Esta prova a 2horas de Lisboa mereceu, desde que foi anunciada, uma atenção muito especial da minha parte. Por um lado porque era organizada pela Associação O Mundo da Corrida, por outro lado porque estas coisas que estão a começar merecem um carinho muito grande de todos nós. Depois as outras questões que encontramos em qualquer outra prova de trail; a natureza, o tecnicismo, a dificuldade, etc.
Tratámos de juntar o útil ao agradável e lá agendámos um fim de semana familiar por terras de Sicó. Assim evitávamos sair muito cedo de Lisboa e fazer 4 horas de carro no mesmo dia... com mais 3 a correr... Assim sempre íamos mais descansados e podíamos desfrutar um pouco mais da zona.
Quanto ao desfrutar da zona, a porcaria da tempestade que se abateu sobre Portugal quase que estragava tudo, quanto mais apreciar a zona. Tivemos de esperar pelas primeiras horas do dia e seguir o fenómeno com bastante atenção, dados os ventos ciclónicos que estavam a anunciar, e todos nos lembramos bem do que aconteceu no Natal na zona de Torres Vedras.
Lá decidimos que a coisa estava a passar e metemo-nos ao caminho. Mas em vez de seguirmos pela A1 seguimos pela A8…. Há já uns tempos que queríamos visitar o Solar dos Amigos no Guisado… Que maravilha. Nem mesmo o facto de o restaurante estar às escuras e com um forte vendaval a ameaçar levar o telhado pelo ar, nos impediu de perceber que ali a gastronomia é assunto sério. Uma ou outra falha, mas trabalhar sem luz, com tanta gente à mesa e não deixar as pessoas apeadas… só isso já demonstra muita coisa. Comemos muito, mas muito bem. Bem demais para os 30Km do dia a seguir… mas adiante.
Chegados a Condeixa e depois de deixar a trouxa na Residencial Ruínas (que de facto tinha o conforto necessário para descansar o esqueleto por umas horas) lá fomos buscar o dorsal e trocar umas breves palavras com a organização. A chuva continuava a chatear aqui e ali, e pouco havia já para visitar dada a hora, a falta de luz em alguns locais, bem como o dia que chegava ao fim.
Não é que nos apetecesse muito jantar, depois do excelente almoço, mas lá nos dirigimos ao sítio que tinha sido referido por 2 ou 3 vezes no tópico do fórum, o restaurante Pariz da Ti Isaura em Campizes. E deixem que vos diga que foi outra experiência fantástica. A simpatia, genuinidade, e boa comidinha que nos serviram não serão esquecidos. Pena tenho de, na altura que o Eduardo referiu que eles também tinham quartos, não ter trocado imediatamente a reserva que tinha, para ali. Claro que na residencial Ruínas estávamos a 200 metros da partida mas ali tínhamos sido tratados como lordes. Bom, mas não se pode saber tudo à partida… portanto para o ano, se não fôr dormir ao pavilhão, é com muito gosto que ficarei em casa da Ti Isaura. E as enguias, que só provei no final, ficam também desde já reservadas. Só por isto já vale a pena voltar ao Sicó para o ano. E não estou a brincar ou a exagerar.
Não se esqueçam de organizar que eu lá estarei a fazer a minha parte.
Antes da caminha e embora o SLB estivesse a jogar ainda foi preciso desmoer a comida da Ti Isaura numa pequena volta por Condeixa. Gostei da ribeira que ia cheia e que desaparece por debaixo da praça principal para aparecer uma centena de metros bem à frente. Gostava de investigar melhor a coisa. Mas a praça era pequena e era preciso ir ver o Tri Maria. Ainda testei a estanquicidade das minhas botifarras no lago (passou no teste mas sem distinção raio do material mais em conta)
Na manhã seguinte, percebi que a organização era tão boa que até tinha conseguido uma manhã linda, céu azul, sol a brilhar. Quase fazia esquecer o frio que se sentia. Não encontrei ninguém conhecido na zona da partida, tirando 2 ou 3 colegas da equipa. O resto do pessoal com que gostava de ter conhecido e com quem tinha gostado de trocar algumas palavras devia andar ocupado com coisas bem mais importantes para fazer. Assim lá tivemos de partir. Quase 300 pessoas para um trail de 30 Km. Muito bom!!!!
