sábado, 29 de outubro de 2011

23 de Outubro - Grande Trail Serra d'Arga




Em boa hora decidi ir ao I Grande Trail da Serra d’Arga. Estava com algumas duvidas por 2 razões. Primeiro porque ir a Caminha não é propriamente como ir ali ao lado, quer em tempo, quer em custo. Depois porque como vou fazer a maratona do Porto estava fora de questão ir fazer uma maratona de montanha 15 dias antes devido ao desgaste excessivo que iria sofrer. E ir fazer apenas o Trail (21Km) em vez da prova toda, deixa sempre aquela sensação de saber a pouco e acabava por não justificar a viagem.

A gota de água que fez transbordar o copo foi a corrida do tejo e a Nike que decidiram aumentar o preço da inscrição para 14€. Já quando aumentaram de 10€ para 12€ foi uma decisão polémica. Na altura uma série de pessoas abandonaram o barco desta prova. Agora este ano, em que todos estamos a passar dificuldades, decidirem aumentar mais 2€, para mim acabou-se. O meu clube paga a inscrição mas acho que é uma questão moral que me vai impedir de voltar a participar nesta prova. Claro que nesta sociedade de consumo cada qual é livre de fixar os preços dos serviços e cada um de nós deve optar por seleccionar em função das suas próprias opções.

Não me vou alongar em conjecturas e explicações, apenas vou aproveitar para fechar o tema da corrida do tejo neste parágrafo porque provavelmente não voltarei a falar desta prova. A situação resume-se da seguinte forma:

- Quem fixa o valor a cobrar é a organização e tem toda a legitimidade para pedir o valor que quiser (segundo dizem em 2013 vai passar para 16€);
- Só vai a esta prova quem quer. Ninguém é obrigado a ir. Há tanta oferta em Portugal que é simples arranjar qualquer outra alternativa nessa data. Se não houver nenhuma, vá correr sozinho ou com amigos. Pelo contrário, quem for à prova escusa de vir “chorar” que o estão a roubar;
- Não há que ter “medo” de organizar outras provas em cima da corrida do Tejo. O publico alvo é diferente e há imensa gente que conscientemente evita participar nesta prova. Qualquer prova que surja nesta data conta à partida com muitas centenas de pessoas que não voltam a pôr os pés nesta prova. Pelo contrário muitas das pessoas que aqui vão são pessoas que saem do armário 2 ou 3 vezes por ano, nas provas mais mediáticas, e sempre irão fazer a mesma rotina e pagar à Nike para correr aquilo que a Nike achar que deve pedir;
- A corrida do tejo continua a esgotar (este ano foi difícil mas ainda esgotou) e enquanto tal acontecer a organização achará que a prova é um sucesso e sente-se com legitimidade para aumentar (ou manter) o preço. É a lei da oferta e da procura a funcionar.

Por estes motivos a unica decisão sensata que me resta é sair fora do barco e seguir outro caminho. Não temos todos de ir aos mesmos sítios fazer as mesmas coisas. Ponto final parágrafo.

Arrumada definitivamente esta questão passemos às coisas boas. TRAIL!

Para compensar os custos da deslocação juntámos 4 atletas de elevado gabarito e lá fomos: o Luis, o José Sousa, o Paulo Fernandes e eu. A viagem fez-se sem espinhas e em 3h30 estávamos em Caminha para almoçar. Caminha é muito bonita ali na foz do rio Minho que faz de fronteira com nuestros hermanos mesmo ali ao lado.

Depois de descobrirmos onde almoçar numa sucessão caricata de eventos, fomos para o hotel levantar os dorsais e assistir às jornadas. Sempre tive a convicção que a tarde de Sábado ia ser fantástica. Interlocutores de grande nível, assuntos muito interessantes e uma plateia de pessoal do trail, estava montada a festa. Se não acreditam confiram porque todos ficámos mais de 5 horas a absorver valiosa informação e histórias fantásticas.


