segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

13 de Fevereiro - Maratona de Sevilha





Os mais atentos a este espaço sabem que já na altura do Grande Prémio do Fim da Europa a 15 dias da Maratona de Sevilha uma dor na coxa me andava a complicar a vida. Quase não se sente no dia a dia, mas ao fim de uns Km’s começar a chatear passando de incomodativa a problemática. Começa-se a abrandar o ritmo, a proteger inconscientemente a perna, o que vai fazer surgir dores noutras partes da perna.

Para mim Sevilha já estava pensada no meu calendário como um treino longo para Paris, portanto uma coisa a fazer num ritmo de contemplação. Aproveitar o fim de semana de passeio, divertir-me, conhecer novos amigos, e já agora fazer uma das melhores maratonas num raio de muitas centenas de Km’s. Mesmo muitas.
Mas esta dor pairava como uma nuvem negra.

Nas duas ultimas semanas quase parei. Meia dúzia de treinos suaves. Invariavelmente a coisa começava a manifestar-se por volta dos 8-10 Km. E entre treinos não desaparecia. Não houve outra solução que não fosse resguardar-me. Os treinos longos foram feitos, ao menos isso dava-me algum conforto. Mas o que estaria para além do Km 10?

Obviamente não quis ir ao médico. O tempo estava a esgotar-se e ir ao médico era uma desgraça. “Sr Dr. tenho uma maratona no fim de semana veja-me lá aqui esta dor” Se não me batesse logo ali, iria no mínimo tentar convencer-me que uma maratona era uma loucura, que devia parar imediatamente, etc. Portanto ir ao médico era um contra senso. Era melhor ir a Sevilha e tentar ver o que iria acontecer. A última coisa que precisava era mais uma vozinha cá dentro a dizer “Olha que o Sr. Dr. disse que não devias estar aqui. Tu não te desgraces”
Portanto lá fomos na viagem organizada pelo Mundo da Corrida. Tempo de conhecer melhor alguns dos companheiros do fórum e outros que já conhecia das corridas. Uma viagem pacífica e descansada até Sevilha. Com o primeiro contacto com o estádio olímpico para levantar os dorsais. Nesta zona notam-se algumas dores de crescimento desta prova. Este ano quase com 5000 participantes algumas estruturas que, ao que contam já não eram famosas, ressentem-se. A entrega dos dorsais era um pouco caótica com uma longa e demorada fila. A que se seguia uma mais caótica e demorada fila para levantar o saco das ofertas. De seguida era tempo de irmos à pasta party na Isla Mágica onde nos aguardava uma outra, não caótica mas demorada fila. O almoço foi generoso com uma massa razoável, repetir à descrição e mesmo as bebidas com alguma simpatia também se podiam beber mais uma ou outra.
Passeio em Sevilha de algumas horas até ser tempo de irmos para os apartamentos. Uma boa opção. A 10 minutos do estádio, num local sossegado, apartamentos modernos com tudo o que é preciso para descansar algumas horas. Inclusivamente um preço muito interessante. Como já chegámos algo tarde optámos por comer qualquer coisa num centro comercial anexo. Mas caso se chegue cedo é possível confeccionar uma refeição dado que o apartamento está equipado com o básico. Com piscina e wifi grátis não se pode pedir muito mais. Lux Sevilla Bormujos, recomendo nesta gama de preços.





E a hora da verdade chegou. Já que tinha ido até ali não poderia deixar de fazer parte daquela festa. O dia estava frio. Um frio húmido que fazia mossa. A família foi para as bancadas e nós lá descemos a rampa de acesso ao estádio olímpico. Para um pelintra como eu nestas coisas de maratonas internacionais tudo era uma delícia. Claro que a fama desta maratona é enorme no que toca a organização e já ia à espera do que vi, mas ao vivo é sempre uma delícia ver uma máquina desta envergadura a funcionar. Não exagero muito se disser que deve haver muito mais gente na organização da prova, do que a correr. Isto falando apenas das pessoas no terreno. Tudo está pensado ao pormenor, toda a organização é composta de malta nova, sempre bem disposta, sempre sorridente. Sempre com uma palavra de atenção. Por baixo das bancadas daquele estádio estavam muitos milhares de pessoas a prepararem-se para uma maratona e ninguém se atropelava. Não se via uma reclamação. Tudo fluía. O sistema de som difundia musica e o orador repetia que todos estavam a trabalhar para que fizéssemos uma excelente maratona. Uma prova feita por corredores e para corredores. Uaauu!

