheheh. Os nossos patrícios estão por todo o lado. Lá trocámos umas palavras e obviamente perguntámos onde era o café mais próximo. 
O 1º encontro com uma substância estranha. Neve! Uns m2 que pareciam comprados no IKEA

Lá em baixo Martigny. 1600m de desnível daqui, acima dos 2000
A subida final do dia e respectiva descida não teriam muita história se a trovoada do dia não tivesse chegado muito antes das normais 18h e nos tivesse apanhado ainda a 10Km do refúgio de Champex Lac. Uma enorme molha que nos obrigou a vestir os impermeáveis. Isso e mais um engano final no percurso (GPS, nuverns negras e trovoada não combinam bem) acabou por atrasar a nossa chegada. 

Ainda assim pouco depois da 17h chegámos ao Gite Bon Abri onde nos aguardava um bom banho, uma lareira para secar o material e um jantar um pouco artifical regado por um vinho roscof mas depois de quase 11h, 3100D+ e 47Km de enorme dureza tudo parece confeccionado por um chef 3 estrelas michelin,

Ainda faltava chegar o 2º grupo. Já não os víamos desde o início da 2ª subida e na realidade não fazíamos ideia como lhes tinha corrido a jornada. Com 2 subidas violentas de quase 1000m cada uma e mais uma trovoada de final de tarde que deixou depois uma chuva sem tréguas, estávamos ansiosos por um contacto (mal se encontra rede ao longo do percurso). Teriam conseguido sobreviver ao massacre das 3 montanhas? Estaria tudo bem? A noite aproximava-se e era preciso descansar para a próxima etapa.
As duvidas foram esclarecidas quando finalmente conseguimos contacto. Vinham lá. Estavam a cerca de 4 Km. O dia estava finalmente concluído. Vamos ver se amanhã há cabeça para continuar porque pernas já se percebeu que há.

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Dia 2 - Champeex Lac  -> Refúgio Bonatti

O Gite Bon Abri não ia deixar muitas saudades. Com nova gerência e o edifício principal em remodelação ficámos numa cabana exterior, supostamente mais cara mas oferecida ao mesmo preço. De facto as condições eram simpáticas se fosse só para o nosso grupo, mas acabámos por partilhar a cabana com outros 7 companheiros e testámos a lotação máxima. 14 almas numa confusão de roupa a secar, tralhas por todo o lado e 12 tipos a dormir no sótão. Ainda assim dormi bem, talvez do empeno do dia anterior.
O pequeno almoço deixado de véspera na cabana e muito fraquinho que os Srs. não estão ali para se levantar às 6h da manhã para servir os hóspedes. Os nossos companheiros que estavam a dar a volta no sentido do UTMB contaram-nos maravilhas do refúgio Bonatti que era para onde íamos nesse dia. Se já estávamos com vontade de seguir viagem ainda com mais ficámos.

O dia acordou totalmente nublado. Felizmente a chuva contínua da véspera tinha parado e a temperatura estava agradável para correr. Mochila às costas e algum desconforto por ter novamente aquele fardo no lombo. O menu do dia incluía atravessar a cidade, fazer a empinada descida desde Champex Lac até cá abaixo ao princípio do vale onde começam 21 km de subida quase contínua até ao Grand Col Ferret aos 2500m. Aí entramos em Itália, Descemos 800m sempre a abrir, subimos 300 e depois de alguns Kms chegamos ao Refúgio Bonatti. Coisa simples, Ainda assim um dia bem mais calmo que o anterior.



Embora ao princípio fosse difícil começar a correr novamente com o apêndice às costas quando chegámos à floresta com a sua gigantesca descida era irresistível e claro, foi tudo feito a eito até cá abaixo ao sopé do vale. Começamos a longa subida que, claro está, nem sempre era a subir. Depois de admirarmos a beleza das casinhas suíças e das suas aldeias, onde nada está desarrumado, sempre que possível lá íamos correndo um pouco.

Até La Fouly a subida ladeia um gigantesco leito de rio quase sem água, preparado para outros caudais em tenebrosos dias de inverno. Por agora quase só gigantescos calhaus reclamam o seu lugar e impõem respeito pela ousadia de terem vindo até ali. Os trilhos são bonitos por ali. Quer os da floresta, quer de um modo geral todo o percurso suíço. Obrigatória paragem em La Fouly, Há quem vá ao supermercado comprar algo para reabastecer. Outros optam por uma retemperadora cerveja no bar por cima. Já tinha começado uma chuva molha parvos com grossas mas escassas gotas.