O excelente Hotel Porta do Sol à beira do Rio Minho. Magnífico cenário

Os ilustres oradores no início da sessão
O Vereador/Cozinheiro do almoço da prova 




Começou com o amigo Jorge Serrazina a relatar a sua epopeia de 330Km no Tor de Géants. Uma prova que leva os atletas a fazer 330Km em 7 dias subindo e descendo os Alpes. Recomendo vivamente que tirem 30 minutos para lerem calmamente a prova contada na 1ª pessoa pelo Jorge no seu blog. Uma epopeia fantástica. A não perder. O Jorge terminou a prova em menos de 5 dias, acabando em 40º da geral e 3º do seu escalão. É obra!
Em seguida o Carlos Sá mostrou-nos um filme sobre a sua participação na Marathon des Sables em 2011. Uma  prova em que se leva o corpo e sobretudo o espírito para além de qualquer limite jamais imaginado. 7 dias em Marrocos, no deserto, a correr cerca de 40 Km por dia (um dos dias são 80 Km) em regime de auto subsistência. A organização apenas fornece água e um tecto de uma tenda para descansar. Tudo o resto é transportado pelo atleta. Com temperaturas perto dos 50º durante o dia e perto dos 0º à noite e um regulamento com regras muito rígidas leva qualquer um aos limites. Quem pode ultrapassa-os. E o Carlos Sá fez precisamente isso terminando num brilhante 8º lugar apenas a 3 horas do 1º marroquino. Se ainda não viram a excelente reportagem que à data passou na Sport TV aqui fica uma boa oportunidade. A não perder. Parte 1 e Parte 2

Seguiram-se apresentações mais técnicas, uma do treinador do Carlos Sá, Paulo Pires (onde é que eu já ouvi este nome?) sobre como se deve treinar, e também sobre a forma como o Carlos se prepara para as provas em que participa. Gostei de ver uma série de conceitos e suplementos que já utilizo nos meus treinos. 
A Dra. Maria Cunha fez uma apresentação muito interessante sobre Medicina Desportiva - Prevenção e tratamento das lesões mais frequentes em atletas. Excelente informação e dicas.




Para fechar com chave de Ouro o João Garcia levou-nos numa pequena incursão aos picos mais altos do mundo. Como treina, o que se sente, como se sobem montanhas de mais de 8000 metros sem recurso a oxigénio suplementar.

As jornadas superaram a minha expectativa. Foi uma tarde muito bem passada no Hotel Porta do Sol que tem excelentes condições para um evento desta dimensão. Espero que futuros eventos deste género aproveitem esta receita que o Carlos Sá deu. A partilha de informação é muito importante. E estes eventos são o local ideal para se divulgar informação, para partilharmos experiências, derrubar mitos, aprendermos uns com os outros. No fundo trata-se de fazer crescer a modalidade. O Carlos Sá revelou-se assim, não só um atleta de montanha de um nível extraordinário, mas também um organizador de eventos altamente inovadores e muitíssimo úteis para toda a comunidade.

No final, depois de colocarmos as coisas no pavilhão, fomos procurar um sítio para jantar e rapidamente percebemos que em equipa que ganha não se mexe e voltámos ao local do almoço. Já agora e porque fomos bem tratados aqui fica o agradecimento em forma de publicidade. Restaurante Remo em Caminha, junto ao rio, uma vista magnífica e relaxante. Pratos do dia mais em conta numa salinha mais reservada ou serviço à carta nas zonas mais nobres com vista para o rio. Porreiro pá!
A noite calma não deixava antever a borrasca que lá vinha. Mas vinha! Dormiu-se relativamente bem, pavilhão bem composto, poucos trombones.
6h, equipar, arrumar tudo no carro e seguir para Dem onde chegámos cedo e já com uma ventania enorme. Não estava muito frio mas o vento encarregava-se de tornar a coisa bem desagradável. Aquecíamos no pequeno café no centro da aldeia enquanto esperávamos pela partida da prova principal. A partida foi muito engraçada com todos a contarem as badaladas do sina da igreja. A partida seria à 8ª badalada.



