Não foi um ano fácil. Não foi um ano nada fácil. Não digo que tenha sido um ano mau, muito pelo contrário. Não faltaram momentos fabulosos, viagens, celebrações, concretização de objetivos, mas sobretudo muita emoção para lidar, muitas dúvidas, muita luta e superação. Ora cais, ora te levantas, mas um gajo chega lá, ao foda-se. O foda-se está sempre garantido. Só tens de escolher se ficas por cima :)
O começo
Em Agosto de 2020 na sequência
deste post, decidi avançar com uma cirurgia no calcanhar para resolver a exostose que tinha. Sabia de antemão que essa não seria a solução para o meu problema nos calcanhares, desde logo porque a exostose só estava no pé esquerdo, mas as dores eram bilaterais. Mas lá está, foda-se, vamos a isto. Pior não fica.
Mas ficou. A recuperação foi relativamente rápida, mas o regresso à corrida estava complicado. O problema de fundo mantinha-se, agravado por uns meses de paragem. A pouco e pouco lá ia tentando meter carga, aumentar a distância e duração dos treinos e provas. Mas, tá bem abelha. Era tudo feito a custo, a muito custo, demasiado sofrimento.
Dezembro de 2020 fomos sorteados para ir à CCC. A pandemia atrasou e baralhou tudo. Mas não havia opção, estava à espera há 2 anos, em equipa com o Zé, para ir fazer a CCC. E o UTMB não nos perguntou se queríamos ir. Era vais, ou berras. Bora lá, foda-se! Toca a inscrever. Afinal era só em Agosto 2021.
O MIUT de 2020 tinha sido adiado para Abril de 2021 e no princípio de 2021, alternava sessões de fisioterapia com treinos... Nunca esquecerei a manhã em que saí para a habitual voltinha matinal na Costa e após 1 Km voltei para o carro... a andar...
Às tantas diz a Andréia: "Ou treina ou tenta curar-se. Isto assim não vai a lado nenhum". Quando o MIUT foi adiado novamente, em Março com o regresso do confinamento parei completamente. Bora lá tentar resolver isto.
Em Abril retomei os treinos, a pouco e pouco, mete distância, mete carga, mete exercícios de fortalecimento. Sinceramente nunca pensei que algum dia conseguisse voltar a fazer longas distâncias. A dor estava sempre presente, mas com o tempo, a insistência e o fortalecimento, parecia estar a surgir cada vez mais tarde, nas provas e nos treinos. Uma luz ténue surgia no fundo do túnel.
Isto escrito agora parece fácil, mas muita coisa foi feita no osso, a ignorar o cérebro. Lembro-me de Sicó, já com tudo a apitar. Mas lá foi. E depois de recuperar, a coisa parecia que tinha levado uma esfrega e estava mais calma, e a luz no fundo do túnel ia ficando maior.
O meio
O que havia a fazer foi feito. Meia dúzia de treinos para a CCC e seria o que fosse. Ir a Chamonix para o UTMB é sempre e cada vez mais uma festa e só me interessava o treino e fazer companhia ao Zé, que tinha sido o motivador da inscrição na prova. A CCC seria o teste e se conseguisse chegar ao fim talvez o MIUT em Novembro fizesse sentido.
Não me esqueço que acabei a CCC bender, com um estiramento nas costas que ainda hoje me chateia. Jurei que nunca mais fazia merdas de 100 Km e que ia pedir para mudar o MIUT para uma distância menor. Mas depois de uns dias, as dores nos calcanhares melhoraram (as costas nem por isso) e comecei a preparar os últimos 2 meses antes do massacre do MIUT. Os treinos lá foram entrando, a pouco e pouco. A confiança ia aumentando. As costas não davam tréguas, mas siga.
É preciso que se perceba que o que me motivou a ir ao MIUT em Novembro em vez de adiar para Abril de 2022, foram 2 fatores: por um lado seriam mais 6 meses em cima de um esqueleto que não está a ficar mais novo (estamos a falar do MIUT de 2020 que teria mais 2 anos em cima...), por outro lado a prova começava no dia 20 de Novembro e se tudo corresse bem faria 56 anos algures na parte final da prova...
Existe ideia mais estúpida que fazer anos a meio de uma prova de 115 Km, numa ilha, no meio do Atlântico? Claro que não. Por isso, foi fácil escolher Novembro :)
O foda-se
E como esperado lá chegou o fim de semana do MIUT. Uma coisa estava garantida, seria mais um fantástico fim de semana com a Dora. O que houvesse a mais era bónus.