Eu e o Sérgio, pela primeira vez nestas andanças internacionais flutuávamos por ali. Já quase prontos fomos para a zona climatizada tratar dos preparativos finais. Entregar o saco no bengaleiro. Um ultimo xixi numa zona de wc’s químicos onde não faltavam os aquecedores gigantes para manter a zona com algum conforto. E seguimos para a pista onde à entrada eram distribuídas garrafas de água. No estádio milhares e milhares de pessoas aqueciam. Os écrans gigantes transmitiam imagens da meta e um repórter ia fazendo as habituais entrevistas. Seguramente que aquelas imagens estariam a ser transmitidas para algum canal de TV. O ambiente era emocionante. Os nervos mantinham a expectativa no lugar. Eu que poderia estar mais que descansado tinha a minha própria cruz para carregar. Como todos os outros que ali estavam.

As imagens que vos deixo a seguir vão transmitir-vos as emoções da partida e do momento arrepiante que foi subir o túnel para sair do estádio.


E lá fomos. Dentro de mim sentia o pensamento que poderia ter de abandonar a prova e não poder voltar a entrar naquele estádio para celebrar mais uma maratona, a apertar-me o coração. Seguia muito devagarinho tentando perceber a cada passada o que a minha perna tinha para me dizer. Os 1ºs 7 Km’s são um ida e volta numa avenida gigantesca. Pude apreciar atrás dos últimos atletas a comitiva enorme de ambulâncias e também vários autocarros de passageiros para recolher quem tivesse de abandonar a prova. Visão terrível!!! Xô, Xô!!! 
Por volta do Km7 vejo o Valdemar num cruzamento, feliz, a observar toda a gente a passar. Grande festa. Iámos agora por um parque em direcção a Sevilha. A minha perninha começou a dar sinal de vida. Navegava agora entre os 5”40 e os 5”30. Era um ritmo complicado para mim. A máquina já quentinha sente-se mais confortável com ritmos mais acima e pedia para acelerar. A perna queixava-se se tentasse subir dos 5”20. E ali seguia naquele dilema. O Km 10 surgiu com 55” e pouco mais haveria para dar se conseguisse levar a coisa assim. Contas rápidas 3h50 no final, mais que "prova superada". Vamos ver se isto aguenta.

Ia eu a fazer contas à perna ao Km 14, a pensar se as pontadas que surgiam vinham para ficar ou se era coisa de passagem. Estávamos a 1/3. Ia mais que relaxado, a energia estava a ser consumida com a preocupação da dor. Vejo surgir á minha frente o Jorge, a Dina e o Paulo. Pergunto-lhes a que ritmo iam. Vamos a 5h40 para fazer 3h50. Optimo. Acabaram de ganhar mais um membro. E foi com eles que consegui exorcizar os meus fantasmas. A dor não dava para exorcizar, mas os fantasmas tinham de desaparecer.

Lá seguimos todos e íamos falando disto e daquilo rindo e brincando e os Kms a cair. A meia foi feita com 1h55, bem dentro do objectivo. Às tantas surge o momento da prova e eu que até nem levava uma máquina fotográfica que faz uns vídeos excelentes… fiquei a ver e a rir-me e só me lembrei depois. O costume. Então não é que às tantas surge a correr na berma um poney enlouquecido? Ao lado da estrada havia uma zona verde por onde o poney acelerava a bom ritmo enquanto produzia um som preocupante, tipo bufo. No meio da surpresa e dos risos, ao chegar ao cruzamento 3 polícias tentaram dominar o equídeo, mas o bicho, embora anão, tem um porte de respeito. E não estava com vontade de ser apanhado. Meia volta e desata a galope estrada abaixo com um polícia a sprintar atrás. Mas qual quê. O bicho mesmo pequeno batia o record do mundo dos 100m. Antes de virarmos á direita só vejo o bicho a acelerar e o polícia a ficar para trás.

