quarta-feira, 12 de julho de 2017

O melhor que o Algarve tem - Parte 5 - Tá quase

(voltar à parte 4)

13 de Junho - Monchique - Raposeira - 70 Km

O dia em Monchique amanhece cinzento e ventoso, o céu carregado de nuvens apressadas. Tréguas enfim! Parece que vamos finalmente ter um dia sem fornalha. Repenso a fatiota que tinha planeada. Íamos subir à Fóia e se calhar aquela camisola de alças.... Felizmente ainda havia outra opção na mochila, relativamente pouco mal cheirosa.
© João Faustino
Se me perguntassem que dia era, não fazia a mínima ideia. Fora das rotinas, sem outras actividades para além de progredir, comer e dormir, perdemos a noção do tempo. Nem o dia da semana. Seria preciso contar desde o início e fazer a viagem mentalmente para me situar no tempo. Sabia que faltava apenas um dia completo, e no dia seguinte seria apenas a manhã. À tarde estaria em Lagos e à noite no Pragal. 

O grupo está de novo completo depois do Melo e do Luis Matos terem descansado na etapa anterior.

© João Faustino
Seguimos para a Fóia sempre a subir. Está fresco, para variar, e à medida que subimos entramos nas nuvens o que dá aquela sensação de nevoeiro. Está um vento forte que àquela altitude e quando não estamos protegidos pela serra, nos obriga a correr para aquecer. 

O percurso não passa no miradouro da Fóia e a poucas centenas de metros o percurso diverge e optámos por nem  ir até lá, já que só haveria nevoeiro para ver. Começamos então a descer para Marmelete. Mochila bem estivada que a descida vai ser longa e rápida. Passámos pelos bombeiros que faziam o rescaldo do incêndio do dia anterior. A área ardida que vemos era relativamente pequena, mas encostado na berma um auto-tanque ligeiro totalmente carbonizado mostra que a coisa deve ter estado complicada. Felizmente o dia estava húmido e cinzento e iria seguramente ajudar ao rescaldo.

© João Faustino

© João Faustino
Se no dia anterior as paragens tinham sido óbvias e tranquilas, em 2 cidades com várias opções, já o dia de hoje oferecia muitas dúvidas. O mapa indicava 15 Km até Marmelete (demasiado cedo para almoçar) e mais 30 até Bensafrim (já demasiado tarde). Pelo meio uns lugarejos com meia duzia de casas onde dificilmente nos íamos safar. Apontámos para Pincho. Epá Pincho tem nome de que há-de haver petisco...! A olhômetro ficava 10 Km antes de Bensafrim. À falta de melhor Pincho era perfeito!!! Embora nem soubéssemos sequer o que haveria em Pincho, para além de uma duzia de casas perdidas à beira da estrada.

Depois de uma paragem para um café em Marmelete lá seguimos viagem com destino a Pincho. O percurso é pouco interessante depois de Marmelete. Muita estrada, estradões, mais uma barragem, a da Bravura (nem fazia ideia que havia tanta barragem no Algarve) e embora junto à estrada fossem surgindo umas tascas onde provavelmente nos safávamos, era ainda demasiado cedo.

Claro que quando começou a chegar a hora de repor energia, já as tascas eram uma miragem. Seguíamos agora por estradões de terra batida perdidos algures no Algarve profundo. E Pincho? Nada, É ali? Nahh. É agora... nahh! O trilho passava na realidade por trás de Pincho que ficava no alto. Confirmo no telefone que aquilo era Pincho lá em cima, as traseiras de Pincho. Será que alguma daquelas casas é um café, ao menos? O trilho sai do estradão e entra no alcatrão. A estrada começa a curvar e vai subir. Vamos passar em Pincho e em breve saberemos. Mas eis que a via nos manda para novo estradão e lá se ia o Pincho... Quem é que vai lá acima num instante ver se há algum café em Pincho? Tá quieto. Vai tu. Vai tu... De repente uma placa esclarece tudo. Snack Bar a 200m. Brutal! Vamos a ele!

