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Desde as 5 da manhã que, primeiro uma luz forte e depois um sol ofuscante, entrava pela janela deixando antever o dia fantástico que estava lá fora. Sabíamos que o dia mais chocho tinha sido o de ontem, pelo que dali para a frente seria sempre a melhorar, provavelmente até demais.
O pequeno almoço seria às 7h o que era demasiado tarde para nós. Nestas aventuras o ideal é levantar às 5h para às 6h estarmos no trilho, já de barriguinha cheia. Isto roubou-nos 2 preciosas horas que são sempre mais bem aproveitadas no destino a descansar do que na cama de manhã. Nada a fazer, o pequeno almoço era uma refeição essencial na nossa estratégia.
O dia estava de facto lindo. O sol ainda baixo acendia selectivamente algumas montanhas e cumes. O contraste do verde escuro da vegetação com o branco encadeante dos cumes de neve é como uma injecção de felicidade na alma. Que beleza de cenário. O grupo vai-se reunindo cá fora à medida que se vão despachando.
O percurso hoje era relativamente simples de explicar. Em vez de subirmos Catogne como no UTMB quando se passa Champex Lac, iríamos, grosso modo, contornar Catogne e passar num col chamado Fenêtre d'Arpette, depois desciamos para Arpette, Champex Lax (aqui sim retomando brevemente o percurso do UTMB) mas logo abandonaríamos para fazer todo o vale descendente de Sembrancher até Le Chable. Em Le Chable iríamos pagar o preço da grande descida e papar 1600 metros positivos até ao nosso destino incrustado na montanha, a Cabane du Mont Fort.
Para verem o percurso bem como todas as fotos do dia georeferenciadas, explorem a aventura no Garmin Adventures clicando no símbolo (abre uma nova janela e podem continuar a ler)
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O percurso começa num típico trilho familiar de floresta, Largo, sombrio, com uma levada quase natural sempre a acompanhar-nos. De t-hsirt preciso correr porque estariam talvez 10 graus aquela hora. A montanha tapava o sol que só iria aparecer muito mais tarde naquela zona.
Embora hoje só fossemos aos 2665m já ia pensando no col e na neve. Encontro um senhor de idade com um anchinho que ocasionalmente retirava pequenos ramos da levada, mochila às costas. Paro e percebo que a idade é só por fora. Tem o aspecto seco e rijo de um tipo da montanha. Pergunto-lhe se dá para passar bem na Fenêtre d'Arpette. O tipo mira-me de alto abaixo antes de se pronunciar, depois diz, sim dá, tem um pouco de neve do outro lado, mas a descer com cuidado dá para passar. Não tinha forma de aferir o nível de cuidado necessário que ele referiu, mas se o velhote disse que dava é porque dá.
Rapidamente o trilho largo e liso como uma auto-estrada chega a uma encruzilhada. Para baixo para atravessar o fantástico rio de degelo de um glaciar numa ponte de madeira e em frente para cima, para a fenêtre. Não há que enganar. A subida tem um pouco de tudo. Vegetação alta, single track a precisar do senhor do ancinho com uma catana, declives gigantes. O trilho quase imperceptível mesmo com o track no relógio mal se deixa ver no terreno. Olho para cima para tentar encontrar a fenêtre, o vale está a fechar mas é impossível perceber por onde vamos passar.
Cada vez subimos mais, o sol só aquece a montanha em frente, as mãos estão geladas, felizmente quase não há vento. Calhaus enormes começam a aparecer aqui e ali, cada vez mais, às tantas o trilho já não consegue contorná-los, o trilho são os calhaus. O GPS de nada serve já, não fossem as marcações nas pedras, é literalmente indiferente escalar um calhau ou outro. A única vantagem é que o trilho leva-nos para onde queremos em vez de estarmos a escalar à toa. Que raio, eu a pensar que os trilhos na Suíça eram todos idílicos...
Sigo com o Luis Matos nesta zona. Por fim vejo as placas do col e uns minutos depois chego à janela (fenêtre). Esta janela nunca mais se esquece na vida. Ainda só tínhamos começado a viagem a sério há 2 horas e eu pensava que já estava a ver a paisagem mais fantástica de todas. A Fenêtre de Arpette é um pequeno rasgo na montanha e o col tem 3 ou 4 metros de largura. Isto permite ver os dois declives enormes de cada lado da montanha, e é difícil escolher qual dos lados o mais lindo.
É de uma beleza avassaladora, a distância a que se consegue ver lá de cima, graças ao dia que estava. Várias pessoas a subir vindas de Arpette, pela neve. Rapidamente iniciamos a descida. Algumas zonas com grande declive cheias de gelo a exigirem mil cuidados sob pena de um valente slide que dificilmente acabaria bem. A subir era tudo mais fácil mas estávamos a descer. É muito dificil passar a dimensão das paisagens nas fotos mas procurem as pessoas para terem uma noção da escala e da grandiosidade do cenário. Deslumbrante! Vejam no link do basecamp todas as fotos georefenciadas nos locais onde foram tiradas. Há muito mais fotos que não cabem neste texto, mesmo eu escrevendo muito. Estão todas lá.
