sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Via Valais - O regresso ao paraíso dos trilhos


Desta vez vou contar a história ao contrário. Com a nossa foto oficial do fim da aventura já nem há lugar para spoilers. Assim, se tiverem coisas mais fixes para fazer, não se prendam. Senão, leiam este pequeno resumo e depois se quiserem mais, fiquem atentos aos próximos episódios.

Quem costuma ler as minhas aventuras sabe que há 4 anos, na travessia da Haute Route, batemos com o nariz na porta da ponte pedestre Charles Kuonen, a mais longa do mundo em funcionamento à data de hoje. Mesmo que esta ponte venha a ser destronada em comprimento pela nossa 516 Arouca (a inaugurar em Outubro de 2020 ?) não será seguramente destronada na paisagem que se pode apreciar e muito menos na integração paisagística. Mas guardo as comparações mais objetivas para depois de passar na nossa.
Desta vez a ponte estava 100% operacional e se quiserem saber como é esta incrível experiência, pois terão de esperar que eu a conte.

Foi apenas um dos momentos sublimes desta aventura. Muitos outros momentos inesquecíveis ficarão na nossa memória para sempre. Substancialmente diferente da anterior travessia Suiça, tivemos em comum o bom tempo que, quase sempre nos acompanhou durante todos os dias. Céu limpo e muito sol foram constantes desta aventura. Claro que as habituais trovoadas de final de tarde nesta altura do ano, não contam. O problema é quando não cumprem os horários e se antecipam... Depois logo conto melhor.

O plano foi cumprido a 100%, com as necessárias adaptações e decisões face à situação no terreno. Por mais que planeies, os Alpes e sobretudo os seus trilhos são uma paisagem dinâmica que muda a cada degelo. Muitos dos trilhos roçam o limiar do desmoronamento, várias passagens são arrasadas por enormes calhaus que resvalam a cada primavera/verão, montanha abaixo. Todo o percurso exige um esforço de manutenção constante das comunas. Há sempre uma ponte para reforçar, um trilho que desabou, cordas para trocar, apoios para substituir. etc. Em pleno agosto assistimos a trabalhos em curso durante a nossa passagem. 

Na Suiça, para além de uma cultura de montanha, há uma perfeita consciência do valor que os seus trilhos representam. A forma como os habitantes nos saúdam nas aldeias reflete o reconhecimento que as populações dão a quem ali se desloca para desfrutar das suas montanhas e do trabalho que dedicam à sua acessibilidade.
Assim as cinco etapas foram cumpridas. Diria que a experiência em planear a aventura de Haute Route foi uma grande ajuda no sucesso desta. A montanha é sempre imprevisível e sendo algo que não faz parte da nossa cultura (não temos montanhas em portugal), requer uma aprendizagem. Sobretudo ser conservador e não aventureiro. Pode ser fantástico superar e sobreviver a uma tempestade em alta montanha. Mas por vezes é apenas mortal. A montanha pode ter enorme beleza e atracção, mas quando as coisas correm mal, ou mesmo menos bem, a montanha é impiedosa e cruel. 

É sempre preferível acabar cedo demais e desfrutar de uma cerveja fresquinha à conversa, mesmo que fique a sensação que se podia ter feito mais 500m D+, do que esgotar todos os trunfos e ser apanhado por uma tempestade de final de tarde cujas consequências são quase sempre desconhecidas. Ainda ontem em Genebra, a 7 minutos de chegarmos ao aeroporto, uma gigantesca tempestade parou todos os comboios, destruiu linhas do tram, arrasou inúmeras árvores cidade fora e por pouco nos fazia perder o voo de regresso. Felizmente estávamos dentro de um submarino (não, espera, era um comboio parado na penúltima estação), enquanto cá fora as criaturas marinhas (não, espera, eram apenas pessoas na estação) tentavam sobreviver à enxurrada de água e trovões que paralisou momentaneamente a cidade. E estávamos na cidade a 375 m de altitude. Imagino aquela raiva e fúria da natureza aos 3000 m, onde passámos tantas vezes...

Felizmente nada disto aconteceu, e apenas desfrutámos do percurso, das paisagens sublimes, da beleza gritante daquela natureza. Claro que houve momentos de stress: uma descida interminável de mais de 1500 m D- debaixo de vento e chuva, por vezes intensa, trilhos roubados à rocha, escarpa abaixo, a trovoada sempre a ameaçar, e St Niklaus mesmo ali, quase... estava sempre quase.... 

Ou o Schöllijoch, cujo nome ainda não sei pronunciar, mesmo que o tenha descido. É uma passagem de montanha aos 3343 m e consiste numa parede vertical de 80 metros. Lá um baixo um pequeno glaciar irá testar a aderência das tuas sapatilhas, bem como o equilíbrio e a capacidade de escorregares por ali abaixo... Como se desce uma parede de 80 metros ? Com cordas, escadas, degraus em ferro espetados na rocha, mas sobretudo com imenso respeito pela vida. Preferencialmente com um arnês de segurança e capacete (por causa das pedras que caem, certo sr. Pedro?). Infelizmente duas destas duas coisas não tínhamos. Diria que é mais simpático subir o raio do Schöllijoch mas essa opção não estava disponível.

Por isso, com muita adrenalina a ajudar, esta foi sem dúvida a piéce de resistance da nossa viagem. 

Na imagem ao lado, recolhida por mim já cá em baixo e a uma distância segura dos calhaus que continuamente vão caindo da montanha, façam zoom e encontrem as 6 pessoas que estão a descer. Lá no alto, a iniciar a loucura (perdão, a descida) estão o Eduardo logo seguido do Pedro. Mais para baixo um grupo de 4 pessoas está também a descer esta mítica passagem. Inesquecível!

E pronto. Não vos maço mais. Ao longo dos próximos dias e depois de processar as muitas centenas de fotos que tirei e sobretudo esperar que a cabeça desça também das montanhas, prometo regressar com o dia a dia de cada etapa, para memória futura (que a minha vai ficando curta para tanta coisa) mas também para os amigos que gostam de ler e de se inspirar nestas coisas.

Esta pequena introdução não estava completa sem um agradecimento muito especial à minha família que me atura estas maluqueiras. Obrigado, vocês são as melhores princesas do mundo. E claro aos malucos, perdão, aos amigos, que fazem questão de partilhar estas aventuras comigo. Obrigado! 

Boas férias para todos aí aos zero metros do nível do mar. 

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