sábado, 1 de julho de 2017

O melhor que o Algarve tem - Parte 3 de várias


11 de Junho - Barranco do Velho - Messines - 50 Km

Acordámos todos partidos com a dureza do chão de pedra. Durante a noite, mesmo podre de cansado e de sono, não havia posição. De lado doíam-me as ancas, de costas doía-me o cu, de barriga para baixo já nem me lembro o que me doía. Mas lá se passou e agora era um novo dia e depois das articulações aquecerem a coisa estava pronta para mais. Tínhamos acertado os sonos, a modos que..., pelo menos as horas de deitar vá. Não podíamos continuar no registo anterior sob pena de dar o estoiro. Era muito cedo ainda para queimar o motor. 


No que toca ao calor, embora se esperasse um dia ainda mais quente, a experiência da véspera tinha corrido bem. Aproveitar ao máximo a manhã, resguardar durante e após o almoço, e logo que possível avançar até serem horas de jantar/dormir. Era este o registo que iríamos adoptar e com sorte iria funcionar. 30 Km de manhã e 30 Km à tarde, mais coisa menos coisa. Ao contrário do dia anterior que estava mais ou menos planeado, este era território desconhecido e àquela hora não fazíamos a mínima ideia de como as coisas se iriam desenrolar. Sabíamos apenas que o trilho e o cabo de S. Vicente esperavam por nós, portanto ala que se faz tarde.

Os 15 Km que nos separavam de Salir eram maioritariamente a descer, e que grande descida nos aguardava durante 5 Km. Isto após alguns Kms iniciais quase em plano onde pela primeira vez se via o mar. Que paisagem brutal. O dia estava de novo espectacular e prometia muito calor. Junto ao moinho, antes de começar a descer, passo por um caminheiro que tínhamos encontrado em Cachopo a almoçar. Fiquei a pensar que devíamos ir mesmo lentos, bolas, se torno a passar por este tipo, desisto desta cena do trail running e dedico-me às caminhadas. 

Depois de descer e num pequeno engano o Zé apanha-me e seguimos juntos até Salir. O restante percurso é mais plano e alternamos entre correr e caminhar. O calor já aperta. Encontramos um dos organizadores da AUL (Algarviana Ultra Trail) a treinar que fica entusiasmado quando sabe que estamos a fazer a Via. Pergunta-me se era eu que tinha andado a falar nisso no facebook e mais entusiasmado fica quando lhe dizemos que vai connosco o Trindade e o João Faustino (o João vai fazer a AUL em Novembro). Estamos agora em trilhos do UTRP, quase a chegar a Salir. 

Salir seria uma paragem determinante para definir o resto do dia. Aí ficámos a saber que Alte tinha uma praia fluvial fantástica. O Trindade liga para a prima e "convence-a" a ir ter connosco a Alte com 50 cervejas, chouriços, queijo, presunto e pão. Quase por sorte calha em conversa com o Bruno o local para dormir, ao que o Bruno sugere falarmos com os bombeiros de Messines quando lá chegarmos porque são impecáveis e costumam deixar o pessoal pernoitar no quartel. E assim, do nada surgiu, grosso modo, um brutal plano para esse dia. Nada mau na teoria, logo se verá a prática como corre.

© José Santos
Estivemos tempo de mais em Salir numa esplanada de um café em que a simpatia não estava incluída no serviço. Iríamos pagar o preço nos 15 Km que nos separavam da praia fluvial de Alte. Inicialmente por pomares e junto a pequenos terrenos férteis, o trilho isola-se e sobe um barranco num estradão largo de cascalho branco. A subida era dura mas pior ainda foi fazer todo aquele estradão no cimo do barranco com o cascalho branco a reflectir ainda mais o já insuportável calor. Escusado será dizer que não havia uma única árvore com sombra. A água estava quente. Foi um alívio abandonar o cimo do barranco, mais o cascalho branco e voltar a trilhos tradicionais à medida que nos aproximávamos de Alte, que ao contrário do que se pensa não fica "lá no alte..." Alte está encravado num vale.

© João Faustino
Fica uma dica para travessias com muito calor: levar saquetas de chá verde! Já que a água está quente com sabor a chá marcha melhor. Esta dica não foi testada mas foi uma sugestão da Dora e faz todo o sentido. Fica na calha para a próxima.

Em Alte tivemos um vislumbre do paraíso. Deve ser mais ou menos isto: relva, sombra, cheio de mines, chouriços, e presunto, muito calor e banhos fresquinhos. Aí descansámos antes de retomar o percurso para Messines.

As imagens falam por si, o resto vocês imaginam. Ficámos com uma enorme dívida de gratidão à Sara que veio de Olhão carregada com um brutal reforço e só espero um dia poder retribuir tamanha generosidade, espero que em Nova Iorque. Era bom sinal. Eu sei que ela acha que somos loucos e veio porque não se devem contrariar malucos, mas ainda assim foi obra. Obrigado em nome de todos!!! Top!


© João Faustino
© João Faustino
Mas tudo o que é bom acaba depressa. E tal como o Adão e a Eva lá tivemos de abandonar o paraíso, expulsos sem sequer termos cometido o pecado original, até porque nem seria original e hoje em dia já nem é considerado pecado. Nem entre 7 gajos.... Credo!!! Chega desta linha de raciocínio.

© João Faustino
O percurso até Messines foi penoso. Muito plano a exigir muita corrida. Ao princípio ainda deu para uma chinchada às laranjas que foram a sobremesa em falta ao almoço. Mas depois de passarmos por baixo da A2 e da Via do Infante a aproximação a Messines é um flop total. Voltinhas e mais voltinhas em que já não se percebe se estão a encher chouriços para dar 300Km com um percurso tão sem nexo, ou se não há mesmo alternativas mais válidas. 
© João Faustino
Salvou-se o final do dia com o Eduardo que foi à frente, tratou de escolher um belo restaurante e falou com os Bombeiros voluntários que nos receberam de forma acolhedora. Depois de um reconfortante bife numa esplanada com aquelas noites algarvias de calor a fartar e um revigorante banho nos Bombeiros, a caminha que nos esperava foi melhor que qualquer Hilton.
© Luis Matos
 O pessoal estava tão cansado que nem os roncadores habituais tiveram forças para tocar trombone durante a noite. 

E assim fechámos mais um dia. Tudo se resolveu e acabou por decorrer conforme o planeado, diria mesmo, melhor que o planeado. Amanhã esperava-nos um dos dias mais duros com a subida para Monchique para além de enormes etapas sem pontos intermédios ou sequer água. Um dia de cada vez, logo se vê quando lá chegarmos. 

Vejam mais fotos neste post do  Eduardo Lourenço no Facebook 

(continuar para a parte 4)

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