Depois de assistir à partida da Maratona já debaixo de um gigantesco vendaval e alguma chuva percebi que ia melhor servido com um impermeável do que com um corta vento. Não estava a pensar ir muito depressa e as rajadas de vento iriam certamente causar bastante desconforto térmico. Foi uma boa aposta. Enquanto esperávamos pela nossa partida e pela 9ª badalada do sino da igreja a ventania trazia por vezes umas cargas de água. Já estava impermeável e sentia-me aconchegado. Podia cair o céu.


Logo após a partida começámos a subida que iria logo pôr toda a gente em sentido. Quanto mais subíamos mais inclinada e exigente se tornava. As rajadas de vento e as chuvadas aumentavam também com a escalada. A partir de certa altitude já estávamos no interior das nuvens, parecendo que era nevoeiro..
Ao chegarmos ao primeiro pico, após uma subida de 3 Km deu logo para perceber que a tempestade tinha vindo mais cedo. Um pequeno abastecimento de água sobrevivia como podia abrigado atrás de uma pedra. Um vento gigantesco uivava numa construção de suporte a uma antena. A chuva na horizontal fustigava quem estava ali a trabalhar. 
Sabendo que o pessoal da maratona iria voltar por ali e fazer aquela descida, no meio da nuvem e com aqueles ventos ciclónicos... não ia dar bom resultado.

Ao começarmos a descer a encosta contrária o vento amainava à medida que descíamos, protegidos agora pela própria serra. Começam a surgir as primeiras calçadas romanas que o Carlos tanto tinha referido na véspera. Feitas de grandes pedras eram surpreendentemente seguras. Aos poucos fui perdendo o receio de descer em velocidade, saltando de pedra em pedra. Os meus Asics Trabuco revelavam uma aderência surpreendente mesmo nas pedras molhadas. Tentava conter-me nas descidas porque o perigo espreita a cada passada e basta uma escorregadela para deitar por terra, não só esta prova mas também, no meu caso, a Maratona do Porto, 15 dias depois desta prova. Tive de me "lembrar" muitas vezes que estava ali para passear, tal era a vontade de acelerar e arriscar mais um pouco.
Sensivelmente a meio da prova surgiu o Mosteiro S. João de Arga.

Num vale magnífico era o nosso sítio de eleição onde tínhamos planeado dormir na noite anterior. Era um dos locais de "solo duro" previstos pela organização, no entanto um fogo no dia anterior e o necessário rescaldo que estava a decorrer impediram que usássemos o local. Foi uma pena mas em 2012 a ver se não pegam fogo à serra outra vez. Já as zona das cascatas teve de ficar de fora devido a um incêndio na semana anterior. O habitual cancro que ataca as florestas do nosso país, este ano só chegou em Outubro devido à vaga de calor. Mais um sítio que fica para 2012.
Após o Mosteiro retomámos a paisagem de serra. Ora subíamos a picos onde a tempestade nos recordava que o dia se estava a degradar cada vez mais, ora descíamos a vales e recantos da serra onde parecia que estava apenas um dia feio, mas nada de grave. Atravessámos aldeias do mais castiço que há, com o xisto a dominar toda a paisagem até chegarmos à zona do rio. Um vale em que acompanhámos o rio numa zona muito bonita e bem preservada.




Aqui ouvi a confirmação do que já tinha ouvido no reabastecimento do Mosteiro. A prova de 42Km tinha sido cancelada devido ao mau tempo e estava a acabar também ao Km 20, tal como a nossa. Fiquei com pena do pessoal dos 42Km. Ia ser uma desilusão mas era perfeitamente compreensível. A tempestade tinha chegado mais cedo e nos pontos altos, com o vento e com nuvens tão baixas a visibilidade era mínima. A malta gosta de desafios mas deixar prosseguir a prova era pura loucura..

