quarta-feira, 31 de julho de 2013

Ultra Maratona Atlàntica - UMA grande aventura



Esta era UMA prova que há muito tempo me escapava. Não calha propriamente na melhor das alturas, tantas vezes em cima de férias. E este ano andava a assobiar para o lado mas a precisar de fazer Kms e horas de corrida para o UTMB, não me podia escapar. De modo que finalmente fui sentir o que é UMA UMA. Sem grandes treinos específicos e com a maior das descontracções foi a forma possível de encarar o desafio. A parte dos treinos merece mais atenção de facto, mas a descontração é para manter. Não que os treinos permitam menos sofrimento, já se sabe que quanto mais em forma estamos mais vamos puxar pelo material e no final o saldo é parecido. Ganha-se no entanto no tempo total, no empeno e na recuperação do dito.



Vai-se à UMA como se vai a tantas outras coisas. Em busca da superação, testar os nossos limites, esticar a corda, concretizar UMA aventura. Aqui não encontrei nada de novo. Estando relativamente bem fisicamente e com alguns treinos de areia para saber ao que vamos, a prova passa-se dentro da nossa cabeça, como tantas outras. Mas há muitas coisas específicas da UMA que vos vou deixar descobrir no meu relato e no fim fazemos contas.

A UMA começa-se logo a fazer na véspera, quando é preciso pensar o que se vai levar connosco. Não faço parte daquela elite que vai de calção, t-shirt  e garrafinha no cinto, ou nem isso… Cada um saberá de si e no meu caso reforcei a capacidade de água. 1L congelado no saco de água e dois bidons de pouco mais de 1/2L cada. A ideia seria encher os bidons com o 1,5L que dão à partida e não gastar a água do saco que seria UMA reserva de emergência. Na comporta tornaria a encher os bidons com 1L que iriam dar. 2,5L era o consumo estimado para a viagem, com 1L de reserva psicológica para o que desse e viesse. 

O tempo anunciava-se fresco, para a época claro, pelo que me parecia que iria ser suficiente. De resto só levei a mais um par de meias para trocar se fosse necessário (mas não foi). Na mochila viajaram muitas outras coisas totalmente desnecessárias mas que me acompanham sempre, tendo em conta o UTMB e o facto de ir passar cerca de 30 horas ou mais com a dita cuja às costas.

Pronto para UMA aventura das areias
A logística de transporte foi simples. Tirando o facto de sair da cama às 4h, apanhar o barco para Troia das 6h e depois o autocarro da organização para Melides, tudo decorreu como previsto. E ainda deu para dormir 10 ou 15 minutos no autocarro que a viagem é longa. No caminho para Melides dá bem para pensar nos 43Km de areia que vamos ter de fazer para voltar a Troia…

Na zona da partida há que dar os parabéns à organização. Tudo bem pensado, dorsais distribuídos com rapidez e um bom ponto de apoio no bar da praia. Casas de banho limpas, funcionários simpáticos, tudo o que precisamos para ultimar os preparativos para a grande aventura. A partida lá em baixo espera por nós. 

O dia estava ameno com algumas nuvens pinceladas no céu. A caminho de Setúbal UMA bela chuvada tinha dado o mote. O dia ia estar fresco. Este facto dá-nos algum descanso. Sempre era menos UMA preocupação. O areal ali em Melides é o que se sabe. Areia grossa, solta, em que cada passada se enterra. Mesmo junto ao mar a areia grossa não facilita e facilmente nos enterramos. Esta não é UMA prova para tipos pesados, como eu, claro. Mas pensando bem, alguma é? E os outros quase 500 tipos que ali estavam? Desde plumas a galifões todos com a mesma dificuldade pela frente. Portanto siga que se faz tarde.


Team CGD pronto para o assalto à areia
Partimos e a malta desata a correr que nem doidos. Ao fim de 100m pensamos que isto não é possível de aguentar muito mais tempo embora faltem 42,9Km. Ao fim de 1000m pensamos que faltam 42Km e que o ideal era parar com aquela parvoíce de correr na areia mole. Mas olho em redor e o pessoal não pára de correr. Deve ser mesmo para correr. Raios!