Consumimos a nossa dose de lapas, um pouco mais da dose de ponchas, e lá estava em Porto Moniz, 6ª feira 23h, cheio de dúvidas e incertezas. Até onde iria o esqueleto aguentar a pancada?
Do grupo que se juntou antes da partida, optei por seguir prudentemente com o Luís Afonso e o Rui Pires, velhos amigos do UTAT. Estava decidido a fazer uma prova calma e com companhia. Infelizmente perdemos o Rui no Fanal pois estava mal disposto. Segui com o Luís pois não me apetecia de todo fazer a prova sozinho. Acho que a falta de provas me retirou a réstea de pachorra que ainda tinha para fazer provas de muito longas distâncias.
Não foi fácil chegar ao Curral das Freiras. Não fisicamente, pois o esqueleto até estava a reagir bem. Mas depois do Curral a coisa começou a parecer possível. É preciso que se perceba que dos 115 Km com 7000m D+, ao Km 70 já temos 6000 D+ no pelo. Claro que na parte final vem o homem da marreta...
Não vou detalhar a prova. Já perceberam o espírito da coisa. Eu lutava com o meu cérebro para me lembrar do que tinha feito em 2014 e das partes que agora eram novas para mim. Isso e chatear o Luís com histórias e conversas que ajudam a passar o dia. E já completamente arrasado por tantas horas no trilho, praguejava contra o raio daquela levada final sem nexo, enquanto me esquecia que a tinha feito em 2014... parvoíces que só percebe quem anda nesta vida :)
Não sei se algum dia voltará a vontade para fazer provas de ultra endurance, mas para já está posta de lado.
O MIUT foi o corte epistemológico que tinha planeado. Objetivo cumprido!
Não vou perder muito tempo a fazer juras do que quer que seja. O objetivo é este e se houver algum desvio do percurso será seguramente por um bom motivo (Western States? Será que se mantem a hipótese de concorrer face ao tempo abaixo das 29 horas no MIUT?)
Agradecimentos
Não posso deixar passar esta oportunidade sem agradecer a algumas pessoas que me ajudaram a superar este período. Algumas nem imaginam a importância que tiveram.
Em primeiro lugar à Dora, companheira de vida irredutível, sempre e cada vez mais presente. Estamos lá amiga! À Andreia, uma fisioterapeuta que, não fazendo mais do que o seu trabalho, fez um grande trabalho. Já passei por alguns, mas a Andreia foi assertiva. À minha equipa, pela companhia e motivação, pelos treinos em Monsanto e em Sintra, pelas provas, pelo convívio e pela contagiante dedicação que inevitavelmente me arrasta. Ao Zé pela motivação e companhia na CCC e ao Luís Afonso pelo MIUT. Last but not least ao Migo, o melhor de todos os cãopanheiros, sempre pronto para qualquer treino, nunca lhe conseguirei agradecer suficientemente o seu afeto e dedicação. O melhor que posso fazer é continuar a levá-lo comigo sempre que possível.
Uma dedicatória também para a Margarida, culpada pelo título deste artigo. Não sei se a frase é dele mas o Raphael Montes, que é um tipo que ao contrário de mim, tem jeito para escrever umas coisas, incluiu-a no seu livro Jantar Secreto que a Margarida me recomendou. Não está editado em Portugal mas podem encontrá-lo na candonga em ebook. Recomendo a sua leitura para dar contexto a este artigo.
Podem conhecer um pouco do estilo do Raphael assistindo no Netflix a uma série baseada noutra obra sua que fez em parceria: Bom dia Verônica
E agora?
Agora é mais do mesmo. A vida continua com novos e renovados desafios, viagens e aventuras cada vez mais fantásticas. Já há algumas planeados e outras ainda em sonhos, mas todas vão exigir a continuação dos treinos e empenho, talvez em doses mais reduzidas, ou não, quem sabe...
Fiquem atentos ao blog porque isto tem estado demasiado parado, mas as coisas vão mudar... se calhar para pior :)
E até ao final do ano, se as coisas decorrerem como previsto (o que nem sempre acontece) o tal livro vai acontecer!
Se algum puder almejar a alguma coisa é ter a tua coragem e a tua perseverança, eu não tenho, não tenho cabeça para superar as dificuldades, as minhas dificuldades, tanto que ao contrário de ti a rua acabou, mas não posso só lamentar-me quero dar-te os parabéns por mais este feito e por tudo o que tens conseguido, é um privilégio ser teu “amigo”/conhecido. Um abraço
ResponderEliminarMuito bom Paulo.
ResponderEliminarTenho acompanhado o teu blog... Venha lá o livro. Saudações.