Iniciamos a descida. Primeiro em gelo, grandes planaltos totalmente brancos. Rapidamente nos adaptamos a correr na neve com as nossas sapatilhas de trail. A pouco e pouco a neve vai deixando aparecer o single track aqui e acolá. O single track é depois abafadao pela floresta e por riachos, ribeiras, cascatas. Paramos para beber água e encher a garrafinha. Nos alpes não precisam mais do que uma pequena garrafa de meio litro ou menos. Com sorte mal lhe tocam, Quer nas montanhas, quer nas vilas, a água que a natureza oferece é da mais pura e fresca que a vossa vida vos vai permitir saborear. Eu adoro parar nas cascatas, nas ribeiras e provar cada uma delas. Mais geladas, mais acidas, mais doces, todas são diferentes, todas são únicas e fabulosas.
O trilho leva-nos a Champex Lac. Velha conhecida vila à beira de um fabuloso lago. O dia era quase de verão. Paragem para almoço, que para mim significava uma barra de 400 Kcal. Mal preciso de comer, a montanha e a gordura do meu corpo são tudo o que preciso. O Hugo junta-se a nós e refrescamos as pernas e os pés no lago. Depois sigo com o Luis Matos de novo. Abandonamos o percurso do UTMB logo ao pé do local onde montam a tenda do abastecimento. Descer era o que nos esperava. Estávamos com 16 Km e iríamos descer durante os próximos 12 Km até ao ponto mais baixo de todo o percurso. As temperaturas no vale andavam perto dos 30 graus!
Aqui e ali encontrávamos os nossos compatriotas, bandeiras nos guindastes, nas escavadoras. Metia conversa sempre que ouvia falar português. Depois da surpresa de verem portugueses naquelas andanças lá festejavam um pouco. O Europeu era a fonte de todas as esperanças, logo seguido das férias e de ir até portugal beber vinho e comer chouriças.
Vilas calor e fontes era o que havia no vale mas em Le Chable acertámos contas. 1600 metros positivos nos separavam de um banho e de um jantar. Grande single track, de floresta felizmente, porque até perto dos 2000 metros o calor era abrasador. Aqui e ali uma singela aldeia com meia dúzia de casas de madeira e uma ou duas fontes geladas a juntar aos riachos pelo caminho, garantiam que não era pela desidratação que não chegaríamos ao destino. Mais uns tugas numa roulotte, bronze à lavrador, Vão prá donde? Prá cabane? Práí pra cima não há televisão (era o dia da meia final) Ah valentes! Eles conseguem, estão em forma, olha para eles, ouvíamos à distância.
Acima dos 2000 metros refresca um pouco mas também desaparecem as árvores e as sombras. Seguimos ora por pistas de ski agora carecas e desprovidas de função ora por mais single tracks. O dia ia longo, os pés acusam o massacre e o calor da etapa. A paisagem era brutal e mostrava-nos todo o vale e a subida que nos tinha ocupado durante a tarde. Mas só já queremos chegar. Só já sonhamos com banhos e cerveja gelada.
E de repente lá surge sem margem para dúvidas o nosso destino. Incrustada num sopé da montanha a cabana parece isso mesmo uma pequena cabana lá no alto. Uma recepção em português que durou pouco. O rapaz estava com pressa porque saía às 20h e já estava de serviço ali há uma semana. Explicadas as instruções da cabana e desapareceu. Imagino onde tenha ido em noite de meia final...
Quanto a nós, banho tomado foi só o tempo de irem chegando os outros companheiros antes de um bom jantar de bolonhesa que repetimos até o novo anfitrião da cabana se queixar simpaticamente que os portugueses lhe davam prejuízo tal a maneira como comiam. Mas era normal. Fazíamos 4 etapas de cada vez, tínhamos de comer por 4 ;)
Faltavam chegar o Melo e o Boleto. Toda a gente foi encostando à box vencida pelo cansaço. Mesmo os mais preocupados. Depois de ter termos visto 2 luzes de frontais a subir a montanha e ter estimado que em 30 minutos estariam ali, eis que nada acontecia a não ser SMS's de Portugal a relatar o jogo, Golo do CR7, estamos na final. Brutal mas e aqueles gajos? Antes de eu próprio desistir ainda andei lá fora embrulhado no edredon a tentar perceber onde se tinham conseguido meter. Nada! Não sei se cheguei a adormecer mas às tantas o telefone vibra, estamos aqui em baixo vamos comer.....
Enfim a etapa tinha acabado. Já cheirou a Alpes e não houve desilusões.
Amanhã um volte face, mas agora é descansar que o texto vai longo.
O parcial do dia marcou 43,5 Km com 3000 m D+ (em 10h e 45m)
O total vai em 70 Km com 4500 m D+ (em 16h)
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