 Há 2 opções. Lá em cima a areia é seca e mole e a progressão muito penosa, mas o piso é plano. Junto ao mar o piso é inclinado e montanhoso, as ondas inevitavelmente molham-nos os pés. Sigo o Zé Santos e venho para baixo. Rapidamente abandono a ideia de fugir das ondas. Minimizo a dificuldade andando quando se conjuga UMA subida com UMA onda que empapa os ténis. O sistema anti-areia que usei veio a revelar-se funcional e resistente mas é mais um peso extra quando ensopado de água.
Muita gente seguia lá em cima a correr. A dificuldade cá em baixo era tanta que por 2 vezes despendi o esforço extra de subir a duna e testar. Não valia a pena. Cá em baixo a progressão é mais rápida e custa menos.

O Zé dizia que este ano o piso estava pior, mas que ao Km 7 tudo ia melhorar. Mas os Kms passavam e o Zé só dizia que este ano ia ser um massacre. E vieram os 10 e os 12 e os 15 e a coisa massacrava. Eu não tinha termo de comparação portanto era aguentar. Só muito perto do Carvalhal, lá para os 20Km é que nos esquecemos do massacre e o pisco começou a dar tréguas. 
Fernando Andrade UMA presença garantida
Claro que os estragos estavam feitos e agora com UMA autoestrada disponível a sova tinha deixado as suas marcas e a progressão era lenta e dolorosa. Mesmo assim sentia-me bem e solto e por vezes esticava um pouco mas invariavelmente metia a passo e esperava pelo Zé. Sabia que a factura ia ser grande, não era preciso aumentar mais ainda o valor. Chegar bem e tomar um banho eram os meus únicos objectivos. 


Os Kms passavam com alternadas paragens para retirar alguma areia ora de um pé ora de outro. A Comporta veio e cumpri o planeado. Enchi os bidons que nem estavam bem vazios ainda. Meti um gel e comi 2 barras. Faltavam agora 15Km. Quem tivesse pernas era agora altura de as usar. Lá fui gerindo aqueles Kms finais como podia. Por vezes sentia-me bem e acelerava um pouco. Por vezes andava para quebrar a monotonia da corrida. Eram já muitas horas de areia. Às tantas começo a sentir a unha grande do pé direito a doer. A que estava boa, porque a outra já há uns tempos que está condenada a caiar. Bolas. A areia deve-se ter acumulado por debaixo da palmilha e estava a pressionar o pé. Descalço-me e sigo só de meias. 
Faltam 3Km. Sinto um alívio enorme e apetece-me acelerar. Falta 1Km e vejo a Dora e a restante comitiva de apoio. Entrego-lhe um beijo e os ténis que trazia na mão. Olho para o relógio e faltam 700m. 5h27. A meta via-se por cima da curva. Convenço-me que é possível fazer abaixo das 5h30 e desato a acelerar como se tivesse acabado de partir. Sentia-me super bem a puxar. Passo por um companheiro e desafio-o: bora fazer abaixo das 5h30! Ele diz-me que não consegue e eu sigo forte. Sabia que não ia conseguir mas era UMA boa desculpa e estava-me a apetecer correr rápido aqueles metros finais. Faço a ultima curva e vejo a meta ainda a 400m e percebo que faltavam bem mais de 700m quando me lancei o desafio. Abrandei mas não muito, tinha a sensação que alguém estava também a acelerar mesmo atrás de mim. E estava mesmo, percebi depois quando cheguei. Não que me interessasse muito passar ou ser passado depois daqueles 43Km de areia em ritmo suave, mas pronto, é aquelas pequenas parvoíces que inventamos para nos entreter.


E lá se cumpriu a UMA com 5h34. O Zé terminou logo de seguida. Já tínhamos tido a informação do tempo do Eusébio Rosa pela Fernanda que se cruzou connosco ao encontro do Parro. Mais 20 minutos do que o ano passado, fruto do estado do areal e isso aconteceu de modo geral a quase todos os repetentes. 
A zona da meta é acolhedora com sombra, cerveja (preta que a branca foi para os primeiros e para os últimos já nem da preta), fruta e outras bebidas. Descansei um pouco, disse meia dúzia de parvoíces para descomprimir o cérebro e toca de ir ter com a família e os amigos que estavam ali mesmo ao lado de papo para o ar. Enquanto esperávamos pelo Luis Canhão foi altura de tomar o merecido banho quer de mar quer de sol e beber mais UMAs jolas para repor o nível. Chegámos mais ou menos a meio da tabela pelo que ainda assistimos e aplaudimos imensos companheiros.

