sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A montanha, o frio, o poliéster, e outras histórias de plástico


Sou um tipo que sofre muito com frio em provas de montanha. É normal. Não temos montanhas em Portugal, por isso a montanha não faz parte da nossa educação ou costumes. Os nossos pais não nos passaram estes valores. Não há uma cultura de montanha, não sabemos estar na montanha, viver na montanha, não há marcas de equipamento de montanha, nem portuguesas, nem as internacionais apostam no nosso mercado. É normal. A malta é mais praias, serras, e coisas mais tranquilas e seguras (se souberem nadar claro).

O frio e a montanha

Claro que o meu frio não acontece só na montanha, só que a montanha é o local onde, pela imprevisibilidade, agressividade e localização remota, quando as coisas correm mal, podem correr mesmo muito mal. Daí a preocupação adicional

Obviamente que há pessoas que percebem de montanha. Quem ama a montanha não encontra grandes novidades neste texto. Mas quem, como eu, acha que percebe alguma coisa de desportos activos em montanha, por exemplo, o trail running, mas depois rapa um frio desgraçado, podendo mesmo correr alguns riscos porque não percebe nada do tema, talvez encontre aqui material para se entreter. 

Este texto é um pequeno resumo de alguns links que vou divulgar no final (em inglês) onde podem perseguir esta temática e até contribuir com material (claro que isso não vai acontecer porque o pessoal nem sequer comenta, quanto mais...)

Problema

Para quem, como eu, transpira muito, a conjugação do frio exterior (ainda pior se associado a vento) com a roupa encharcada é uma mistura potencialmente explosiva. Enquanto existe capacidade de produzir calor em quantidade, leia-se bombar montanha acima ou montanha abaixo, a coisa ainda vai, mas às tantas é preciso parar nos abastecimentos, o cansaço instala-se e é preciso meter a passo, descansar um pouco. O corpo arrefece rapidamente e o resto vocês já conhecem, a sensação horrível do frio, a incapacidade de trocar para roupa seca ou simplesmente aquecer e lá se vai a nossa prova. E na melhor das hipóteses a coisa fica-se por aí.

Solução

A solução não é simples. Por um lado temos de estar protegidos do frio; não dá para sair de t-shirt só para não suar tanto. Por outro lado, quanto mais protegidos do frio, mais vamos suar. Quanto mais suamos, mais ensopamos as camadas interiores, por mais "respirável" que seja o vosso corta-vento ou impermeável. E quanto mais estamos ensopados... maior o problema.

Farto de usar uma conjugação de camadas de camisolas com o inevitável impermeável, que se coloca ou se tira consoante as condições climatéricas do momento, parti à procura de uma solução. 

Por um lado queria um casaco quente, algo que no momento certo me conseguisse dar o conforto necessário. Mas por outro não dá para ir carregado com um capote alentejano na mochila.

Ao começar a procurar soluções junto das grandes marcas de montanha: Patagonia, North Face, Marmot, Columbia, etc. percebi... que não percebia nada do assunto. A oferta é esmagadora, para além dos preços claro, que esmagam a minha carteira. 

Oferta

Chamar oferta aos produtos destas marcas parece piada. Mas tem de haver uma razão para os preços e sobretudo para os modelos e gamas que parecem não ter fim em catálogos gigantescos.

Felizmente os sites direccionam-nos para os produtos corretos e depois de alguma investigação, pesquisa de opiniões, reviews, leitura de experiências, percebemos o que precisamos. 

Como precisamos de uma coisa que nos proteja levemente do frio, bastante respirável para permitir escoar o calor e o suor produzido e altamente compactável para não ocupar demasiado espaço nas nossas limitadas mochilas, temos basicamente duas opções na gama de isolamento leve, que é o que precisamos: penas ou sintético.

Nada se compara às penas em isolamento e compressibilidade, ou seja, conseguimos ter algo que protege minimamete e que se for preciso se arruma num bolso do próprio casaco. Poderia ser perfeito um casaquinho desses da moda, tipo boneco da michelin, almofadado, fininho, que se guardava no fundo da mochila. Mas infelizmente esses casaquinhos não são impermeáveis e nem podiam ser porque senão cozíamos num forno. E não sendo impermeáveis iriam ficar empapados em suor e acreditem que não há coisas muito piores que uma camada de penas molhas coladas ao corpo. Não somos patos, nem os patos usam as suas penas desta forma. 

E por essa razão nasceram os isolamentos sintéticos. Por encomenda inicial do exército norte americano, a industria têxtil desenvolveu fibras de poliéster com estruturas optimizadas para reterem bolsas de ar, que constituem a camada isolante. Podem não ser tão eficientes como as penas, mas apresentam a enorme vantagem de manterem o calor mesmo molhadas e de secarem rapidamente. Já experimentaram secar um casaco de penas?

Como o trail running é um desporto aeróbico em que se produz muito calor, não podemos ter muito isolamento. Por isso devemos usar casacos com reduzido isolamento sintético, altamente respiráveis, específicos para desportos de elevada actividade a baixas temperaturas. Não são propriamente indicados para passeatas na montanha. Não são impermeáveis, e mesmo como corta-vento não são das coisas mais eficientes. 

Camadas

Portanto mesmo com alguma protecção, que consegue respirar e deixar escapar alguma da água que produzimos, ainda assim vamos ter de levar o nosso amigo impermeável para proteger da chuva ou mesmo de um vento mais forte ou mais frio. 

A resposta está, como deviam já saber, na palavra camadas. Uma camada base (base layer) adaptada às necessidades mas constituída por algo não demasiado quente ou ensopável, uma segunda camada que poderá ser um destes isolamentos sintéticos ligeiros. Por fim uma ultima barreira, essa sim impermeável, que protegerá contra o vento mais forte ou mesmo contra a chuva. 

Obviamente não vão evitar a transpiração e não vão evitar a roupa molhada. Pois se mesmo sem roupa iriam transpirar (ou não, aqui já depende de cada um). O desejável é conseguirem manter algum equilíbrio entre o calor produzido e o libertado, e em caso de paragem ou abrandamento do ritmo, as camadas junto ao corpo não vos arrefecerem e contribuírem ainda mais para a hipotermia.

Claro que o problema inicial não vai desaparecer. Não há milagres. Iremos sempre arrefecer, iremos sempre sentir algum frio, estas coisas requerem adaptação, aprendizagem, as diferenças podem ser pouco assinaláveis. A roupa vai continuar a estar molhada, o corpo vai estar rotinado no arrefecimento, o nosso cérebro vai despoletar os habituais mecanismos de defesa. 

A aposta é que estas pequenas alterações, no limiar de todos estes mecanismos, somadas, consigam retardar o inevitável processo de arrefecimento global. 


TPC

Enquanto esperam ansiosamente pelo desenrolar deste artigo podem sempre ficar a saber tanto ou mais que eu, seguindo estes links:



E como brinde por terem conseguido ler até aqui deixo-vos um processo, gratuito, para restaurarem a camada resistente ao clima dos vossos casacos (este video é da quechua mas vai dar mais ao menos ao mesmo para os outros fabricantes)


Entretanto já está disponível a continuação no artigo seguinte Camadas no Trail Running - está na hora de evoluir para um mundo melhor

Boa leitura!

2 comentários: