quarta-feira, 5 de março de 2014

TransGranCanaria 2014 - Como atravessar uma ilha em 133Km




A Gran Canaria é a 3ª maior ilha e a 2ª mais populosa de um arquipélago de 7 ilhas principais situado a Sul da Madeira, quase ao lado da fronteira de Marrocos com o Sahara Ocidental. A Gran Canaria tem mais de 800.000 habitantes e todo o arquipélago tem mais de 2 milhões de almas. Não são propriamente ilhéus.

Já conhecíamos Tenerife e Lanzarote de outros tempos, mas a Gran Canaria nunca tinha saído na rifa. Por isso não foi muito difícil embarcar nesta jornada lançada pelo Luis Trindade. Bora fazer a TransGranCanaria?
Com jeito a coisa encaixava nas férias do Carnaval das miúdas e fazia-se um mix trail, praia, sol e mini férias. Então vá!

A base da prova situa-se em Maspalomas no Sul da ilha e é lá que toda a logística se processa. As várias provas (5) terminam todas no farol de Maspalomas, partindo ao longo do percurso de 125Km a várias horas do dia de Sábado. A prova principal parte às 0h de Sábado e temos 30 horas para chegar ao farol.

Os resorts perto do farol não são aconselháveis a entroikados pelo que optámos por ficar no simpático koala garden a 3km do centro e a 4€ de taxi, ou a 15 minutos de uma corridinha. Eu o Luis e o resto das famílias chegámos na 5ª quase 6ª, já o Trindade, o Turtles a Paula, o Manuel António e a Ester tinham feito uma exploração inicial da base da prova e levantado alguns dos dorsais.
A 6ª feira foi de relax e aclimatação. Visita à Expo Meloneras para levantar os dorsais ainda em falta, conhecer um pouco de Meloneras, almoçar e começar a preparar a logística e a psique para a partida. Quem pôde aproveitou o magnífico sol da tarde para uns mergulhos e uns banhos de sol na piscina.



Estava um pouco preocupado com a prova. Por um lado sabia que estava bem fisicamente, estava bem melhor do que no UTAT ou mesmo na UTMB mas não tinha feito qualquer treino longo. Só isso preocupava-me imenso. Mesmo em excelente forma como iria reagir após os 60 Km. Como chegaria aos 82 Km (o local da muda de roupa)? Ultimamente as cãibras andavam a atacar-me... 
Além disso, 15 dias antes da prova uma queda estúpida em que quase desloquei um ombro e que estava longe de estar curada, como iria ter força no braço direito para os bastões... 24-26h de prova...se tudo corresse bem.
Por fim as 30h de tempo limite impõe algum respeito. Estudei várias vezes os tempos da UTMB. Demorei 26h a fazer 120km mais ou menos. Portanto a coisa devia dar. Mas como seria o grau técnico da coisa? O percurso seria muito rolante? Se houvesse muitas subidas ou descidas técnicas os tempos facilmente se alterariam. Outra coisa preocupante tinha surgido nos ultimos tempos. A organização anunciou que tinha estado a rever o desnível da prova e que afinal tinha 8500m positivos.... Bolas! Seria possível? 8500!!! Em 125Km.... Fazia-me um bocado confusão. Carregando o track que forneciam no Gpsies dava pouco mais de 7200m positivos. Bem mais credível face ao relevo da ilha. Que raio, aquilo tem para lá uns picos e tal mas não é propriamente o Monte Branco. Como podia ser? Ainda mais estranho era se começássemos a fazer umas contas simples. A prova dos 42Km (os ultimos 42Km do nosso percurso) tinha 1100D+. Portanto os primeiros 83Km teriam os restantes 7400D+...
Sinceramente, vão enganar outro. 83Km com 7400D+ não era possível a não ser que nos pusessem a subir e a descer a montanha mais alta vezes sem conta. Mas então para quê anunciarem isto? Tínhamos de ir ver como era. Contado ninguém acreditava.

Devido ao limite das 30h preocupei-me em estudar minimamente o percurso e os tempos para o fazer. Pelas minhas contas seriam cerca de 24 horas se tudo corresse bem. Já vou tendo alguma experiência em olhar para desníveis e saber quanto tempo demoro a fazer cumes e a voltar à base. Também sabia que teria de me manter sempre abaixo da média de 14"/Km para acabar abaixo das 30h. Idealmente iria tentar os 10"/km, o que com alguma quebra final me permitiria fazer 22-23h. Muito bom!

