segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Haute Route - Dia 4 - Gite de Moiry - St Niklaus



Acordámos com a profecia do nosso anfitrião cumprida. A França ia ser a nossa adversária na final. O raio do homem tinha razão. 

Descemos para um pequeno almoço buffet de alto nível. Tudo o que um trailer precisa para enfrentar mais um dia de 3000 m D+ em grande quantidade e de excelente qualidade. Os lacticínios eram todos oriundos da zona, produto das vaquinhas que encontrámos pelo caminho e dos fantásticos prados de altitude que embelezam as  paisagens e as fotos. Que grande pequeno almoço! 

Jà sem espaço para uma migalha que fosse metemos pernas à obra.
O primeiro col era simples. Quase se via do refúgio se soubéssemos onde era. 600 m D+ com forte inclinação que nos fazem abrir logo a pestana e o pulmão, mas havendo pernas se fazem rapidamente. O Corne de Sorebois a 2850 tinha uma vista fabulosa. Nunca me tinha passado nada assim pela alma. Uma visão 360º de picos cobertos de neve, a melhor paisagem da viagem. Não é possível captar este momento único da viagem. A sensação de estar ali quase aos 3000m a vislumbrar aquele cenário quase circular de montanhas em nosso redor, o tempo relativamente calmo, uma tranquilidade absoluta, arrepiante!


Era às 9? Mas ainda bem que o perdemos
Iniciamos a descida e a ideia era apanhar um teleférico para o qual o nosso anfitrião da véspera nos tinha oferecido bilhetes. Isto com o intuito de poupar algum tempo numa viagem que adivinhávamos longa. Como só tinha sido possível tomar o pequeno almoço às 7h poderíamos poupar algum tempo na descida. Afinal a descida até Zinal era mais uma descida, certo? Errado....!
Perdemos o teleférico graças à pontualidade suíça. Era às 9h e chegámos, por sorte, às 9h, como comprova esta foto. Claro que não fazíamos ideia do horário da coisa. Mas esta foto comprova a nossa pontualidade. O próximo era às 10h. 1 hora? Là se ia a nossa poupança. Siga para baixo. Afinal é só descer 1200 m em 6 Km... pfff, o que é lá isso!


Há males que vêm por bem e assim foi aqui. Ainda bem que perdemos o raio do teleférico. Rapidamente abandonamos o estradão e começamos um vira que vira descendente por relva e bosta de vaca. O declive é enorme mas o comboio vai desenfreado. 
Quando chegamos à altitude em que as árvores começam a surgir o verde toma conta da paisagem. Descemos a grande velocidade naquela mar de cores. O sol já expulsou as nuvens matinais e parece que o trilho vai explodir de vida. Há medida que nos aproximamos de Zinal o trilho ganha adereços, pontes, cascatas, tudo passa em grande velocidade tal a euforia que se apoderou de nós naquela descida. Cá em baixo sumarizo a coisa e declaro peremptoriamente, este é o trilho mais belo do mundo. Estava extasiado! 



Para verem o percurso bem como todas as fotos do dia georeferenciadas, explorem a aventura no Garmin Adventures clicando no símbolo (abre uma nova janela e podem continuar a ler)

Em Zinal nada havia a fazer e como nos aguardava o 2º col do dia aos 2900 m e estávamos aos 1700 m se calhar o melhor era encetar a bela subida. E encetámos!

Iniciamos a subida que se dividia claramente em 3 partes distintas. Uma primeira parte de floresta com forte inclinação, tipicamente as paredes que se vêm cá de baixo do vale.






Depois iríamos contornar uma montanha com um pouco menos de inclinação mas sempre a subir e por fim o ataque ao Col de Forcletta de novo perto dos 3000 m. Sigo com o Eduardo e ainda ensaiamos umas corridas nas zonas mais planas do percurso. Antes da subida final por volta dos 2600 m um covão gigante com todas as paredes bem recheadas de neve antecipam o que vamos encontrar.




Passamos um grupo de 3 companheiros, mais lentos mas muito mais bem equipados do que nós. Começamos a atravessar grandes zonas com neve que dificultam por vezes o regresso ao trilho. Mas mais engano menos engano lá vamos conseguindo ir encaixando no trilho.


Quando por fim chegamos ao Col de Forcletta o cenário deixa-me perplexo!!!! Do outro lado esperava-nos uma descida quase a pique, mas como se não bastasse, totalmente coberta de neve. Diria que um pendente inicial de 60 a 70% nos primeiros 20 metros descendentes. E o pior era que se algo falhasse a escorregadela de várias centenas de metros acabaria travada por enormes blocos de pedra na base deste covão.


Depois de apanhar o queixo do chão penso, mas como é que a gente vai descer aqui??!?!? Não conseguia ver pegadas de passagens anteriores. Medo! Depois com mais atenção reparo que, um pouco para a esquerda, desviado do col, há uma zona onde já alguém tinha passado… poucos demais.

