Esta era UMA prova que há muito tempo me escapava. Não calha propriamente na melhor das alturas, tantas vezes em cima de férias. E este ano andava a assobiar para o lado mas a precisar de fazer Kms e horas de corrida para o UTMB, não me podia escapar. De modo que finalmente fui sentir o que é UMA UMA. Sem grandes treinos específicos e com a maior das descontracções foi a forma possível de encarar o desafio. A parte dos treinos merece mais atenção de facto, mas a descontração é para manter. Não que os treinos permitam menos sofrimento, já se sabe que quanto mais em forma estamos mais vamos puxar pelo material e no final o saldo é parecido. Ganha-se no entanto no tempo total, no empeno e na recuperação do dito.
Vai-se à UMA como se vai a tantas outras coisas. Em busca da superação, testar os nossos limites, esticar a corda, concretizar UMA aventura. Aqui não encontrei nada de novo. Estando relativamente bem fisicamente e com alguns treinos de areia para saber ao que vamos, a prova passa-se dentro da nossa cabeça, como tantas outras. Mas há muitas coisas específicas da UMA que vos vou deixar descobrir no meu relato e no fim fazemos contas.
A UMA começa-se logo a fazer na véspera, quando é preciso pensar o que se vai levar connosco. Não faço parte daquela elite que vai de calção, t-shirt e garrafinha no cinto, ou nem isso… Cada um saberá de si e no meu caso reforcei a capacidade de água. 1L congelado no saco de água e dois bidons de pouco mais de 1/2L cada. A ideia seria encher os bidons com o 1,5L que dão à partida e não gastar a água do saco que seria UMA reserva de emergência. Na comporta tornaria a encher os bidons com 1L que iriam dar. 2,5L era o consumo estimado para a viagem, com 1L de reserva psicológica para o que desse e viesse.
O tempo anunciava-se fresco, para a época claro, pelo que me parecia que iria ser suficiente. De resto só levei a mais um par de meias para trocar se fosse necessário (mas não foi). Na mochila viajaram muitas outras coisas totalmente desnecessárias mas que me acompanham sempre, tendo em conta o UTMB e o facto de ir passar cerca de 30 horas ou mais com a dita cuja às costas.
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Pronto para UMA aventura das areias |
A logística de transporte foi simples. Tirando o facto de sair da cama às 4h, apanhar o barco para Troia das 6h e depois o autocarro da organização para Melides, tudo decorreu como previsto. E ainda deu para dormir 10 ou 15 minutos no autocarro que a viagem é longa. No caminho para Melides dá bem para pensar nos 43Km de areia que vamos ter de fazer para voltar a Troia…
O dia estava ameno com algumas nuvens pinceladas no céu. A caminho de Setúbal UMA bela chuvada tinha dado o mote. O dia ia estar fresco. Este facto dá-nos algum descanso. Sempre era menos UMA preocupação. O areal ali em Melides é o que se sabe. Areia grossa, solta, em que cada passada se enterra. Mesmo junto ao mar a areia grossa não facilita e facilmente nos enterramos. Esta não é UMA prova para tipos pesados, como eu, claro. Mas pensando bem, alguma é? E os outros quase 500 tipos que ali estavam? Desde plumas a galifões todos com a mesma dificuldade pela frente. Portanto siga que se faz tarde.
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Team CGD pronto para o assalto à areia |
Partimos e a malta desata a correr que nem doidos. Ao fim de 100m pensamos que isto não é possível de aguentar muito mais tempo embora faltem 42,9Km. Ao fim de 1000m pensamos que faltam 42Km e que o ideal era parar com aquela parvoíce de correr na areia mole. Mas olho em redor e o pessoal não pára de correr. Deve ser mesmo para correr. Raios!
Há 2 opções. Lá em cima a areia é seca e mole e a progressão muito penosa, mas o piso é plano. Junto ao mar o piso é inclinado e montanhoso, as ondas inevitavelmente molham-nos os pés. Sigo o Zé Santos e venho para baixo. Rapidamente abandono a ideia de fugir das ondas. Minimizo a dificuldade andando quando se conjuga UMA subida com UMA onda que empapa os ténis. O sistema anti-areia que usei veio a revelar-se funcional e resistente mas é mais um peso extra quando ensopado de água.
Muita gente seguia lá em cima a correr. A dificuldade cá em baixo era tanta que por 2 vezes despendi o esforço extra de subir a duna e testar. Não valia a pena. Cá em baixo a progressão é mais rápida e custa menos.
Fernando Andrade UMA presença garantida |
Claro que os estragos estavam feitos e agora com UMA autoestrada disponível a sova tinha deixado as suas marcas e a progressão era lenta e dolorosa. Mesmo assim sentia-me bem e solto e por vezes esticava um pouco mas invariavelmente metia a passo e esperava pelo Zé. Sabia que a factura ia ser grande, não era preciso aumentar mais ainda o valor. Chegar bem e tomar um banho eram os meus únicos objectivos.