Façamos então agora UMAs contas. A UMA é UMA prova única no nosso país e quiçá em todo o mundo. Toda aquela costa é de UMA beleza impressionante e está impecavelmente preservada. Natureza em estado puro. A Câmara de Grândola faz muito bem em acarinhar este evento que tem um potencial enorme de crescimento. A prova tem UMA logística razoável. 4 ou 5 autocarros chegaram para cerca de 500 participantes. O preço também é aceitável. Só por isto já vale a pena fazer a UMA. UMA ou muitas vezes. Tróia está também muito mais bonita e preservada do que a Tróia que me lembrava. Quanto à dureza da prova, ó meus amigos, derrubar barreiras e vencer desafios é o nosso nome do meio. A UMA não é nenhum bicho papão. Qualquer pessoa minimamente em forma consegue concluir a UMA, haja vontade e convicção para isso. As 8 horas limite não permitem fazer toda a prova a andar. Mas são perfeitamente compatíveis com grande parte a andar intercalada com algumas corridas e, mesmo este ano que dizem ter sido dos piores, tinha cerca de 25Km perfeitamente corríveis, equivalentes à maré vazia da Costa da Caparica. 


E porque é que faz UMA e duas e três e se volta vezes sem fim? Porque ao contrário de todas as outras, esta prova nunca é igual. É sempre no mesmo sítio, é sempre na mesma altura, mas a conjugação de tantos factores (meteorologia, areal e marés) faz com que se possa fazer todas as UMAs sem se repetir nenhUMA.  E para cada UMA vamos experimentar estratégias diferentes, melhorar as técnicas, repensar os preparativos em função do tempo. E como todos somos diferentes, cada um faz a sua UMA, mesmo estando todos a fazer a mesma. Creio que é isto que a torna UMA prova única. 

Com respeito e preparação (afinal é UMA prova com autonomia total, excepto 1L de água aos 28KM) é impensável não fazer a UMA e depois me dirão se tenho razão.

Vejam todas as fotos seguindo este link

Nota: este ano com medo da areia optei por usar UMAs mangas de UMA sweat shirt velha, de malha técnica. Literalmente vesti as mangas por cima dos ténis deixando o punho logo após a biqueira e prendendo a manga no cimo das meias de compressão. O sistema não é mau. Permite manutenção dos pés de forma fácil, a malha técnica para minha surpresa revelou-se indestrutível e resistiu até ao final. Quase nenhuma areia entrava, tendo em conta o trajecto que escolhi na zona de rebentação. Inconvenientes: o peso extra da água que o tecido inevitavelmente absorve. Quando voltar à UMA vou seguir o conselho de alguns craques. Sandálias e meias. Parece-me perfeito. Uns tempos antes faço uns Kms para testar e se os meus pés de donzela aguentarem bem este conjunto será a situação ideal logo a seguir a ir totalmente descalço. Que também é possível mas que exige muito tempo de adaptação dos pezinhos ao areal.

12 comentários:

  1. Uma imperdível crónica tão ao jeito do Paulo Pires. Parabéns pela excelente participação e pela forma tão perfeita e bem humorada como a descreves, o que, aliás, faz parte do teu estilo.E obrigado pela honra que me dás ao incluir a foto que me tiraste lá pelo meio do areal. Grande abraço.

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  2. Felicidades! menuda suerte poder correr junto al mar!

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    1. Põe no teu calendário para 2014. É uma experiência fantástica!

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  3. Magnífico relato, dentro do bom estilo habitual!
    Para o ano que vem lá estaremos para mais UMA!

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  4. Fiquei com UMA pena de não ter ido... Com este relato magnifico até parece que é fácil! Um abraço

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  5. Bonito relato Paulo, até parece que já és um "velhote" a percorrer aquilo, estão perfeitas as considerações feitas à volta da prova. Para as dificuldades que a prova nos impôs podemos dizer que estamos satisfeitos por a ter concluído, mas para um estreante ?? como tu foi excelente, revela também que os cuidados e o respeito pela prova foram respeitados na íntegra e por isso conseguiste sair de lá de bem contigo e com tudo o que nos rodeou. Abraço

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    1. É sempre um prazer receber elogios dos verdadeiros duros como tu. Grande fonte de inspiração que és amigo!

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  6. Esta prova é mesmo UMA aventura. Só ao alcance de muito poucos!
    Parabéns!

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