Ainda consegui fazer um bom sprint nos 2Km de estrada antes de S. Lourenço, dado que tinha vindo devagar durante toda a prova. Na meta a Manuela Machado, debaixo de chuva, esperava por cada atleta para lhe colocar a medalha ao pescoço. Bolas, senti-me fresco outra vez ao ver tamanha atleta a colocar-me a medalha. 

O Carlos Sá estava num stress enorme com a confusão logística que estava a causar o cancelamento da prova grande ali em S. Lourenço. Só os da pequena é que estavam previstos acabar ali e serem transportados de volta a Dem. Os da grande terminaram pelo próprio pé em Dem. Era preciso levar aquela gente toda dali para Dem. Felizmente muita gente da Maratona optou por correr até Dem pela estrada (8Km) fazendo assim mais um pouco de prova e aliviando a organização de ter de os transportar. Eu mal o Carlos me perguntou se estava pronto para ir para Dem e tomar antes banho lá acedi de imediato.

Em Dem despachei-me num instante e foi só o tempo de todos nos encontrarmos de novo, o que não foi fácil para o José Sousa que, coitado, ficou na vila à espera que o fossem buscar e eu no pavilhão do almoço à espera dele. Desculpa Zé... A confusão foi geral. O Luis e o Paulo tiveram mais sorte pois foram entregues directamente no pavilhão tal como eu e, pensava eu, tal como todos iriam ser. 

Enfim, percalços resultantes do raio do tempo que baralhou os planos da organização. Foi só o tempo de repor algumas energias com o esparguete à bolonhesa que o Vereador da Câmara de Caminha confeccionou para 800 pessoas (e estava muito bom, parabéns ao cozinheiro), o José recebeu a medalha dele que com o cancelamento não tinha sido entregue e, por mais que me custasse, queria raspar-me dali para fora. O tempo estava terrível, cada vez chovia mais (como se ainda fosse possível) e rajadas de vento enormes deixavam adivinhar uma viagem para baixo nada confortável. 
E de facto não foi nada confortável. Debaixo de um dilúvio que várias vezes nos obrigou quase a parar na auto-estrada (um verdadeiro perigo iminente) lá chegámos à zona de Coimbra e daí para baixo já o tempo agravava apenas com fortes mas breves descargas. Ainda conseguimos ver o sol, mas de pouca dura. Por volta das 19h estávamos em casa com a barriguinha cheia de um fim de semana fantástico de trail.    

Em boa hora nos juntámos para ir ao fim do país fazer esta aventura. Embora o tempo tenha estragado os planos a muita gente eu adorei as condições climatéricas e a adrenalina adicional que trouxe... :)

Obrigado a todos e espero que tenham gostado tanto de todo o fim de semana como eu. O Carlos está de parabéns. Tem ali uma serra magnífica e toda uma comunidade de gentes simpáticas e hospitaleiras que está pronta a ajudar na recepção aos seus amigos. Para o ano se tudo correr bem volto à Serra d'Arga para fazer a 1ª Maratona de Montanha da Serra d'Arga, completa SFF :)

Podem ver as minhas fotos (que ficaram muito fraquinhas pois devido ao mau tempo poucas vezes usei a máquina na prova) aqui.
Mas no blog da prova estão centenas de fotos que têm sido enviadas ao Carlos. Vejam aqui

4 comentários:

  1. Grande relato. Apesar da prova ter sido cancelada a meio, terá sido um grande fim-de-semana. Não tenho ainda condição física para participar numa aventura dessas, mas gostava muito de ter estado naquela sala de conferências do hotel, a ouvir grandes experiências. Também já tinha lido a aventura do Jorge Serrazina e é algo que nos transporta para lá, como se estivéssemos a viver a sua prova em tempo real, tal é o pormenor do relato.
    Cumprimentos

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  2. Então força com esses treinos. Para o ano há mais :) Abraço.

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  3. Amigo Paulo ficamos a aguardar a revelação em alguns segredos bem guardados dos ensinamentos apreendidos nessas jornadas técnicas. Aguardamos a partilha da informação.
    J. Santos

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  4. A ver vamos. Se a organização disponibilizasse o powerpoint é que era...

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