sábado, 1 de agosto de 2020

Camping car - A vida a bordo


Agora compreendo o nome Camping car. Não é uma casa com rodas. Isso seria um Housing car. Então o que é afinal?

Uma tenda com rodas! Parece-me uma descrição mais apropriada. E realmente quando acampamos não levamos uma casa mas sim uma tenda. Daí o nome Camping car. 

É um facto que a simulação de uma casa é cada vez mais perfeita, sobretudo nalguns camping cars que se vêm por aqui, com quase 10 metros, duplo eixo traseiro, autênticas casas com rodas.

A nossa é bem mais humilde, uma perfilada com uns míseros 7,5m de comprimento, por 2,3 de largura e por 3 de altura. Diria que é um pouco mais longa do que as habituais mas tem uma boa habitabilidade para 4 pessoas, com duas excelentes camas de casal, casa de banho e duche, e o resto: uma cozinha bem equipada, no limite do aceitável para uma utilização diária e uma sala com uma mesa.

Mas não se iludam, não é uma casa mas mais uma tenda gigante a fingir de casa. Explicando, não aconselho este tipo de experiência a quem não goste de acampar. Porque pese embora todas as comodidades que temos, não deixa de ser acampar o que estamos a fazer. Claro que o chão não é duro que nem cornos ou desconfortável, não se ouve o gajo do lado a roncar, há privacidade, pode-se dormir até às tantas sem ser incomodado pelo sol, é irrelevante estar à sombra, mas sobretudo  a grande diferença, a mobilidade. 

Mas algumas das características de acampar estão presentes, o espaço exíguo sobretudo e tudo o que isso acarreta no dia a dia. As facilidades caseiras existem mas com algumas limitações e cuidados. A juntar a isso, 4 pessoas a cirandar por ali. É bom que haja coordenação, entreajuda e colaboração. Até porque a juntar a tudo isso, principalmente quando queremos usar a parte Car do Camping (ou seja, viajar e conhecer) é fundamental todos participarem na rotina diária. Chega de conversa da treta. Passemos aos factos. 

Se estás a ler isto, há uma boa probabilidade que estejas na situação que nós estávamos há 1 mês atrás: um Camping Car deve ser uma experiência interessante e um dia gostava de experimentar. Por isso bora lá.

Pré-requisitos

- Acampar

É um factor crítico de sucesso que gostes de acampar. Se nunca acampaste não quer dizer que não vás gostar, mas se gostas de acampar a possibilidade de gostares desta vida é maior.

- Conduzir

Se não gostas de conduzir, esquece. Embora possas usar a coisa para conduzir até um sítio e ficar lá 15 dias (como encontrei um gajo) diria que é relativamente parvo. A ideia ali é a facilidade de conhecer regiões, países, etc. Se queres ficar 15 dias num sítio aluga uma casa.

A nossa viagem

Em vez de "perder" 2 dias para ir para a zona que queríamos (e outros 2 para voltar a casa) com todos os custos acrescidos, optámos por um voo low cost para Bordéus (40€ ida e volta) onde tínhamos alugado uma caravana diretamente a um particular através do site da Yescapa.pt. A Yescapa é uma espécie de Airbnb dos Camping Cars: os proprietários rentabilizam as suas caravanas durante o período que não estão a usar, alugando aos interessados. O conceito é muito interessante e podem encontrar-se excelentes oportunidades. Se já usaram o Airbnb compreendem todas as vantagens e desvantagens destas plataformas. 

A nossa ideia para um primeiro contacto com um Camping Car era fazer a costa Atlântica de França, pelo menos até às praias do desembarque dos aliados e depois subir o Loire e visitar um pouco essa zona até se acabar o tempo e voltarmos para Bordéus. Tudo isto em 10 dias. 


Contacto

Pese embora a pandemia e a paranóia generalizada que se instalou, felizmente as fronteiras e os voos retomaram a tempo. Optámos, e bem, por manter todo o nosso plano. Por isso lá fomos ao encontro da nossa nova casa com rodas e do seu proprietário, nos arredores de Bordéus. Primeiro impacto... uuohhhhhh, isto é mesmo grande: ele bem me tinha avisado.  Segundo impacto: formação avançada em 30 minutos. Tanta traquitana, tanto gingarelho, tanto botanito, tanta instrução. Claro que o facto de ser a nossa primeira vez, só ajudou à festa. Mas o dono prosseguia imparável, neste caso faz isto, para aquilo faz aqueloutro, não esquecer disto, daquilo e do outro... E pronto, dar à chave e seguir. O momento tantas vezes imaginado estava a acontecer. Tínhamos 10 dias pela frente, naquele contentor com rodas. 
A coisa até se conduzia surpreendentemente bem. Um motor Fiat 2.2 D com 130 Cv, caixa de 6 velocidades, algum cuidado para não fechar as curvas nas rotundas cedo demais, habituar à largura da coisa e pronto.