Os primeiros Km’s em pelotão, com passagem por dentro de Conímbriga, um mimo. Se os romanos imaginassem o raio dos lusitanos a espezinharem-lhe a casa...
Depois de passarmos a 1ª ribeira as coisas começaram a aquecer, ainda com pernas para as primeiras subidas. A paisagem desfilava diante de nós. Gostei muito daquela 1ª parte antes de passarmos junto a novo ribeiro (seria o mesmo?) e começarmos a amarinhar pela serra acima num trilho de muita pedra solta que nos impedia de desfrutar da paisagem em condições. Não era possível correr ali. A forte inclinação e colocar mal um pé podiam deitar tudo a perder. Pelotão ainda muito compacto. Este trilho é a loucura de qualquer geólogo tal a variedade, qualidade e quantidade de pedras, aflorações rochosas, pisos empedrados, pedras empisadas eu sei lá. Depois de uma zona muito engraçada de pedras semi enterradas no Km6, estávamos quase a conquistar o 1º pico veio uma forte descida que fizemos a grande velocidade (relativa claro) que exigia uma atenção constante. Cada passada exigia uma escolha de fracções de segundo para decidir onde assentar cada pé. Dada a forte inclinação e o estado do piso, era um misto de risco, loucura e rapidez de reflexos para manter todo o corpo síncrono na escolha dos melhores spots. Seguíamos em pelotão de 5 ou 6 em fila serra abaixo. A delicadeza, velocidade e precisão de cada passo trouxe-me a imagem da minha avá a tricotar. Os pensamentos que nos passam pela cabeça nestas alturas.
Muito cansativo, não fisicamente mas porque o oxigénio não é muito e qualquer erro aquela velocidade não costuma ter um final feliz. A partir daí segui sozinho, às vezes lá me encostava aos tipos da frente outras vezes os de trás apanhavam-me mas lá íamos progredindo.
Ao Km 11 um bom reabastecimento onde parei durante 1 ou 2 minutos. Estava um pouco abatido. Tinham sido 3 Km’s sempre a subir e depois um troço daqueles para descansar (leia-se subida em modo caminheiro). Também tinha um dedo a chatear-me a cabeça e só tínhamos 1/3 da prova feito. Mas lá segui a subir mais 1 Km até novo pico. A partir daqui vinha a zona das lajes escorregadias. Bem tramadas mas com jeito havia espaço para as evitar. Bem traiçoeiras que eram ali a pedir para pormos os pezinhos e zuuuutttt!
Lá em baixo começamos a cruzar-nos com os craques que já tinham ido ao pico seguinte (aero-geradores) e voltado para baixo. Bela subida para estragar a média. 2Km em que poucas vezes saí do modo caminheiro. Nova descida onde oiço alguém dar-me força. Troquei a garrafa de água e no meio do cérebro nebulado lá vi o Tiago que estava naquele ponto. Atabalhoado agradeci e segui a pensar… “olha, era o Tiago”.. ;) nestas alturas o pouco que há está a ser usado a 100%.
Já com 18 Km era altura de ligar o modo eco-run. As subidas íngremes sucediam-se com as descidas que já me faziam doer os dedos dos pés (sou um desgraçado dos pés que é outro dos meus pontos fracos). Já a pensar nos trilhos de Almourol e a pensar que era maluco por me ter inscrito em 2 seguidos. Aquelo já me estava a custar tanto. Outro no próximo fim de semana? Tás PARVO?
Os abastecimentos melhoravam a disposição. Umas graçolas para descontrair. Uma fruta, vertia uma lágrima pelo queijinho e siga.