Este lado do Mont Blanc metia mais respeito. Desde o início do vale que as encostas da montanha estavam raiadas de neve. Estávamos apenas a 1300m de altitude e enquanto subíamos não podíamos evitar algum respeito. Neve por ali acima. Tecto de nuvens baixo, céu carregado e já alguma chuva. O que nos esperava aos 2500m onde a vista não alcança, envolto em nuvens?

A hora estimada de chegada eram as 15h. Queríamos chegar cedo e evitar passar o Grand Col Ferret com uma tempestade igual à do dia anterior. Ainda por cima no meio da neve.

Se até La Fouly o trilho era pacífico, a partir daí iríamos começar a subir mais a sério e a divergir para o Grand Col Ferret. Abandonar de novo a civilização e começar a subir a montanha. Cerca de 800m desde La Fouly até passar o colo. Um vento desagradável aliado à paragem que fizemos fez-me optar por vestir as calças corta-vento, o impermeável e as minhas luvas novas. A subida embora exigente ia ser feita a baixo ritmo, mais a chuva e o vento, não me estava a apetecer ter frio. Preferia gerir algum calor.

A princípio tentámos seguir o trilho do UTMB mas a dada altura seguimos as placas do TMB (Tour du Mont Blanc), nem sempre coincidentes dados os atalhos e ligações que são feitos na prova. Felizmente levava o mapa da zona juntamente com o track e era possível verificar os caminhos e atalhos para voltar ao percurso da prova. Conseguimos convergir com sucesso para o percurso e a partir dos 2000m e do ultimo abrigo restava fazer o ataque final ao colo. A neve era cada vez mais presença assídua no meio do trilho. O grupo estava focado em permanecer junto, atravessar em segurança os troços de neve cada vez maiores à medida que subíamos. Não sentia qualquer frio mas havia quem se arrependesse de não ter luvas. Alguns grupos cruzam-se connosco a descer. Faltam 300m... faltam 100m... por vezes não é fácil perceber já onde passa o trilho. Começamos a perceber que vamos passar o colo e a euforia apodera-se do grupo. No cimo a foto da praxe e toca a descer que está demasiado vento, nevoeiro e frio no Grand Col Ferret.



Itália!!! Ma che cosa! Começa a grande descida italiana do Grand Col Ferret. Ao princípio a neve está perigosa. Grande inclinação, troços de neve sem marcas de passagem. Algumas dúvidas. Nevoeiro. É preciso manter o grupo unido. Perder o trilho no cima da montanha com tanta neve, vento frio e chuva não é brincadeira. É preciso baixar de cota rapidamente, sair da nuvem e do nevoeiro, Continuamos a cruzar com grupos que sobem penosamente para o colo. Vamos já num ritmo desenfreado a descer, Zig zag, zig zag, as mochilas já nem pesam nada às costas. Saltamos como cabras os degraus, os troncos, cortamos curvas, atalhamos. Grande gozo esta descida. Também o sentimento que o dia está feito. Passámos o Grand Col Ferret às 13h. O Bonatti espera por nós.

A descida até Arnouva foi basicamente sempre a rasgar. O inverno levou uma ponte e passámos a vau. Reagrupámos em Arnouva de onde faltava subir de novo aos 2000m e fazer algums Kms de um agradável sobe e desce. O Bonatti surge ao longe numa das muitas pregas da montanha. A alegria é geral. Num abrir e fechar de olhos já lá estamos.

Os elogios da véspera foram poucos para este refúgio onde só falta wifi. Que excelentes condições e que simpatia. Banho, lavar alguma roupa, sala de secagem e rapidamente estávamos a comer uma super sopa de feijão com queijo e pão torrado que nos repôs de imediato as energias. Chegámos tão cedo que tivemos tempo para uma bela sesta enquanto nos interrogámos com os nossos vassouras. Será que iam passar sem problemas? O tempo iria agravar e impedi-los de subir?.


Nada disso. Ao final da tarde aí estavam eles. Os nossos heróis, Sempre recebidos com grande euforia pelo grupo. Mais uma etapa concluída. Lá lhes explicámos o funcionamento das instalações e passado algum tempo fomos brindados com o melhor jantar do nosso tour. Mama mia! Que bela refeição. Antipasti, carninha com puré, excelente pão, bom vinho. Valeu a pena conhecer o Bonatti. Um paraíso nos Alpes!

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A nossa viagem vai a meio mas ainda há muito Monte Branco para contornar e muita aventura para viver. O 3º dia prometia ser o dia mais duro do percurso devido ao cansaço que se começava a fazer sentir ao fim de 90Km e mais de 5000 D+

Amanhã vamos sair de Itália e voltar a França.

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