sábado, 5 de janeiro de 2013

Ronhill Vizion Storm Jacket

Rumo à UTMB 
(ou outra maluquice que envolva subir montanhas onde faz normalmente bastante frio e coisas piores)

Na minha participação no UTAT, cuja crónica está neste artigo e podem ler agora se ainda não o fizeram, aprendi várias lições. Uma das mais importantes é NÃO SE BRINCA COM A MONTANHA. Se algo corre mal na montanha, por melhor que seja a assistência que a prova tenha, podemos estar na melhor prova do mundo, se algo corre mesmo mal, é a nossa vida que está em jogo. Isto aconteceu pelo menos 2 vezes no final de 2012 com companheiros que perderam a vida por hipotermia, com condições que se agravaram subitamente em provas na Europa. E não eram pessoas inexperientes. 

Nunca se esqueçam que a montanha é impiedosa e imprevisível. Nunca ponham a vossa vida em risco na montanha. 

Para além de inúmeros factores a ter em conta, um dos mais importantes é o material que levamos. A protecção contra os elementos é fundamental. O equilíbrio é delicado. Não podemos levar um guarda fatos atrás. E também não podemos ir leves e arejados só porque o peso é fundamental. O equipamento que carregarmos é tudo o que separa o nosso frágil corpo dos agrestes elementos. E quando temos de passar uma ou mais noites na montanha a altitudes acima dos 2000 ou 3000 metros...

Infelizmente o equilíbrio é muitas vezes feito com material de topo, tecidos leves mas protectores, impermeáveis mas que permitem escoar alguma humidade. No UTMB a organização é extremamente exigente com as especificações técnicas do equipamento. Sobretudo dos casacos impermeáveis/corta-ventos. Há especificações detalhadas quando ao nível de impermeabilidade versus respirabilidade. Porque não faz sentido levar um oleado de plástico para não nos molharmos. Com o esforço o nosso corpo transpira e vamos ficar ensopados dentro dos casacos. É importante que o tecido permita eliminar um certo nível de humidade para o exterior, mantendo a chuva gelada do lado de fora do casaco. Gore-tex vem logo à cabeça. Uma fibra high-tech usada há muitos anos pela malta da neve. Supostamente só deixa passar a água num sentido. 

Com estes materiais de topo vêm sempre 2 coisas: as marcas de topo que os trabalham e usam nas suas colecções e com as marcas de topo vêm, pois tá claro, os preços de topo. Por isso não é raro os corta-ventos impermeáveis custarem 100, 200 ou 300€. Temos pena. 

Claro que se pensarmos que a nossa vida pode estar dependente de uma peça de roupa de 200€ nem pensamos 2 vezes certo? Ou nem pomos lá os pés (fora de questão) ou largamos o caroço e ficamos com a consciência tranquila pois não poupámos onde não devíamos. 

Mas também aqui se pode tentar o equilíbrio. Após o UTAT percebi que parte do problema que tive se deveu a não ter o equipamento adequado. O meu casaco era demasiado impermeável. Tendo em conta os requisitos do UTMB iniciei uma busca de um casaco que fosse simultâneamente em conta e com especificações correctas. Quis o destino, por várias razões, que tropeçasse novamente na marca Ronhill, da qual já tenho umas calças à prova de água de um material tão fino que cabem num bolso... de camisa :)
(também fazem parte da lista de material obrigatório para a UTMB). 

Zips perfeitamente impermeáveis
A minha escolha recaiu pois neste casaco da Ronhill. Com um preço razoável (actualmente em saldo na Amazon UK abaixo dos 100€) 

As primeiras impressões são excelentes. Leve, tecido respirável, bom corte. O capuz guarda-se na gola do casaco. Todas os fechos zip e todas as costuras estão muito bem vulcanizados. Tem um bolso com zip acessível do exterior e com ligação para o interior do casaco, para passar o cabo dos headphones por exemplo.

Drenagem de água nos cotovelos
Depois tem uns toques dados por quem de facto corre e lida com os problemas que surgem. O meu casaco actual acumula água nos cotovelos. É comum quando se esticam os braços para baixo ao fim de um certo tempo em prova sentir escorrer água pelos pulsos. Sinal da falta da respirabilidade. Este tem uns pontos de drenagem em cada cotovelo para permitir escoar a água em excesso. Excelente! Não há cá mais água acumulada nos cotovelos.
Depois tem uma janela no pulso esquerdo na zona do relógio para podermos consultar as informações sem ter de puxar a manga para cima. Excelente pormenor também, pequenos detalhes que parecem insignificantes mas que dão imenso jeito no terreno

Basta um olhar para consultar o relógio sem arregaçar a manga
E as especificações? Algum dia eu imaginava que ia andar a consultar especificações de tecidos? Ora esta! É que o regulamento da prova impõe especificações de respirabilidade do tecido do casaco. Tem de ser um casaco com um tecido membrana com um grau de respirabilidade RET < 13. Tá bem abelha. E agora? Ou compras um produto topo de gama ou então onde é que isto anda? Que fabricantes anunciam isto, para além das marcas de topo claro? A página do casaco da Ronhill anuncia, respirabilidade mínima 15,000 g/m2/24hours (MVTR). Ok, já não me basta especificações de respirabilidade, ainda tenho de converter unidades de respirabilidade? Vá lá que a wikipedia ajuda. Neste link aprende-se mais sobre respirabilidade de tecidos do que pretendíamos saber.
Aqui fiquei a saber que a membrana deste casaco está entre 6 e 8 excedendo largamente (para menos claro) a respirabilidade mínima. Ou seja o bicho respira bem. Está vivo.