Feita a meia, era tempo de um balanço interno. Já faltavam menos do que os que tinha feito. A dor tinha estabilizado. Naquele ritmo a coisa era suportável. Tinha encontrado o andamento perfeito. Sentia por vezes algum frio fruto do ritmo baixo que levava mas não podia dar mais. O pelotão mantinha-se unido. Fiquei a saber que a Dina e o Paulo estavam a tentar o seu record na maratona. Isso era fantástico. Baixar das 4 horas. Vamos embora. A certa altura acelerei um pouco e quis saber como se sente um espanhol a assistir a uma maratona. Oportunidade para ver os meus companheiros a passar:


Ainda apanhámos a Joana do CLAC e conseguimos enganá-la a vir no nosso ritmo até ao Km 37. Ela pedia para não a abandonarmos e ia claramente a dar tudo o que tinha para não parar. 


Aqui podem ver o grupo em plena progressão. 




A Joana iria abandonar-nos em breve. Estávamos a abrandar muito quando surge o José Carlos que ia ainda mais calmo que nós. Entregámos-lhe a Joana e retomámos o nosso ritmo. Faltavam agora 5 Kms. Já nada me faria parar. Continuava confortável fruto do baixo andamento que tinha feito, a dor mantinha-se num patamar suportável e já cheirava a estádio. A Dina estava também a atravessar um momento complicado e o Jorge atazanava-lhe o juízo. Impensável parar ou abrandar. As 4 horas estão aí ao virar da esquina. Eu seguia 20 metros á frente com o Paulo. Eu ainda vinha cá atrás e voltava para o pé do Paulo. 

Cheirava a meta. Ligo a câmera para filmar a entrada no estádio. Isto vai ser bom. O Paulo pica-lhe a mosca, eu sigo atrás a acelerar ainda mais para o apanhar. Tinha visto o João Cunha à entrada do túnel a fazer uma festa. Serpenteio pelo meio de toda a gente que dava a volta à pista. Alguns em total sofrimento. Ainda olho para as bancadas e vejo a Mónica aos saltos. Papi! papi! Ah que belo momento. 3h56. O Paulo está radiante. No minuto seguinte chegam a Dina e o Jorge. Que fantástica prova. Fiz o meu pior tempo mas fiz a minha melhor maratona. Fiquei feliz pelo record da Dina e do Paulo e obviamente por ter conseguido terminar esta magnífica prova. Não sei se esta história teria um final tão feliz se em boa hora não tivesse encontrado este grupo de apoio. Obrigado Dina, Paulo e Jorge.


Deixo-vos com a chegada ao estádio e as emoções de acabar uma maratona. Momento dedicado ao Paulo.


A mesma coisa vista de outro angulo neste link.


Reparem no meu vídeo ao 1m56s. Vou a acelerar pelo meio do pessoal para apanhar o Paulo e oiço a malta que estou a ultrapassar a dizer qualquer coisa. Como ainda por cima era em espanhol demorei uns segundos a processar. Estavam a incentivar o meu sprint. Corre. Corre. Cá costuma ouvir-se o pessoal a denegrir este tipo de atitudes. Manda-se abaixo. Para que é isso pá? Capaz de me fazeres cair. Agora é que te está a dar vontade de correr? Por isso é que só ao fim de uns metros processei toda aquela cena e percebi que ele estava a incentivar-me para acelerar. Desconcertante no mínimo, para um espírito tuga claro. Temos tanto para evoluir... é o lado positivo da coisa.

Era tempo de regressar. Não sem antes usufruir de uma massagem para a qual não esperei mais de 2 minutos, um banho numas instalações que não suportam tanta gente, e um almoço na Isla Mágica em que, após nova fila gigantesca, a organização serviu uma ementa onde só se salvou o gaspacho andaluz (que fazia lembrar o original). 

Nada destes contratempos tira o brilho que esta magnífica prova tem. O apoio popular e o espírito dos espanhóis é incrível. Há muita gente na rua. Mas as pessoas não são, como por cá, múmias paralíticas. Toda a gente grita “Ânimo” “Bamos” “Venga” “Campeones” Até faz confusão os polícias a puxar por nós “Bamos campeones ya está quase” E funciona mesmo. Cada incentivo daqueles é melhor que 1 gel de hidratos.