© José Santos
Lá chegados e sem grandes cartazes, mal se percebia que era ali, lá entrámos. Podemos almoçar? Era uma sala enorme, estilo simples e despido, a condizer com o lugar. Um biombo impedia uma noção rápida da dimensão do local. Um grupo de pessoal da zona almoçava em mesas de plástico. A Sra. atarefada responde que o almoço ali era só com reserva.... caiu-nos tudo. Então e não se arranja qualquer coisinha para trincar. A malta tá com uma galga que rói tudo o que houver. Bom, só se for Javali, responde ela. Incha! Mas isso nem se discute!!! Venha de lá esse suíno.

Levaram-nos para uma sala recatada, aí sim, revestida a pedra por dentro, mobiliário e ambiente rústicos. Um grupo de 12 velhotes ingleses almoçava. Bom, a verdade é que tínhamos acabado de descobrir mais uma pérola da gastronomia do Algarve interior, o Solar do Pincho, uma casa sobejamente conhecida na região, famosa também pelo javali que serve. E que pitéu fabuloso. Guisado, com um molho muito bem apurado, um espectáculo. Não estranhei quando a dona nos disse que no feriado ia ter um almoço para 130 pessoas. Nunca tinha comido um javali deste calibre. Só não ponho um link para o site porque não há site, não há facecoiso, não há nada. Só boa comida. O Google sabe onde é. 

Refastelados, ficámos cá fora na relva. O dia estava nublado e estava-se ali bem a digerir o javali.

Como o dia estava fresco não foi preciso muito para nos metermos ao caminho e sempre íamos moendo o javali. Passámos Bensafrim, que era o ponto mais perto de Lagos em que poderíamos, se estivesse a correr mal, abandonar a viagem e regressar. Mas acho que ninguém sequer se lembrou disso. A seguir veio Barão de S. João, uma terra completamente fora do baralho. Um local com uma identidade muito própria e alternativa. Uma aldeia perdida com uma enorme comunidade estrangeira, onde quase que há mais bares que habitantes locais. A ultima antes de mais uma longa travessia desértica.

© João Faustino
O João já não o víamos desde manhã. O Luis Matos vinha no seu ritmo e não nos ia apanhar. Sem sabermos bem onde jantar ou passar a noite, tentávamos optar pela melhor estratégia. Uma coisa era certa, era preciso seguir viagem. Não podíamos ficar por ali e agravar a ultima manhã com uma carga de Kms pouco razoável. Depois de muita discussão, sem consenso mas com resignação, lá comprámos algumas coisas na mercearia e metemos ao caminho. Sabíamos que nos próximos 15 Km não haveria nada. A noite haveria de cair. Jantar já tínhamos, dormir logo se veria onde.

© João Faustino
Foi penosa a travessia daquela zona. Estradões sem fim, eólicas, poucos ou nenhuns locais para poder esticar o saco cama nas bermas. Depois de pararmos para jantar e a caminho dos 70 Km o moral já era baixo. Ou discutíamos uns com os outros, ou era das dores. Já ninguém via a hora de encostar o esqueleto algures e descansar umas horas.

Finalmente o estradão atravessa a estrada nacional e saímos daquela zona. Rumámos à Raposeira em busca de um canto que nos permitisse descansar um pouco. Depois de procurar um local recatado, e sem cães a ladrar lá demos com uns excelentes aposentos: o parque infantil da Raposeira. WC's públicos abertos e impecavelmente limpos, chão de plástico rijo mas um pouco melhor que pedra, o que se pode pedir mais após 70 Km? Cada um escolheu uma diversão e esticou o saco cama. Fiquei debaixo do escorrega.

A parte boa é que faltavam cerca de 20 Km para cumprir na manhã seguinte. Demasiado cansados para euforias lá se ia tentando dormir, entre um grupo de ingleses alarves que urrou até às 4 da manhã numa esplanada de um hostel e que se ouvia na aldeia toda, o sino e a estrada nacional ali mesmo ao lado, acho que ainda fechei os olhos meia duzia de vezes.

Vejam mais fotos neste post do  Eduardo Lourenço no Facebook 

(continuar para a ultima parte)

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