E agora para onde? 



Embora tivéssemos delineado uma rota por alto, quando queres visitar uma região de um país que não conheces a coisa não é trivial. Tínhamos alguns ícones para visitar, mas de resto era tudo um bocado incógnito. Ainda por cima estás a conduzir um armário de quase 8 x 2,5 metros, com limitações de acesso, dificuldade em estacionar, falta de lata e de experiência do condutor nestas andanças, etc.

Íamos sobretudo à descoberta, sem ideias pré-concebidas. Mas a ideia idílica de ficar em qualquer lado e ser autónomo é relativamente complicada quando tens uma caravana para 4 pessoas com... 4 pessoas. 
A autonomia, de que já vou falar, é um factor importante no teu planeamento diário.

Resumindo quando dás à chave é bom que tenhas um destino mais ou menos definido no GPS. O quão definido depende da hora a que vais chegar ao destino e todas as condicionantes que daí advém. Haverá lugar? Temos água? Temos jantar? etc.

Por isso neste primeiro dia as prioridades foram: supermercado e destino. Seriam talvez 6 da tarde. Era importante encontrar um local direto para chegar, conhecer tranquilamente a nossa nova casa e principalmente o funcionamento de tudo e fazer o jantar. 

Optámos por uma área de rede Camping Car Park, relativamente perto para, com tempo, absorver todas as instruções da coisa.  

Esta rede de áreas de Camping Car acabou por ser uma boa opção a que recorremos várias vezes durante a viagem. Voltarei a este tema mais tarde. 

E assim acabámos por nos estrear nesta estranha forma de vida nos arredores de Libourne. Nessa noite nem percebemos bem o enquadramento da coisa. Demos uma volta por ali, parecia uma praia fluvial com um lago, um bar enorme, barcos para alugar. Só no dia seguinte quando saímos para uma corrida percebemos  bem o local. Era o lago de Dagueys que tem uma enorme pista de remo/canoagem. 

A noite passou super tranquila e calmamente descobrimos o funcionamento de tudo, ou quase. De manhã, para além da corridinha, tomámos contacto com a rotina diária de manutenção da coisa (vazar água suja, atestar água potável, limpar a casa de banho, etc.) Decidimos o novo destino e siga para ver como isto se conduz a sério.

Uma nova rotina

Ao fim de uns dias a nova rotina já estava incorporada. Como todos os dias seguíamos viagem era preciso que a coisa funcionasse bem para se perder o mínimo de tempo possível. E arrancar com a casa às costas exige novas tarefas. A juntar ao pequeno almoço e aos banhos a seguir a correr, é preciso arrumar tudo. Nada pode ir solto, pois na primeira rotunda....

Depois é preciso planear a autonomia, que está diretamente relacionada com o destino desse dia. Como éramos 4 a bordo, a cozinhar várias refeições, a tomar banho, etc. os 100 litros de água potável dificilmente davam para mais de 1 dia. E mesmo que dessem, no 2º dia seria crítico abastecer de água. Ou seja, 4 pessoas não conseguem estar 2 dias sem abastecer. 

E não é só abastecer. Ao contrário de casa, onde abrimos a torneira e a água vem, ali só vem, do tal depósito de 100 litros, se o tiverem enchido. E em casa a água desaparece cano abaixo. Ali, sai de um depósito de água potável e vai para um depósito de água suja (só o duche e o lava loiça). E mesmo que sejam menos de 4 pessoas, nem imaginam o smell de uma água suja com 1 ou 2 dias apenas.... Por isso vão querer despejar regularmente. Nós despejávamos diariamente, não havia hipótese. 

Depois há os cócós que estão numa "malinha" à parte. É uma tarefa ingrata, mas que alguém tinha de fazer. Nem nos passava pela cabeça não despejar a malinha diariamente. E isso só pode ser feito em locais próprios. 

Portanto mesmo que passássemos 1 noite fora de uma área de serviço, no dia seguinte era imprescindível ficar numa área de serviço, ou encontrar um local onde se pudesse fazer essa manutenção. 

São portanto 3 coisas fundamentais a fazer diariamente ou, se forem apenas 2 pessoas, não tomarem tantos banhos, ou não cozinharem ou comerem a bordo, e usarem outros locais para aliviar a tripa, diria que podem esticar para 2 dias, no máximo. É que mesmo que não gastem a água potável, os reservatórios de água suja e a malinha dos cócós, não são propriamente companheiros interessantes, nem se dão bem com calor e fermentações....

Portanto já começam a perceber que o plano de viagem diário tem de ter isto em conta. Se o vosso destino tiver estas facilidades, está resolvido, senão há que encontrar um local pelo caminho. Ou nesse dia logo ou no próximo. 