Como voltar para trás estava fora de questão era inevitável abordar o assunto com sangue frio. Os bastões ali de nada serviam. Em caso de escorregar iriam ceder de imediato ao peso e partir e nem sequer me conseguiriam suster. Descer com o rabo no chão poderia ser uma solução com o atrito das pernas e com muito cuidado não deslizaria para muito longe. Mas a neve estava gelada, obviamente ia congelar o rabo. As mãos sem luvas também não iam ser grande ajuda. Num instante iriam gelar. As luvas estavam no fundo da mochila seria preciso voltar um pouco atrás e tirar tudo para fora já que ali já não me atrevia a tão complexa manobra. A solução passou por baixar o centro de gravidade ao máximo e de cócoras e cravando alternadamente os bastões dobrados na neve, lá fui passinho a passinho, vencendo os primeiros metros de forte desnível e a parte que metia mais respeito. Quando a inclinação melhorou já foi possível levantar-me e progredir normalmente. Escrito parece simples mas foi de facto um pouco assustador. Um momento de muita adrenalina… Depois foi só ficar a fotografar o pessoal. 

A descida para o vale mais selvagem e preservado de todos os que atravessámos decorreu sem outros percalços. Seguíamos juntos o Luis Matos e o Hugo e eu. O vale era de uma beleza selvagem incrível. Aqui o preservado não significa que algo estivesse por preservar nos outros. É preciso que se diga que ao longo de 5 dias e quase 200 Km de trilhos e montanhas, não vi um papel no chão, sequer algo que se pudesse parecer com lixo ou entulho. Uma coisa inacreditável quando no nosso país, salvo raras excepções, quando saímos dos locais mais acessíveis (onde o lixo e o desmazelo é o habitual) nos locais mais remotos é o entulho selvagem e ilegal que perdura. Mas não vou perder tempo a bater nos porcalhões do costume.


Talvez não tão ocupado ou transformado pelo homem explique melhor a paisagem deste vale. Poucas e pequenas aldeias, quase sem estradas, era isso que nos era dado a ver cá de cima e enquanto descíamos ao longo dos 1000 m.

Cá em baixo foi só o tempo de reabastecer de água em mais uma das fontes geladas e sempre presentes literalmente por todo o lado, antes de atacarmos a ultima subida do dia.A pequena aldeia de Gruben parecia saída de uma fábula. O calor aquela hora do dia fazia-se sentir a sério. Felizmente esse problema ficaria resolvido à medida que subíssemos os 1000 m que nos separavam do col seguinte.


Este ultimo col não foi fácil de conquistar. Alguma neve no acesso final fez-me sair completamente do trilho e escalar por rochas. Às tantas o Hugo que vinha um pouco mais atrás dizia-me para voltar ao trilho, mas eu estava a ver a placa que estava no col e tentei abreviar caminho pelas pedras em vez de voltar atrás. Correu bem...



Ao longe a montanha anterior que passámos 


Faltava agora, apenas descer para St Niklaus. Mas a descida estava longe de ser fácil. Sabíamos que eram 1700 de desnível negativo mas não contávamos com o troço mais difícil de todo o percurso. Embora houvesse alguma neve a dificultar a progressão, eram sobretudo as pedras infindáveis que nos causavam problemas. Não havia trilho, apenas um mar de pedras sem fim. Trepar, escalar, equilibrar, procurar as marcas nas pedras. Muito massacrante esta parte. A paisagem era terrivel. Calhau sem fim. Montanhas de calhaus. Uma coisa indescritível

Por vezes íamos a ver a montanha do lado verdinha, ali à nossa beira, mas a nossa autoestrada de pedra não dava tréguas. E mesmo quando começámos a ver o vale lá em baixo ainda nos aguardavam muitos Kms de pedras. Não conseguíamos descer dos 2500 m durante vários Kms. Já sabíamos que a descida final seria bem empinada com 1200m em 7Km. Finalmente poderíamos acelerar

Quando chegámos ao hotel as imperiais, para além de serem as mais baratas do percurso até ali, souberam pela vida. Banhinho tomado e uma esplanada com imperiais enquanto esperávamos pelos restantes membros da comitiva. Parecia irreal. Foi um dia extremamente duro. Principalmente esta descida final que durou várias horas a exigirem uma entrega total, uma atenção contínua, às pedras, à neve, e por fim 7 kms rápidos mas com um desnível demolidor. A simpatia da proprietária do hotel fez-nos sentir quase em casa, sendo que uma das funcionárias portuguesa tratou de garantir que estávamos mesmo em casa.

Zermatt estava agora no final do vale. 20 e poucos Kms nos separavam de Zermatt se fôssemos pelo vale, mas já se sabe que a malta gosta de dificuldades.... Amanhã vai ser um dia para corações de aço!

O parcial do dia marcou 48 Km com 3000 m D+ (em 11h)
O total vai em 133 Km com 9000 m D+ (em 30h e 50m)

Falta 1 dia...

(post seguinte Haute Route - Dia 5 - St Niklaus – Zermatt via Europaweg)

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