Em termos de logística era preciso prever o saco trocar de roupa, ténis, etc. aos 83Km. Também aqui mais uma preocupação à ultima da hora. Que sapatilhas levar no início? Os meus Asics Fuji Attack ameaçavam romper-se de lado, para variar. A escolha teria de ser entre levar os Asics de início, maior conforto para a parte mais longa da prova e trocar para os Salomon Sense Mantra para os 42Km finais. Uma receita já testada na UTMB. Mas tinha receio de os Asics se romperem neste percurso mais longo. Optei por levar os Salomon arriscando um pouco fazer uma distancia maior e garantir depois o conforto na parte final com os Asics. Sem grandes certezas e com alguma pena lá meti os Asics no saco e mentalizei-me para 83Km mais minimalistas.

Um factor estava a nosso favor. O bom tempo. O ano passado foi um massacre com 12h de chuva ininterrupta e muito frio com mais de metade de abandonos. Mas este ano a coisa estava com bom aspecto. Talvez bom aspecto de mais com aquele sol todo. Quem fizesse o sul da ilha de dia ia penar com o calor. Felizmente para mim o sul ia ser feito já ao final do dia. A parte norte da ilha é mais fria, húmida e cheia de vegetação, enquanto o sul é desértico e seco que nem um carapau.

Embora algum material obrigatório me parece desnecessário, nomeadamente o impermeável, optei por cumprir o regulamento no que a material obrigatório dizia respeito. Saco de água com 1,5 litros atrás em vez da versão UTMB em que levei 2 garrafas de meio litro nas bolsas frontais. Desta vez ia levar numa das bolsas frontais uma inovação. Uma dica do Zé Carlos que apanhei um dia por acaso num treino. Despejar os géis todos para uma garrafa e dar um golo na coisa sempre que necessário. Em provas curtas nem uso géis mas em coisas grandes é importante ter energia sempre à mão. Já pensaram na simplicidade de levar o gel todo pronto a consumir? Sem pacotes, sem lixo, sem pegajosidades. Assim foram 8 pacotes de gel e mais um pouco de água para liquefazer um pouco mais a mistela, tudo para uma garrafa de água. Misturei laranja com mojito mas o que importa, aquilo já sabe sei lá a quê. Criei um sabor novo. Não estava bom, nem estava mau... estava...  Mas não era pior que os originais :)



Com estes pensamentos todos a remoer lá fomos para o autocarro que nos iria levar para a longínqua aldeia de Agaete num dos pontos mais remotos do Norte da ilha. Quando já estávamos instalados no autocarro entra o José Simões que não fazíamos ideia que ia fazer a prova. Grande maluco! Já tinha feito a TGC há 2 anos e pelos vistos este ano apeteceu-lhe voltar. O percurso era ligeiramente diferente de há 2 anos mas grande parte era comum e enquanto esperávamos pela partida o Simões relativizou a coisa. Que era pacífico, que íamos fazer 24h nas calmas. Que ele tinha feito 20h mas tinha dado o litro e que hoje queria ir nas calmas. Combinámos logo ali ir juntos. Pouco me importava o tempo que iríamos fazer. Para mim é importante a companhia e ainda mais uma companhia com experiência que conhece o percurso. Reduzi uns furos de ansiedade. 

Mega equipa de Tugas prontos para a epopeia
Em Agaete o ambiente era brutal. Por dentro ninguem conseguia esconder a preocupação que ia na alma. Por fora estava um vento forte, felizmente não muito frio. De vez em quando choviam algumas gotas quase na horizontal devido ao vento. Uma novidade absoluta face ao tempo que estava no sul da ilha. Não estávamos à espera de chuva! Resistimos até à ultima para vestir o impermeável. Quando começasse a prova esperava-nos uma subida desde o nível do mar até aos 1250 metros. Ia ser penoso levar o impermeável vestido. Mas se continuasse a chover daquela maneira, com aquele vento frio...
O speaker não se calava um segundo. Um grupo de malta a tocar tambor dava ritmo às pernas. Chegam as vedetas da frente. Desata a chover com mais força. Vamos ficar ensopados ou vestimos? Faltam poucos minutos. Não visto o impermeável. Arrisco partir assim e ter de parar mais à frente se a chuva persistisse. Isto deve ser só um aguaceiro.

Falta 1 minuto. A marabunta chega à frente e abafa os craques. Se quando os chamaram um a um a curiosidade era geral agora já ninguém se importava com quem é quem. A angustia está prestes a desvanecer-se em esforço. São mais de 1200m de desnível para vencer de rajada, desde o nível do mar. A chuva parece querer abrandar, era mesmo um aguaceiro. 10, 9, 8…., 1, soa a buzina e abandonamos todos os receios. Agora é pernas para que vos quero




Aqui vou eu para 125Km de prova

1 comentário:

  1. Olha cum caraças.. és pior que as séries americanas, ainda por cima não tens cenas dos próximos capítulos! Venha de lá a corrida!

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