Façamos então agora UMAs contas. A UMA é UMA prova única no nosso país e quiçá em todo o mundo. Toda aquela costa é de UMA beleza impressionante e está impecavelmente preservada. Natureza em estado puro. A Câmara de Grândola faz muito bem em acarinhar este evento que tem um potencial enorme de crescimento. A prova tem UMA logística razoável. 4 ou 5 autocarros chegaram para cerca de 500 participantes. O preço também é aceitável. Só por isto já vale a pena fazer a UMA. UMA ou muitas vezes. Tróia está também muito mais bonita e preservada do que a Tróia que me lembrava. Quanto à dureza da prova, ó meus amigos, derrubar barreiras e vencer desafios é o nosso nome do meio. A UMA não é nenhum bicho papão. Qualquer pessoa minimamente em forma consegue concluir a UMA, haja vontade e convicção para isso. As 8 horas limite não permitem fazer toda a prova a andar. Mas são perfeitamente compatíveis com grande parte a andar intercalada com algumas corridas e, mesmo este ano que dizem ter sido dos piores, tinha cerca de 25Km perfeitamente corríveis, equivalentes à maré vazia da Costa da Caparica.
E porque é que faz UMA e duas e três e se volta vezes sem fim? Porque ao contrário de todas as outras, esta prova nunca é igual. É sempre no mesmo sítio, é sempre na mesma altura, mas a conjugação de tantos factores (meteorologia, areal e marés) faz com que se possa fazer todas as UMAs sem se repetir nenhUMA. E para cada UMA vamos experimentar estratégias diferentes, melhorar as técnicas, repensar os preparativos em função do tempo. E como todos somos diferentes, cada um faz a sua UMA, mesmo estando todos a fazer a mesma. Creio que é isto que a torna UMA prova única.
Com respeito e preparação (afinal é UMA prova com autonomia total, excepto 1L de água aos 28KM) é impensável não fazer a UMA e depois me dirão se tenho razão.
Vejam todas as fotos seguindo este link
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Nota: este ano com medo da areia optei por usar UMAs mangas de UMA sweat shirt velha, de malha técnica. Literalmente vesti as mangas por cima dos ténis deixando o punho logo após a biqueira e prendendo a manga no cimo das meias de compressão. O sistema não é mau. Permite manutenção dos pés de forma fácil, a malha técnica para minha surpresa revelou-se indestrutível e resistiu até ao final. Quase nenhuma areia entrava, tendo em conta o trajecto que escolhi na zona de rebentação. Inconvenientes: o peso extra da água que o tecido inevitavelmente absorve. Quando voltar à UMA vou seguir o conselho de alguns craques. Sandálias e meias. Parece-me perfeito. Uns tempos antes faço uns Kms para testar e se os meus pés de donzela aguentarem bem este conjunto será a situação ideal logo a seguir a ir totalmente descalço. Que também é possível mas que exige muito tempo de adaptação dos pezinhos ao areal.
Uma imperdível crónica tão ao jeito do Paulo Pires. Parabéns pela excelente participação e pela forma tão perfeita e bem humorada como a descreves, o que, aliás, faz parte do teu estilo.E obrigado pela honra que me dás ao incluir a foto que me tiraste lá pelo meio do areal. Grande abraço.
ResponderEliminarÉs UMA referência Fernando ;) Abraço
EliminarFelicidades! menuda suerte poder correr junto al mar!
ResponderEliminarPõe no teu calendário para 2014. É uma experiência fantástica!
EliminarMagnífico relato, dentro do bom estilo habitual!
ResponderEliminarPara o ano que vem lá estaremos para mais UMA!
Pois... também me parece :)
EliminarFiquei com UMA pena de não ter ido... Com este relato magnifico até parece que é fácil! Um abraço
ResponderEliminar2014 é já ali! :)
EliminarMuito boa estreia. Parabéns.
ResponderEliminarBonito relato Paulo, até parece que já és um "velhote" a percorrer aquilo, estão perfeitas as considerações feitas à volta da prova. Para as dificuldades que a prova nos impôs podemos dizer que estamos satisfeitos por a ter concluído, mas para um estreante ?? como tu foi excelente, revela também que os cuidados e o respeito pela prova foram respeitados na íntegra e por isso conseguiste sair de lá de bem contigo e com tudo o que nos rodeou. Abraço
ResponderEliminarÉ sempre um prazer receber elogios dos verdadeiros duros como tu. Grande fonte de inspiração que és amigo!
EliminarEsta prova é mesmo UMA aventura. Só ao alcance de muito poucos!
ResponderEliminarParabéns!