TechnologiesRetB1A1
Non-coated fabrics2-425,000++Not applicable
MemBrain, and Gore-Tex Pro 2L-3L4-625,000+4,000 - 8,000
Gore-Tex PacLite, Performance 2L, Entrant HB, PreCip Plus6 – 815,000+8,000 – 15,000+
Gore-Tex Performance 3L, PreCip, MemBrain 10, Entrant GII7 - 1010 – 15,0005,000 – 12,000
Windstopper Softshell, Low end Entrant, most Softshells with film8 - 136 to 10,000Not applicable
A minha vida mudou depois desta lição de humildade, ou antes de humidade, que é do que se trata aqui.

Claro que há mais. A respirabilidade por si só num tecido é simples. A dificuldade e a tecnologia (e o preço) surge quando é necessário que a coisa só expire, ou seja que não inspire, ou seja que a água não entre. Então é preciso equilibrar a respirabilidade (para sair a humidade que o corpo gera) com a impermeabilidade para a água da chuva não entrar e borrar a escrita toda. Aqui a organização obriga a um mínimo de 10,000 Schmerber. Santinho! O site da Ronhill diz que este casaco suporta 10,000 mm Hydrostatic Head. Mau!!! Outra vez alhos e bugalhos? Mas aqui a coisa parece ser simples e 1 Schmerber é igual a 1 mm de coluna de água. Segundo este artigo fica-se a saber que o Schmerber era um Sr. francês que se lembrou de testar e medir estas coisas e daí o site da UTMB usar os Schmerbers e não os milímetros de coluna de água. Picardias francófonas.

E assim descobri que este casaco está de acordo com as especificações da organização. Foi interessante... e aprendi coisas que nem imaginava que existiam mas que depois de se analisarem fazem obviamente todo o sentido e poderão fazer também toda a diferença quando estivermos sós e entregues a nós próprios e às nossas escolhas e decisões, na montanha.

Claro que falta a prova de fogo que é ir testar a coisa. Obviamente não estou à espera de chegar seco a casa depois de um treino duro. Pois se sem casaco, que é o máximo de respirabilidade possível, já chego todo ensopado, não há milagres. É apenas um casaco não é um desumidificador. Mas logo que puder correr um pouco (actualmente estou no estaleiro em reparação) e quando estiver um dia daqueles de chuva torrencial voltarei aqui para vos dar conta do teste em corrida.

Para já deixo-vos apenas esta nota. Este é um excelente casaco que excede as especificações da organização da UTMB na questão da respirabilidade (que para mim é um factor muito importante) mantendo a elevada exigência de impermeabilidade. Resta dizer-vos também que o casaco é bem bonito e pode ser usado perfeitamente no dia a dia, claro que aqui depende do gosto de cada um. A não ser que arranjem aí uma unidade para medirmos isto também. Pode ser o "fuleiros". Numa escala de 0 a 10, este casaco apresenta um índice de 2 "fuleiros" :)

Se estiverem interessados usem este link  para comprarem na Amazon e, pagando exactamente o mesmo, suportam a elaboração destas análises.

10 comentários:

  1. Ora boas,
    muito bom este teu post e oportuno para a minha pessoa, eu que me vou iniciar nas andanças dos trails (vindo da estrada) e sendo inexperiente, já tinha andado a pesquisar sobre casacos impermeáveis e a confusão é tanta que não me entendo. Tb esbarrava muito nos preços altos que as marcas mais conhecidas pedem por um bom (???) casaco. Este teu estudo sobre a matéria ajuda imenso, e como és um gajo experiente acho que vou seguir o teu conselho - fico apenas a aguardar o teu relato sobre a primeira experiência prática com o teu novo brinquedo.
    Aquele abraço e boas corridas.

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    1. Obrigado. Ainda bem que foi util. Não foi fácil juntar as peças todas do puzzle mas acho que consegui. Só falta mesmo o teste que convém até ser em prova e não em treino. Mas neste momento não faço ideia quando volto às provas. Talvez nos Abutres...
      Bons treinos!

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  2. Boas obrigado pela ajuda...nem fazia ideia destes pormenores...a Ronhill tem este "Trail Tempest Jacket" (http://www.ronhill.com/trail-tempest-jacket-6), que é um pouco mais carito mas bem mais leve. Achas que vale a pena? Obrigado.

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    1. Na altura analisei os 2. Em termos de impermeabilidade e respirabilidade são identicos. Do que percebi este pesa menos uns gramas e consegue-se meter num dos bolsos que tem um elástico para o levares à cintura. Não valorizo muito estas características e por isso não me compensava pagar por um ainda mais caro. Além disso nesta gama de preços começas a entrar na gama das marcas de topo, tipo raidlight, salomon, north face, etc. e a escolha complica-se pois há muito mais oferta para comparar. Por fim, o sítio onde comprei só tinha o outro portanto este ficou excluído.

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  3. Excelente crónica!!! Há mt que ambiciono adquirir um bom impermeável e aqui está uma boa sugestão. Obrigado.

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  4. Fosse eu fabricante e estavas contratado para promover o produto, pois não há especificação técnica que te tenha escapado. Grande artigo. À Paulo Pires, só podia.
    Abraço.

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  5. Olá Paulo!!
    Como foi a sua utlização? Valeu a pena?
    Obrigada
    Beijos

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  6. Eu também estou interessado neste casaco, ou melhor, fiquei depois de ler o teu artigo. Como foi correr com ele vestido?

    Abraço

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  7. É verdade que não voltei a dar feedback da utilização deste casaco mas ainda não o usei numa prova onde o mau tempo o tivesse posto totalmente à prova. Ou vai guardado na mochila ou tenho-o usado apenas como complemente a uma camada térmica. Quer no Mont Blanc, quer na Cavalls del Vent o tempo estava excelente. De qualquer forma quem já o usou em condições adversas confirma que é excelente.

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