Para aqueles que estão a ler estas linhas e nunca foram a esta prova, espero muito sinceramente que um dia possam estar na linha de partida, a sentir o turbilhão de emoções que se abate sobre o atleta. A euforia de partilhar aquele momento com tanta gente. A duvida sobre se serão capazes de atingir o vosso objectivo. Pode ser tão simples como foi o meu desta vez, chegar ao fim, ou tão difícil como bater o record pessoal. Pouco importa. Viver por dentro uma prova desta envergadura, montada com este carinho e dedicação e acarinhada por toda uma cidade é um privilégio inesquecível.
Parabéns Sevilha!. Obrigado por esta magnífica prova que nos ofereceram.


Um abraço a todos os que partilharam esta viagem e prova fantástica. 

Lições aprendidas:


- Estamos a dezenas de anos, talvez mais de 100 anos, de conseguir organizar uma prova assim. E ainda por cima estas coisas não se conseguem a despejar dinheiro para cima. Isto não é como fazer auto-estradas e encher os bolsos aos gajos do costume.
- É sempre bom irmos ali levar uma lição de humildade gigante e perceber que em demasiadas coisas importantes continuamos a viver na porcalhota com o mesmo atraso ou mais que tínhamos há 40 anos atrás.
- É possível fazer uma maratona mal preparado, superando as nossas dores e limitações. Basta abrandar o ritmo. Saborear cada momento e sobretudo arranjar um grupo de amigos que nos leve ao colo.


Vejam só as fantásticas fotos da Isabel aqui

12 comentários:

  1. Bom reviver momentos que nos marcam, excelente ver o Paulo Conceição à procura da meta, muito bom mesmo.
    Sevilha já era, que recuperes para Paris.
    Abraço.

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  2. Caro Paulo
    Muitos Parabéns pela excelente reportagem que aqui nos mostrou. Não falharei muito se disser que este foi um dos melhores relatos que já vi, pois não lhe falta qualidade na escrita, humor, emoção e imagens tiradas por dentro, que podem não ter a mesma qualidade das outras, mas que são muito mais intensas. Estas "respiram" ao ritmo da passada. São mais verdadeiras.
    Mais uma vez, PARABÉNS, Paulo Pires, pela prova possível mas, sobretudo, por este delicioso trabalho que aqui nos apresentou.
    Abraço.

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  3. Como disse foi um previlégio a vossa companhia num fim de semana cheio de festa e emoção. Se isto fôr sempre assim até às 40...

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  4. Paulo... Emocionei-me a ler este post... A sério!
    Muito bom. A experiência, a corrida, tudo!!!! Que pena de não ter ido. Para o ano vou. Acho que merece. Um abraço e agora, descansa para daqui a 15 dias! Um abraço. Richie

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  5. E vai ao médico ver essa coxa!!!

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  6. hãaaa valentes guerreiros/as, isso é que foi força de vontade,de espirito e de sofrimento??
    Paulo, sexta á noite?????? ai ai as perninhas.

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  7. Ricardo ainda bem. É sinal que consegui transmitir algumas das emoções que senti. E foram muitas. Só aquela saída do estádio...
    Xana, já fui a 2 só que não é fácil. Os médicos querem ver coxos e marrecos, agora gajos que têm uma dorzinha que só dá não sei quando e fez uma maratona com isso? Desampare-me a loja. Estou à espera de uma eco.
    Paulo, tamos lá claro. Já ontem fui dar uma e hoje não foi mais uma porque está muito vento. Tá tudo a 100% (estou a contar com a tal dorzinha também, já faz parte, até porque está tudo na mesma, não piorou nem melhorou)

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  8. Parabéns Paulo, mais pela sofrida Maratona do que do resto.
    Do resto destaco aquele bocadinho que consegui ir ali contigo, e quanto gostaria de ter conseguido mais um pouco, mas desta vez a prudência tomou conta de mim e tive de ter juizo.
    Ainda do resto destaco o bom trabalho que desenvolves na peça escrita e que está excelente, bem como os vídeos, em especial aquele à partida que mostra a impressionante mola humana a sair do Estádio.
    Um abraço e até breve.

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  9. Excelente Paulo.
    Um post magnífico daquilo que deve ter sido uma prova fantástica. Saudações e muitos parabéns pela sua força de vontade e capacidade de superação.

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  10. Viva,
    excelente crónica dos acontecimentos em Sevilha, revivi novamente as emoções desta Maratona com o teu relato, Extraordinário.... Muito Obrigado Paulo, um grande abraço e Boa recuperação para Paris

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  11. Arrepio-me sempre a ver o video da saida do estádio :)

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