Onde ficar

Usámos 2 recursos fundamentais. O já referido Camping Car Park que é uma rede de áreas de serviço, vedadas, com acesso através de um cartão (que podem comprar na primeira utilização por 5€). O sistema é totalmente automático com uma cancela à entrada. O cartão é recarregável nas máquinas existentes em todas as áreas. As áreas estão em locais perto das vilas ou de praias ou de parques. Têm lugares delimitados e limitados. Na app conseguem ver online quantos lugares vagos tem nesse momento. Tem todos os serviços de descarga e abastecimento de água, electricidade e com sorte se estiver a funcionar, WiFi. Por 10-12€ tudo incluído, não se pode pedir mais. Estão perto das vilas, podem ir às compras, visitar locais emblemáticos, etc. Oferecem também um local seguro para a caravana durante a vossa ausência. Na app podem ler as reviews e a classificação que as pessoas vão dando a cada uma, para melhor poderem escolher. Gostámos bastante. Sempre um porto seguro.

Rede Camping Car Park
Rede Camping Car Park

O Park4Night também é fundamental. É um site/app alimentado pela comunidade. Aí pode registar-se todo o tipo de locais. Desde parques de campismo, passando pelas próprias áreas do Camping Car Park acima referido, até simples locais para passar a noite. Importante para encontrar parques de estacionamento compatíveis, por exemplo. Os locais são também classificados pela comunidade que vai deixando dicas e reviews.

Notem que embora estes veículos possam estacionar em qualquer local, como um carro normal, muitas vezes é a altura ou o comprimento que não o permitem. Todo o litoral de França está regulamentado e devem ser muito poucos os locais onde podem aceder com a caravana. Não vos proíbem de aceder, mas os parques de estacionamento gratuitos estão quase sempre com uma barra à entrada que limita a altura. Por isso não há hipótese de se fazer o que se faz por cá na costa alentejana, por exemplo.


Diria que não precisam de mais nada para além destas duas apps. Depois é uma questão de irem encaixando os locais que querem visitar, nos locais onde querem ficar. 

Como estávamos sempre em movimento foi preciso um grande trabalho de entreajuda da equipa. Para além da rotina diária de manutenção da caravana, normalmente ao jantar ou durante o pequeno almoço decidia-se o próximo destino. Depois durante a viagem, enquanto eu conduzia, a equipa analisava com mais detalhe o local para passar a noite, se era preciso abastecer, passar pelo supermercado, etc. 

Com a prática já estávamos a conseguir sair antes das 11h. Isto já depois de acordar tarde, correr, tomar banho, tomar o pequeno almoço, arrumar tudo, correr a rotina de trocar água suja por limpa e esvaziar o WC. Ainda dava para visitar qualquer coisa de manhã, almoçar algures num recanto tranquilo antes de seguir para mais estrada e passeata. 

Já estávamos a ficar uns pros na coisa. 

Conclusão
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Acho que o pessoal todo adorou a viagem. Foi uma descoberta constante. Quer do percurso, quer das paisagens, quer da vida a bordo, tudo era novidade. Acho que nos adaptámos bem. Aprendemos bastante e ganhámos alguma experiência. Quem sabe um dia se o futuro não passa por uma viagem grande pela Europa, Lições aprendidas, é preciso levar uma bike para facilitar as pequenas deslocações. 10 dias passam a voar. Nós fizemos 2400 Km num fósforo. Visitámos muita coisa, mas muito ficou por fazer. É preciso mais tempo, poder ficar às vezes 2 ou 3 dias num local que apeteça. Por acaso não aconteceu connosco, mas apenas porque nunca se proporcionou a conjugação dos vários fatores necessários a que isso acontecesse.

O nosso pequeno grande passeio por França

4 comentários:

  1. Excelente amigo Paulo. Acho que 10 dias é pouco, sim! Está nos nossos planos um projecto assim também !!!! Muito bom!!! Obrigado pelo relato! Um abraço e beijinhos às miúdas!

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    1. Pois soube a pouco sim. Mas era só uma demo para ver se gostávamos da coisa. Deu para aprender muita coisa que será necessária ter em conta numa eventual viagem grande. Acho que é importante, para quem não tem nenhuma experiência destas coisas, fazer uma mais pequenina para perceber o que deve ter em conta numa grande aventura.

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  2. Olá Paulo,
    Parabéns pelo artigo!
    Estive a ver o site Yescapa e não percebo o que é o limite quilométrico (100 ou 200km) parece pouco.
    Obrigado,

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    1. Podes optar por Kms ilimitados pagando um extra. O limite diário é pouco mas sendo uma média, se não andares todos os dias, pode ser suficiente. Depende do plano. Eu optei por Kms ilimitados tendo em conta a viagem que planeámos e revelou-se necessário.

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