Gostei muito de toda aquela descida (óbvio) pelo meio das quintas, muros, até que ao km 22 ainda, antes de entroncarmos com os caminheiros, uma cãibra na perna direita aparece e me cumprimenta. Paro, alongo, tento recomeçar, cãibra. Paro, alongo e lá tento seguir sem acordar a bicha. Meio manco sem saber se eram as subidas ou as descidas que a estavam a enfurecer lá consegui prosseguir. Alguns Km’s depois desapareceu tal como apareceu. As cãibras são assim. Felizmente consegui que não se instalasse pois caso contrário é muito doloroso.
Depois foi começar a apanhar caminheiros já no Km 23 ao mesmo tempo que o traçado começava a descer para Condeixa. Cómico foi ir a passar por uma data de caminheiros e começar-me o telefone a tocar. Desde que uma vez caí, sozinho, num treino nocturno, percebi a importância de levar sempre um mini-gingarelho para qualquer eventualidade (para os amigos é o micro fone). Tinha combinado com a Dora fazermos um ponto de sincronismo para se perceber quanto tempo poderia fazer. Claro que sem parar de correr lá atendi e fomos ali umas centenas de metros a falar "Como é que isso vai, Onde estás, Quanto tempo, etc. etc." Desconcertante no mínimo :)
O ultimo abastecimento cheio de caminheiros parecia uma festa, tal era a algazarra que por ali ia. Já nem parei nesse. Queria chegar e acabar com a coisa rapidamente. Faltavam 2 Km e pouco para a meta. Um companheiro diz-me que afinal não eram 30km e picos mas sim 32Km e qualquer coisa. Estranhei. Disse-lhe que levava o percurso no relógio e que tínhamos estado a seguir a coisa sem tirar nem pôr e que estávamos a pouco mais de 2Km. Que não. Que tinham alterado o percurso para 32Km e tal. Achei aquilo tudo estranho e lá segui um pouco apreensivo. Não me apetecia fazer mais 2 Km… Mas como se veio a confirmar o companheiro estava baralhado. Não houve alteração alguma. E foram 30Km e 200 metros.
A meta lá estava. A minha trupe teve dificuldade em estacionar à ultima da hora pelo que cheguei ali uns minutos antes da apoteose familiar… Mas nada que um atleta não saiba ignorar até porque ficaram um bocado tristes de não me ter visto chegar.
Mas foi bom na mesma.
Mau mesmo só o meu Garmin que embaciou e dificultava-me imenso saber a quantas ia. Ignorei o assunto. Apenas o facto de saber que ia no trilho certo me dava conforto e claro o passar dos Km’s um após o outro. Tenho de ver se resolvo este problema da humidade dentro do relógio que teima em surgir nos momentos mais inoportunos. Mas deixem que vos diga que o trilho era tão técnico que entre ver a vista e onde se punham os pés não havia tempo para perder com mais nada.
Depois do banho com água a roçar o mínimo exigível, mas ainda assim sem estar fria. Lá fomos comer a feijoada. Devem ter pago pouco cachet ao S.Pedro porque mal acabámos de comer e nos preparávamos para ir arruinar um pouco mais as ruínas a chuva começou a tirar a barriga de misérias e só parou para aí em Leiria. Gostávamos de ter ficado mais um pouco e visitado Conimbriga... mas como para o ano há mais e este ano não pudemos ir lá, para o ano O Mundo da Corrida vai conseguir arranjar na mesma umas entradas para visitar a cidade.
No caminho para baixo ainda tentei convencer a Dora que o carro conhecia bem a A1 e que ia só fechar os olhos um bocadinho para ajudar a feijoada a digerir mas não tive sucesso.
Só falta mesmo dizer que fiz um tempo oficial de 3h7m e a discrepância para o tempo de 3h3m do track que registei se deve a ter o GPS em auto pausa que pára o cronómetro quando paro. Mais uns segundos de lag para a partida oficial, devo ter estado uns 3 minutos nos vários reabastecimentos.
Até para o ano no II. Obrigado ao Mundo da Corrida. Visitem a página da Associação e chorem por não terem lá estado ou deliciem-se em rever as imagens. Seguramente a não esquecer.